Enquanto se ocupa preparando atividades lúdicas para entreter os filhos na quarentena, Tatiane Ribeiro percebe um movimento constante em direção à cozinha. “Se eu deixar, eles querem comer o dia inteiro”, conta a atendente de caixa em tom bem-humorado. Segundo ela, o “estrago” é ainda maior quando Samuel e Isabele descobrem o caminho do armário de guloseimas. “Aí não sobra nada”, diz.
Pelo que aponta a coordenadora da Comissão de Psicologia Clínica do Conselho de Psicologia do Paraná, Mariana Mansur Soares Santos, a comida nunca teve o papel de apenas prover nutrientes ao ser humano, mas sempre possuiu ligação direta com o nosso sistema emocional – o que explica o fato de muitas crianças estarem “assaltando” a geladeira nesta temporada forçada em casa.
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“Ela [a comida] aflora os nossos sentimentos bons e quando estamos em um momento de fragilidade, comer é uma forma de compensar o que estamos sentindo”, justifica. Para a especialista, o problema, no entanto, é quando o prazer vira compulsão. “Estamos vivendo um período em que os níveis de ansiedade subiram próximo de 400% e se a gente for pensar no doce, por exemplo, ele oferece quase que um carinho no nosso cérebro: uma combinação que, em excesso, oferece riscos”, alerta.
Facilitadores
Já a nutricionista Angela Federau, especialista em nutrição escolar, reparou em outro comportamento que pode estar influenciando no apetite das crianças. “Na contrapartida do sofrimento infantil, muitos pais têm dado liberdades para suprir as faltas. Então, se o filho reclama que sente falta dos amiguinhos, o pai ou a mãe vão lá e dizem: ‘Vem cá, meu filho, vamos fazer um brigadeiro’ e isso desperta um perigoso ciclo de recompensa alimentar”, constata.
Angela esclarece que comer sobremesa, pizza ou fast food uma vez ou outra não faz mal a ninguém, o que não pode é ser todo dia. “Nas crianças o ganho de peso é muito negativo, porque pode antecipar a puberdade, diminuir a estatura possível, além de gerar uma série de consequências psicológicas, como a distorção da própria imagem”, pontua.
Calendário nutritivo
Mas como saber se meu filho está querendo comer mais que o necessário? Essa é a questão. Angela reitera que, via de regra, pequenas refeições devem ser feitas de 3 em 3 horas ao longo do dia – mais do que isso é exagero. Água, chás e sucos podem ser oferecidos nos intervalos para manter a hidratação e só.
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Com relação ao repertório alimentar da criança, não tem saída: o único jeito de mudar é dando exemplo. “Não adianta querer forçar a criança a comer mais frutas e verduras se os pais não comem”, ressalta a nutricionista. Pelo que sugere, implantar um “calendário nutritivo” com desafios diários (como provar beterraba e comer espinafre) funciona bem com os menores, além – é claro – de uma boa conversa.
Outra dica da especialista é celebrar cada vitória. “O pouco que ela provar você já comemora. O importante, nesse momento, é que a criança vá se acostumando e assimilando aquilo com algo bom, como é com a comida da vovó”, afirma. A ideia é que essas tentativas se repitam não só enquanto durar a quarentena. “Esta é a oportunidade de reorganizar a rotina alimentar da casa”, enfatiza.
Adolescentes
Quanto mais velhos os filhos, maior costuma ser a resistência em experimentar novos alimentos. Com eles, a estratégia tem que ser outra. “Com os adolescentes, o que funciona melhor é trazer eles para a cozinha”, diz Angela. Segundo ela, o primeiro passo é estabelecer uma autonomia (em que eles mesmos possam escolher o que de saudável querem comer e preparem suas próprias refeições) e depois partir para o “ataque”. “Ainda mais quando a questão é o peso, eles precisam entender que não há fórmula mágica para emagrecer que não seja diminuir a ingestão de calorias e transformar o excesso de gordura em energia”, indica.
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Pulo do gato
A dica de ouro, que vale tanto para crianças quanto para adultos, é não querer manter a estratégia alimentar (de não comer besteiras) sempre na casa dos 100%. Angela orienta que o mais garantido é ficar na média de 80 – 20, ou seja, 80% dentro do programado e com 20% de margem para quando surgirem as tentações. “Isso diminui o risco de ‘enfiar o pé na jaca’ e jogar tudo para o alto”, garante.