Há mais de 23 anos fazendo alisamento no cabelo, a professora Luciana Alves Bajerski, de 49 anos, encontrou no isolamento social da pandemia de covid-19 uma maneira de se conhecer e aceitar sua própria beleza natural se propondo a uma transição capilar.
Livrar-se de químicas que alteram os cabelos crespos, cacheados e ondulados para lisos tem conquistado cada vez mais adeptas. E se engana quem acredita que a mudança radical tem a ver com moda. Afinal, celebridades como a atriz Juliana Paes e a apresentadora Maísa têm procurado soltar seus cachos. Aderir ao poder do black power tem sido uma maneira de muitas mulheres de acreditar na sua própria beleza.
“Os alisamentos estavam acabando com o meu cabelo. Tive que fazer uma escolha: ou continuava alisando para sempre ou assumia meu cabelo. Nisso, tomei a decisão de fazer a transição”, revela Luciana. Há quase três meses sem usar química, a professora conta que deixar o alisamento não tem sido fácil. “Tem dias que dá vontade de correr para a progressiva de novo, que nada ajeita. Mas quando você cria um objetivo e as pessoas te apoiam, fica mais fácil”, garante.
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Para ajudar no crescimento de fios naturais e saudáveis, Luciana tem feito tratamento para fortalecer o cabelo em um salão de beleza especializado, tomando todo cuidado possível por causa da pandemia. Os cabelos, que eram longos, receberam um novo corte, o que deixou o cuidado mais prático. Com mais tempo em casa, ficou mais fácil cuidar das madeixas. “Eu me sinto linda no espelho. Tirei foto, postei. É bacana de ver. Eu nem lembrava da última vez em que vi meu cabelo com a raiz crespa. Foi gostosa a sensação”, orgulha-se a professora.
Enquanto os fios crescem, Luciana vê aos poucos a transformação. Cuidar do novo look está sendo libertador para a professora. “Quando é liso, não pode molhar, não pode transpirar, não pode passar muito a mão. Em dia de chuva, tem que andar de touca, guarda-chuva, é uma preocupação constante”, conta. Portanto, ressalta Luciana, a sensação de liberdade é uma das principais recompensas da transição capilar. “Isso sem contar a parte da autoestima, de se aceitar como mulher. Eu estou bem animada com a transição e tenho certeza que vai dar certo. Já está dando”, explica.
Para Luciana, acreditar na beleza do crespo foi um processo. Ela cresceu com a ideia de que cabelo afro é cabelo ruim. “Acho que foi por isso que alisei por muito tempo. Eu faço terapia e na minha infância e adolescência minha relação com o cabelo foi traumático. As pessoas tiravam sarro”, desabafa. Na visão da professora, essa ligação ruim de que cabelo crespo é feio ainda está na cabeça de muita gente, nem todos se libertam do estigma. “Por isso eu não julgo quem alisa”, conta.
Assumir os cabelos naturais é uma forma de aceitação. Por outro lado, Luciana acredita que também é preciso “desromantizar” o processo. “Para você ter um crespo bonito, você tem que cuidar, tem que ter investimento. Poderia ser menos romantizado, tem que falar a real. Não é de graça ter um cabelo afro bonito”, salienta ela.
Muito mais que cabelo
Quem conhece agora a também professora Samara da Rosa Costa, de 32 anos, mal sabe que ela também passou por uma transição capilar há cerca de três anos. Dona de um belo cabelo afro, Samara também é contadora de histórias e traz em suas contações a valorização da cultura negra. “Eu falava de negritude em sala de aula, mas faltava alguma coisa para me sentir completa. Sempre usei turbante, dou oficinas de amarração”, conta.
Ao levar a mãe para fazer um tratamento de recuperação nos cabelos em um salão de Curitiba, Samara mudou. “Quando cheguei no salão, vi outras mulheres negras com seus cabelos naturais e lindos, foi bem impactante pra mim”, relembra. Ver outras mulheres passando por transição capilar, fez Samara desejar também ter seu cabelo natural.
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Pela profissão e por ser contadora de histórias, Samara é referência para muitas crianças e lembrar disso foi importante para que ela adotasse seu cabelo natural. Logo que voltou com a contação de histórias com seu novo visual, Samara recebeu um carinho inesperado.
“Eu estava numa sessão de contação quando uma criança pequena soltou o cabelo. Depois da história, ela precisou puxar meu cabelo para ver que não era peruca. Quando viu que o meu cabelo, a princesa da história, era igual ao dela, ela pulava de alegria”, recorda com carinho.
Uma etapa marcante para as mulheres
A terapeuta capilar especialista em cabelos crespos e cacheados Inayê Souza revela que a pandemia tem levado muitas mulheres a procurar pela transição capilar. Segundo ela, essa transformação não acontece só no cabelo. “É um sentimento de dentro para fora. A mudança começa interna e acaba refletindo no cabelo. Ela reverbera de forma inesperada de pessoa para pessoa. Quando eu faço o corte para tirar a química do cabelo, elas estão chorando. Passar por isso significa quebrar muitas convicções”, conta a especialista.
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Para ter um cabelo bonito e sem química é preciso paciência, de acordo com a terapeuta capilar. “Tem que entender que o cabelo vai dar resultado, mas tem dias que não vai dar. É não desistir, ter persistência, esquecer da chapinha e do secador. Procurar um profissional que possa ajudar”, ressalta.
A especialista conta que muitas querem comparar resultados ao ver depoimentos na internet. “Não se sabe a realidade do cabelo dessas blogueiras. Então elas saem de uma ditadura e caem em outra, a do cacho perfeito. O profissional é que vai sempre ajudar nos cuidados no salão, mas também fora. É primordial ter cuidado em casa”, garante.
A transição fez a cabeça das famosas
A escola pela transição capilar também passa pela cabeça de muitas famosas. A atriz Juliana Paes, num depoimento para o programa Fátima Bernardes, da TV Globo, no dia 4 de junho, está mantendo os cachos naturais durante a quarentena. Para ela, ter o cabelo escovado era mais fácil para manter a continuidade das cenas. “O cacho não se comporta igual todo dia. Tem dia que ele acorda virado, tem dia mais amassado. Esse cabelo não natural não é adotado nas novelas por isso. Mas eu vou tentar emplacar esses cabelos naturais. Não vou mudar esse cabelo nunca mais”, revelou.
Érika Januzi, que atualmente tem mantido seu black curtinho, tem se mostrado radiante com o visual mais natural. Ela também passou pela transição natural e confessou que a mudança não foi fácil. “Eu tinha um mega hair enorme, mas para mim aquele era o meu cabelo, ele era lindo e ninguém podia tocar nele”, lembra a atriz durante entrevista ao programa Fátima Bernardes.
Ao cortar bem curtinho, Érika disse que ficou totalmente perdida, mas que aos poucos foi entendendo que a mudança capilar foi também uma mudança interna. “Você tem que ter a força para ver os olhares dos outros, que nem sempre vão ser de admiração”, conta. Ela ainda reforça que para passar pela fase é necessário muito amor próprio. “A sociedade impõe pra gente que o bonito é o liso, o comprido. Eu posso ser bonita da forma que eu quiser. E se meu cabelo é crespo, eu tenho que me sentir bonita com ele. Cortar não é fácil, foi a decisão mais radical que eu já tomei, mas eu estou muito feliz”, finaliza.
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