Antes de começarmos a reportagem, uma rápida pergunta: você sabe quantas fotos do seu filho estão publicadas na redes sociais? Uma pesquisa recente divulgada pela empresa de segurança digital AVG, mostra que três em cada quatro crianças com menos de 2 anos, em mais de 10 países, têm fotos publicadas na Internet. Outro levantamento, realizado nos Estados Unidos, mostrou que pais de crianças de até 6 anos publicam até três informações sobre seus filhos nas redes sociais semanalmente.
Se por um lado, a irresistível fofura provoca ímpetos exibicionistas dos nossos pimpolhos, por outro, as plataformas digitais se desdobram para proteger a identidade dos milhares de menores expostos diariamente em suas redes. Questão que torna-se um pouco mais delicada quando a iniciativa deixa de ser só dos pais e eles próprios – os filhos – passam a pleitear sua presença no meio digital.
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Foi o que aconteceu na casa de Beatriz Warkentin, 41, que há alguns anos deparou-se com o impasse entre permitir ou não que o filho Matheus, na época com 14 anos, tivesse seu próprio perfil no Facebook. “Até então ele acessava canais de esportes e de pegadinhas no YouTube, nada que nos alarmasse. Até que ele veio pedir pra fazer um perfil Facebook. Foi o momento de refletir se aquilo realmente era seguro”, lembra Beatriz.
A professora conta que a decisão foi conjunta e, antes de permitir que Matheus acessasse a rede, algumas regras foram estabelecidas. “Conversamos eu, meu marido e o Matheus. Decidimos juntos que ele poderia entrar no Facebook contanto que tivéssemos acesso livre ao que ele estava acessando”, conta. O mesmo foi combinado para as demais redes, como o Instagram. “Acredito que exercer a liberdade de forma segura dentro de casa, diminui o risco dos meus filhos quererem descobrir sozinhos, lá fora. Por isso optamos em deixá-lo conhecer as redes sociais nesses parâmetros”, explica.
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A demanda não foi só do Matheus. Segundo a Tik Kids Online Brasil, 89% das crianças e adolescentes brasileiros são usuários da Internet. Nos Estados Unidos, o número salta para 92%, o que fez com que diante do jovem e crescente mercado, as grandes companhias digitais buscassem ferramentas para promover a navegação segura dos menores nas redes. Um exemplo, foi o lançamento da plataforma YouTube Kids, voltada exclusivamente para as crianças.
Beatriz, que é mãe também da Esther, de 12 anos, conta que, por um tempo, a plataforma supriu a demanda por conteúdos que a pequena tinha. “Quando menorzinha, ela gostava. Agora ela já está entrando na adolescência, aí fica aquele dilema. Ela já se interessa por outro tipo de conteúdo. Se antes eram desenhos, hoje ela busca por maquiagem, esportes e também a própria interação das redes sociais. Coisa que não tem nas plataformas pra crianças”, diz.
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Com razões suficientes para permitir o ingresso da Esther nas mídias, veio a pandemia. “Foi aí que decidimos deixá-la fazer um perfil no Instagram. Além dos novos interesses, agora a única forma de interagir com seus amigos é on-line. Foi uma decisão conjunta e bastante positiva. É claro, que seguimos vigilantes”, revela a professora.
Instagram para crianças
De olho na crescente demanda, o Facebook anunciou há algumas semanas a possível abertura de uma nova rede social voltada exclusivamente para os pequenos. A ideia é que a nova mídia funcione como o Instagram, porém com acesso liberado aos menores de 13 anos. A ideia é estudada levando em consideração o enorme número de menores que mentem suas idades para abrirem perfis nas redes administradas pelo Facebook diariamente.
A ideia não foi bem recebida pelos pais que, na semana passada, formalizaram uma série de protestos contra a plataforma alegando os riscos da exposição dos menores online, da coleta de dados e também os danos psicológicos que o ingresso precoce nas redes podem provocar. Numa carta, oficialmente encaminhada ao fundador e dono Facebook, Mark Zuckerberg e assinada por 35 organizações parentais, um dos argumentos é o de que o Instagram guarda relação direta com o risco do desenvolvimento de transtornos alimentares, cyber-bullying e assédio sexual.
O assunto repercutiu. Tanto que até celebridades se posicionaram acerca do tema. Em suas conta no Twitter, a humorista Tatá Werneck postou um parágrafo afirmando que não fará um perfil para sua filha Clara. “Se ela quiser ter redes sociais, ela faz quando crescer. E nós nem saberemos porque ela tem cara de que vai nos bloquear”, postou.
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Deixar ou não deixar?
A questão seria simples, não fosse a grande contradição que orbita em torno do assunto. Lembra da pergunta lá do comecinho da reportagem? Pois é. O que se vê, na prática, é que a exposição dos pequenos já começa cedo demais e, pior, pela mão dos próprios pais.
Para a especialista em mídias sociais, Fernanda Musardo, a tentativa de criar plataformas exclusivas para os menores é válida, porém o risco de que essas mesmas plataformas tornem-se desinteressantes muito rapidamente, é grande. “A demanda das crianças e adolescentes hoje é pela mesma experiência digital que os adultos têm nas redes sociais. A graça é pertencer a esse universo assim como os maiores de idade. Por isso, plataformas exclusivamente infantis não têm a mesma adesão que os canais digitais regulares. O que se vê, na prática, é que as crianças estão acessando as mesmas redes que os adultos e, pra isso, mentem ou são monitoradas pelos pais”, explica.
A especialista explica ainda que, por mais que se estabeleça a vigilância sobre o conteúdo que os filhos acessam, o movimento comum dos jovens no meio digital é “fugir” do monitoramento dos pais. “É o que vimos há alguns anos quando o público mais velho começou a usar Facebook. Os mais jovens migraram para o Instagram. Aí os mais velhos foram para o Instagram. Pois eles foram para o Tik Tok, e por aí vai. O que observamos é que os filhos, de fato, demandam essa independência no meio digital”, revela.
Então o que fazer? Fernanda ressalta que o uso de plataformas exclusivas para crianças pode ser bastante positivo e que a tentativa pode ser válida. “É preciso que as grandes empresas pensem maneiras de tornar essas plataformas atrativas o suficiente para fidelizarem o público. Se não, a boa e velha vigilância sobre o acesso às plataformas comuns pode ser uma boa alternativa caso a insistência seja grande. Ademais, vale sempre ressaltar a importância dos pais manterem atualizados os mecanismos de filtro e controle de navegação pois os riscos online são reais e graves”, alerta.
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Para a especialista porém, mais válido ainda é o diálogo. “As plataformas hoje são um meio de comunicação e entretenimento. Mas não o único. É importante que os próprios pais repensem o quanto andam usando as redes sociais e como isso impacta a visão e a vontade dos seus próprios filhos de participarem disso. A responsabilidade legal de orientar e vigiar o comportamento dos filhos é dos pais. Por isso, o diálogo aberto e olho no olho, ainda é a melhor saída”, finaliza.