Quem foi adolescente no início dos anos 2000 sabe pelo menos cantar um hit do Detonautas, que anteriormente era Detonautas Roque Clube. Eles fazem parte daquela época especial de tênis Reef cinza, pastinha escolar, gargantilha de tatuagem, bico de pato no cabelo. Nem parece que já faz tanto tempo que a banda estava sempre presente nas paradas do Disk MTV.
Detonautas voltou ao Paraná recentemente, no último 07 de fevereiro, para um show em Arapongas, Norte do Estado. A banda veio para um show da turnê ‘Elétrico”, que teve mais de 100 apresentações somente no ano passado. Esse ano, a banda vem para Curitiba em julho, com outro show, o “Acústico”, com violões e outros instrumentos de corda.
O Detonautas continua forte na pista, já consolidado no cenário musical depois de longos anos. O vocalista da banda, Tico Santa Cruz, vive uma nova fase após ter pedido mais de 12kg em 2024 com mudança de hábitos e nova rotina de exercícios. Mesmo sem ter a pretensão, Tico tem inspirado seus fãs de uma maneira genuína a como ter uma vida mais saudável. A Tribuna do Paraná pegou carona na mudança toda e conversou com o roqueiro para saber mais sobre saúde, nova fase da vida, rock, Detonautas e música.
Confira a seguir o bate-papo completo:
Você vive uma nova fase na sua vida. A gente percebeu que você tem mudado hábitos, perdeu 12 kg ano passado, tem seguido uma rotina de exercícios. Quando veio esse clique para a mudança de hábitos?
Tico: Eu já estava há muito tempo buscando essa mudança, mas é difícil você colocar em prática. Por isso que eu tenho tanto receio de coach que não tem consciência do que está falando na internet. Eu não falo para as pessoas fazerem isso, ou aquilo, ou usarem tal caminho ou fazer por outro caminho. Eu tenho muito cuidado de lidar com isso porque foi muito difícil para mim conseguir chegar nesse lugar de estar saudável, de estar buscando caminhos de mais tranquilidade, mais harmonia.
Foi um processo psicanalítico forte, de terapia muito forte. Eu faço terapia há muitos anos mas não tinha me aprofundado ainda na psicanálise, que é uma outra linha de terapia que me ajudou muito nesses últimos anos. Mas não foi fácil. Eu tentei durante três anos mudar meus hábitos e não conseguia porque eu tava com uma ansiedade muito pesada e descontava tudo na comida, e embora eu fizesse exercício físico, de certa forma, a forma como eu tava me alimentando não tava saudável, não tava positiva. Então isso repercutia na minha dificuldade de mobilidade, na minha dificuldade de praticar esportes, no meu cansaço, na minha falta de disposição para certas coisas. Então foi um processo. O que a gente tem que deixar claro para as pessoas é que a gente não conquista as coisas tão rápido quanto é vendido no Instagram.
A gente conquista dentro de processos. E os processos têm que ser com acompanhamentos de pessoas capacitadas. No meu caso uma psicóloga, com quem eu trato e faço a minha psicanálise, médicos que me ajudam e me auxiliam nas minhas atividades físicas, porque eu sou uma pessoa com histórico na coluna e no joelho, então eu tenho que ter cuidado. E na espiritualidade, acima de tudo, respeitando todas as outras formas de espiritualidade que existem, mas acreditando realmente na fé que as coisas funcionam quando a gente se equaliza com a energia certa. Eu não fico pregando. Eu acredito naquilo que me faz bem, e você acredita naquilo que te faz bem e tá tudo certo.
Na última semana o Detonautas fez um show em Arapongas, da turnê Elétrico, que tem sido um sucesso no ano passado. Em julho, a banda confirmou show acústico em Curitiba. É legal também que essas duas turnês obviamente pelo nome, celebram dois estilos diferentes e que o Detonautas consegue entregar muito bem. Existe algum tipo de preparação diferente para cada tipo de show como esses?
Tico: O Acústico já é uma relação mais contida, mas não contida do ponto de vista da intensidade da música, mas pelo fato de ser uma outra intensidade, no sentido musical mesmo, de arranjos e etc. O formato Elétrico já é uma festa, são os super hits, da galera cantando tudo, todo mundo dançando em pé, é uma outra vibe também.
A gente se preparou para fazer esses repertórios de maneiras diferentes, do ponto de vista geral. Os dois vão passear pelos hits do Detonautas, os dois vão passear pelos grandes sucessos. O Acústico tem canções que a gente nunca cantou no Elétrico porque são músicas que a gente preparou especialmente para esse projeto, que incluem os discos que nós lançamos durante a pandemia, no caso “Quem precisar de mim”, e outras canções que nunca foram tocadas no Elétrico. Mas o Elétrico também tem versões, “O Sonhador” do Charlie Brown, do Rappa. A gente tem bastante coisa assim, de atrativo para um e para o outro, para todo mundo poder assistir.
Vocês estão celebrando nessas duas turnês diferentes uma união de 27 anos de banda. Como é seguir com o Detonautas por tanto tempo? Qual é o segredo desse casamento duradouro?
Tico: Eu acho que a gente foi muito bem sucedido nas nossas relações pessoais, dentro da banda. Muito mais que muitos casamentos, inclusive. Porque é difícil, realmente. Imagina, você está lidando com seres humanos com personalidades diferentes, que têm momentos de vida diferentes. A gente conseguiu estabelecer uma conexão entre nós de muito respeito, de muita amizade, e de trabalho também. Então eu acho que o grande segredo é ouvir, saber ouvir o outro.
Quando o outro não tá num bom momento, num bom dia, ter a capacidade de se colocar no lugar o outro e perceber que não vale a pena você ir para o enfrentamento, discussões.
É um exercício de ouvir o outro e esperar o momento certo para poder conversar. A gente aprendeu isso aos trancos e barrancos na estrada, mas a gente sempre teve muito respeito entre nós e eu acho que esse é o grande sucesso, essa grande amizade, esse carinho um pelo outro.
Ao contrário de algumas bandas que podem estar trabalhando juntas mas não tem relações internas juntas, a gente se fala, se encontra com as famílias. A gente tem uma relação familiar muito positiva, e eu acho que isso se reflete no palco, na longevidade da banda também.
E como é chegar em 2025 com uma banda que começou num cenário musical completamente diferente? No início dos anos 2000 não existia streamings, nem redes sociais.
Tico: A gente conseguiu se adaptar a todas as transições. Primeiro, o Detonautas começou já pela internet em 1997, que já é algo muito improvável. A gente se conheceu num momento que não existia rede social, essa interação de câmera, de saber com quem você tá falando do outro lado, etc. Por si só já é um começo improvável. A gente administrou muito bem as transições da indústria, de comunicação, da forma como a música passou a ser ouvida. A gente sempre se preocupou em também se adaptar a essa forma de comunicação de hoje que é muito mais veloz do que era nos anos 2000.
Se naquela época a gente tinha MTV, Multishow, as rádios, os canais, hoje isso é pulverizado dentro dos streamings e dentro das redes sociais. O conteúdo fica muito mais complexo para você conseguir equalizar e construir essa base de fãs que a gente construiu. A gente tem ao nosso favor esse tempo, que é o legado que o Detonautas construiu ao longo desses mais de 20 anos e que talvez seja o maior desafio para os artistas atuais. Por isso dá essa sensação de que o Detonautas já tem a sua própria persona, porque você já sabe quem é o Detonautas. Já tem uma obra, já tem uma consistência, tem uma história.
Hoje a gente tá atravessando um desafio agora que é encarar um mercado que vai ser pautado pela inteligência artificial. Para gente como artista é um novo desafio, entender a ferramenta. Não é demonizar, é saber que todo o processo de produção cultural vai passar também pela manipulação da inteligência artificial, as coisas positivas e negativas que isso pode nos trazer, e estudar.
E o Tico Santa Cruz de hoje. Sua influencia musical, a maneira como você faz música, mudou? Você chegou a ter algum preconceito com algum gênero musical e que hoje não tem mais?
Tico: Se eu tivesse com 47 anos e não tivesse a sensação de que é necessário mudar para poder chegar até aqui, eu acredito que estaria aqui nesse mundo a passeio. Eu mudei muito e mudei principalmente a minha forma de ver a arte na sua pluralidade. Eu acho que teve uma fase ali nos anos 2000 que eu tinha um preconceito grande com outros gêneros de música brasileira, que era uma estupidez enorme. Inclusive, dentro do próprio rock. Eu acho que eu consigo visualizar muito melhor do que eu via antigamente a diversidade de gênero no Brasil.
O Detonautas têm, por exemplo, uma versão de “O Sonhador” que é uma música que é um sertanejo dos anos 1990 e que a gente está regravando. Ao longo do nosso processo dos últimos 10 anos, a gente gravou com Lucas Lucco, que é um artista do sertanejo, a gente gravou com a Alcione que é uma artista da MPB, do samba. A gente gravou com gente do rap, do trap, então a gente conseguiu se inserir no meio da pluralidade e entender que cada um tem o seu espaço sem precisar diminuir o trabalho do outro. Eu acho que esse foi um grande aprendizado. Se a gente não gosta de alguma coisa, é melhor exaltar o que a gente gosta.
O Detonautas se encaixa como uma banda de rock. E o estilo vai além da música, da melodia. Acredito que também tem muito a ver com atitude. E a gente percebe que você se expressa muito suas opiniões mesmo nas redes. Você já teve ou tem medo de ser cancelado por expor suas opiniões?
Tico: Eu acho que hoje em dia, até pela minha saúde mental mesmo eu evito entrar em embate na rede social. Eu entrava em embates porque eu tinha um embate interno comigo muito profundo. Então eu acabava expressando isso nas redes sociais de alguma maneira, entendendo que talvez fosse necessário eu entrar em uma ou outra discussão relacionada a temas que eram temas sociais ou políticos, e depois eu entendi que rede social não é um terreno favorável para se debater nada.
Eu aprendi com muita dor, sofrimento da minha família, sofrimento meu, com muito desgaste pro Detonautas, com muita coisa que não foi positiva. Hoje eu não vejo necessidade de ficar expondo a minha opinião em relação a nada na internet. Eu falo sobre música, sobre meu trabalho. Falo muito pouco sobre a minha família, também não tenho a intenção de abrir a minha privacidade para as pessoas que eu não sei quem são e que estão vagando pela rede social.
Quanto ao cancelamento, eu acho que já fui cancelado milhões de vezes. Mas é muito louco porque como tudo tá polarizado, você é cancelado de um lado e de outro você não é. E é justamente disso que eu estou fugindo, de não ter que ficar no meio dessa polarização.
