Estilo musical dominante no Brasil, o sertanejo é hegemônico também entre os jovens do país. Além disso, contrariando o que se imagina, o gênero não está diretamente ligado a quem se identifica à direita no espectro político. Ao menos, não entre quem tem de 15 a 29 anos.
É o que mostra uma nova pesquisa do Datafolha, realizada em julho, em 12 capitais de todas as regiões brasileiras, que ouviu mil jovens.
“A gente tem ouvido muito, lido muito sobre uma associação entre o sertanejo e a direita, e eu tenho combatido muito essa tese. Acho que os fãs de sertanejo são mais diversos do que essa tese quer apontar”, diz Simone Pereira de Sá, pesquisadora de música brasileira da Universidade Federal Fluminense.
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O sertanejo é o estilo musical favorito de 30% dos entrevistados, à frente de funk, pop e rap, citados por 24% das pessoas. Ele também aparece em primeiro lugar, ou pelo menos empatado dentro da margem de erro, em quase todos os recortes –por gênero, raça, renda familiar mensal e posicionamento político.
A única exceção é entre homens, já que 34% dizem gostar de rap, 28% citam o funk, e o sertanejo é lembrado por 24%. O gênero musical dominante também é mais ouvido por mulheres, um possível reflexo do crescimento de figuras femininas de destaque no estilo, num movimento encabeçado por Marília Mendonça.
“O sertanejo ocupa o topo tanto para os jovens que se definem de direita quanto para os que se dizem de esquerda”, diz Pereira de Sá, a pesquisadora. “Deixou de ser uma música dos bolsões, e estou falando de duas ou três décadas. Nos anos 1980, ele não ultrapassava certas barreiras, não tocava nas capitais, não era pensado como uma música urbana. Mas, desde então, vem sofrendo reconfigurações para se tornar moderno e cosmopolita.”
Apoio a Bolsonaro
Nestas eleições presidenciais, nomes como Gusttavo Lima, Zezé Di Camargo, Leonardo e Chitãozinho declararam apoio a Jair Bolsonaro, do Partido Liberal. Mas o alinhamento desses astros do sertanejo com a direita não se reflete no posicionamento dos jovens. Isso porque o estilo musical é citado por cerca de 30% dos entrevistados que se declaram tanto de esquerda quanto de centro ou de direita.
Para Dani Ribas, doutora em sociologia pela Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, além de diretora da Sonar Cultural Consultoria e especialista em análise de comportamento do público em relação à música, a força do sertanejo entre a juventude reflete o domínio dessa música na indústria fonográfica brasileira –tanto no rádio quanto nas festas públicas e no streaming.
“Nós, profissionais do mercado musical, sabemos que o sertanejo é financiado pelo agronegócio, mas as pessoas não sabem”, ela diz. “E esse é um sertanejo que não tem nada a ver com o ambiente rural. Tem a ver com beber, pegar homem ou mulher, e curtir uma fossa.”
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Para a socióloga, que vê a música como uma etiqueta social, por meio da qual as pessoas se diferenciam umas das outras, as novas gerações têm menos pudor em ouvir diversos estilos diferentes. Ela acredita que as separações por tribos a partir de um gênero não são mais tão comuns.
“Quanto mais jovem, mais eclética, do ponto de vista do gênero musical, a pessoa é. Ela escuta música por ‘mood’, ou seja, por como está se sentindo”, ela diz.
A especialista diz que o fato de os estilos mais citados pelos entrevistados pouco se alterarem, independentemente do recorte, mostra que a separação por gênero não é o fator mais importante para se entender o consumo musical. Em termos de posicionamento político, apenas a música religiosa se destaca como mais citada por pessoas de direita, enquanto a MPB aparece um pouco mais relevante para as de esquerda.
A música gospel, aliás, não aparece com tanta força entre a juventude. “Apesar de parte expressiva da população ser evangélica, essa música não ocupa o mesmo espaço da crença”, diz Pereira de Sá. “Isso inclusive confirma algumas pesquisas que temos. Ela é vista como uma música de nicho, de culto.”
Outro gênero que hoje surge destacado como mais ouvido por uma parcela específica dos jovens é o rock –mais citado entre homens, brancos e com renda mensal familiar mais alta. “Esse fenômeno do ‘rock de direita’ está associado a homens brancos no Brasil –nos canais de YouTube, nos sites. Ou até a uma certa pretensão de pureza racial”, ela diz.
Ela conta que, para a publicação de um artigo, analisou vídeos de convocações para passeatas de Bolsonaro, no ano passado, e os cinco mais visualizados tinham o rock como trilha. “Há essa identificação do sertanejo com Bolsonaro, mas na trilha eles botam rock. É um rock mais clássico, de guitarras, meio que o sonho de um retorno a uma época em que não vivemos mais.”
Para Ribas, o rock se consagrou como um gênero de contestação aos costumes, mas foi ficando mais careta e conservador. “O que foi acontecendo em países com muita desigualdade, como o Brasil, que tem uma grande parcela da população de origem negra, é que o rap foi ocupando esse lugar da contestação social. Para aqueles que buscam na música a afirmação de uma identidade contra o sistema, o rock perdeu esse lugar.”
Ela vê o gênero hoje mais atrelado à virilidade masculina. “Décadas atrás, os bares de rock eram lugares de contestação, de se opor a tudo o que te oprimia. Hoje, você vê motos Harley-Davidson e um sentimento de agressividade, e a hegemonia é de um pensamento violento contra as minorias e tudo o que é considerado inferior. É quase a afirmação de uma hegemonia da raça branca.”
Logo atrás do sertanejo, os estilos musicais preferidos pelos jovens brasileiros –funk, pop e rap– formam uma espécie de bloco heterogêneo, em que os gêneros se misturam, diz Pereira de Sá. Para ela, eles representam a força de uma música pop que vem da periferia, mas que hoje disputa o mainstream.
“Um monte de artistas de estilos diferentes estão construindo essa performance pop em torno desses gêneros que eram periféricos no Brasil, mas que hoje não são mais”, ela diz. “Para mim, neste momento, essa é a música pop brasileira.”
Essa mistura de ritmos urbanos, que têm em Anitta sua figura mais famosa, vem inclusive renovando a imagem do Brasil no exterior, rivalizando com a música brasileira mais clássica, de 40, 50 ou 60 anos atrás. “Esse conjunto de gêneros ainda não toca lá fora como a MPB e a bossa nova dos anos 1960 e 1970, mas tem muito apelo”, diz Ribas.
A socióloga conta que, especialmente na Europa, a música brasileira é vista como sinônimo de um povo que sabe se divertir a despeito de todas as mazelas e ter uma postura positiva diante da dura vida cotidiana. Isso é algo que não está tão atrelado ao sertanejo, mas a esse pop multifacetado, que tem a sua força motriz no funk –a expressão mais original do que se pode entender como música eletrônica brasileira.
Já a MPB, apesar de não aparecer nas primeiras posições da pesquisa do Datafolha, mostra que ainda tem força entre os jovens, apesar da pouca renovação vista nos últimos anos. Isso provavelmente acontece graças ao aumento do consumo de músicas “de catálogo” –ou seja, antigas– nos serviços de streaming, diz Ribas.
“Outro dia, na internet, morri de rir porque os jovens de hoje descobriram que Caetano Veloso e Maria Bethânia são irmãos”, ela diz. “Mas como o consumo de música de catálogo aumentou, eu arrisco dizer que esses jovens estão consumindo MPB porque estão redescobrindo esses artistas.”
Essa tese é corroborada pelas vendas milionárias de direitos sobre catálogos de artistas veteranos no exterior, como fez Bob Dylan. Se antigamente as lojas de música, em suas prateleiras, substituíam os álbuns mais antigos pelos novos, hoje tanto lançamentos quanto antiguidades estão disponíveis num clique no streaming.
“Não dá para saber se esses jovens são adeptos da MPB, mas isso pode ter a ver com a identidade dela –porque os pais ouviam, traz alguma memória familiar”, ela diz. “Também pode ser porque eles querem descobrir referências. [Eles pensam] ‘Vou consumindo tudo, 30 segundos de cada coisa, fuçando tudo, de repente aparece MPB –e eu também gosto disso, afinal de contas sou brasileiro’.”
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