Com mais de 67% da população que recebeu pelo menos uma dose das vacinas contra a Covid-19, Israel é um dos primeiros países a embarcar em uma nova rodada de vacinação. A terceira dose será destinada a grupos mais vulneráveis à doença, como os idosos.
O que alarmou e empurrou os israelenses, e outros países como o Chile, Alemanha e França a discutirem a dose de reforço foi o avanço da variante Delta, mais transmissível, e uma pequena redução na efetividade dos imunizantes. No entanto, ainda não há dados que confirmem um benefício claro – ou mesmo uma necessidade – da terceira dose. Mas os estudos que vão trazer essas respostas já estão sendo conduzidos.
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Na quarta-feira (11), dois estudos clínicos conduzidos na China concluíram que a aplicação de uma terceira dose da Coronavac, em pessoas de 18 a 59 anos, aumenta de três a cinco vezes a produção dos anticorpos neutralizantes, capazes de impedir a entrada do coronavírus nas células humanas. Acima dos 60 anos de idade, a terceira dose pode elevar em até sete vezes o número de anticorpos. Os estudos foram compartilhados na plataforma MedRXiv, e não passaram pela revisão de outros pesquisadores. O primeiro pode ser visto aqui, e o segundo aqui.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu autorização, em junho e julho, para o início de dois estudos clínicos que analisam os efeitos, a segurança e os benefícios da dose de reforço. Serão avaliadas as vacinas das farmacêuticas Pfizer/BioNTech e da AstraZeneca/Universidade de Oxford/Fiocruz.
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Ainda em julho, o Ministério da Saúde anunciou um estudo clínico que avaliará a necessidade da terceira dose em pessoas que receberam as duas aplicações da Coronavac, do laboratório chinês Sinovac e Instituto Butantan. Cerca de 1,2 mil participantes serão divididos em quatro grupos e receberão, como terceira dose, as vacinas:
- Coronavac, da Sinovac/Butantan;
- Janssen;
- AstraZeneca/Oxford;
- Pfizer/BioNTech.
O objetivo dos estudos é produzir os dados que ainda faltam para que, então, as estratégias de vacinação sejam adaptadas. De acordo com o Ministério da Saúde, a nova rodada de vacinação poderá ser feita no final de 2020, caso se mostre necessária.
Duas doses protetoras
Se a terceira dose será ou não necessária, ainda é preciso aguardar os resultados dos estudos. Os dados que estão disponíveis agora, porém, indicam que pessoas com apenas duas doses dos imunizantes estão protegidas das formas graves da Covid-19.
Em um levantamento feito pela plataforma de monitoramento Info Tracker, da USP e Unesp, apenas 3,7% das vítimas da Covid-19 eram de pessoas que haviam sido vacinadas. A plataforma analisou os casos ocorridos entre 28 de fevereiro – quando os primeiros vacinados concluíram a janela de imunização – e 27 de julho. Dos vacinados que foram internados pela doença, o percentual é ainda menor: 3%.
“Os dados estão muito claros. As vacinas realmente estão protegendo, não há a menor dúvida. Muito mais importante do que a terceira dose é completar a vacinação nas doses preconizadas neste momento para todo mundo”, destaca João Viola, médico e pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e presidente do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia.
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O alerta do especialista está baseado nos dados mais recentes divulgados pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, nesta terça-feira (10): 7 milhões de brasileiros não buscaram a segunda dose. “Isso é preocupante, porque a eficácia maior vem da vacinação completa. Somente a vacina da Janssen que é de dose única. As pessoas precisam voltar e tomar a segunda dose, para estarem protegidas”, explica Viola.
Idosos e imunocomprometidos primeiro
Ao envelhecermos, o nosso sistema imunológico envelhece junto, gerando a chamada imunossenescência. As respostas das células de defesa tendem a diminuir, o que aumenta o risco de idosos desenvolverem formas graves de doenças, como a Covid-19. Mesmo as vacinas não possuem a mesma eficácia neste grupo e, caso a terceira dose tenha a necessidade comprovada, os idosos estarão, muito provavelmente, na primeira chamada para o reforço.
“Existe uma intenção em priorizar pacientes idosos, porque os estudos mostram que eles perderam a memória imunológica alguns meses após a vacinação primária. Por isso existe a ideia da dose de reforço para estimular o sistema imune e garantir uma proteção mais duradoura”, explica Ana Karolina Barreto Marinho, médica imunologista e alergista, membro do Departamento Científico de Imunizações da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (Asbai), além de médica assistente no serviço de Imunologia e Alergia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
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Segundo Marinho, a mesma decisão poderá valer para pessoas que tenham a imunidade comprometida, como pacientes que passaram por um transplante ou estão em tratamento oncológico. “É uma discussão que deve acontecer, mas temos que levar em consideração os estudos que suportem isso como boa decisão”, completa.
Antes da terceira dose, proteção global
Diante de um aumento no interesse dos países pelas doses de reforço, a Organização Mundial da Saúde (OMS) pediu por uma moratória mundial na aplicação extra, pelo menos até o fim de setembro. Isso porque ainda há países que não conseguiram vacinar a própria população com uma dose.
“No contexto das atuais restrições da oferta global das vacinas, a administração de doses de reforço irá agravar as desigualdades, aumentando a demanda e consumindo a escassa oferta, enquanto as populações prioritárias em alguns países, ainda não receberam as primeiras doses. O foco, no momento, permanece no aumento da cobertura vacinal global”, destaca a entidade em comunicado publicado nesta terça-feira (10).
A OMS reforça ainda que as doses de reforço deverão ser aplicadas apenas se houver evidências claras, e devem focar em grupos populacionais que precisem mais. “Até o momento, as evidências permanecem limitadas e inconclusivas sobre qualquer necessidade generalizada de uma terceira dose após uma série de vacinação primária.”
Para João Viola, presidente do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, a discussão sobre o uso da terceira dose, ou não, seria bem mais simples se houvesse vacinas para todo mundo.
“Ainda estamos discutindo muito isso, se focamos nos grupos prioritários ou se separamos as vacinas para aplicar em países que não tomaram ainda, e são decisões difíceis porque ainda temos um número limitado de vacinas. Se tivéssemos imunizantes liberados a todos, não teríamos essa discussão. Faríamos a terceira dose em quem precisasse e daríamos acesso a quem não tivesse ainda”, explica.