Desde o início da pandemia de coronavírus, pesquisadores debatem se o tipo sanguíneo dos infectados exerce algum papel na gravidade da Covid-19. Um estudo recente trouxe novas evidências que sugerem que pessoas com sangue tipo O podem ter alguma proteção contra o vírus.
A empresa americana 23andMe, que oferece testes genéticos, divulgou na semana passada um estudo feito com sua base de mais de um milhão de pessoas. Os resultados foram publicados no MedRxiv e ainda não passaram pelo processo de avaliação por outros cientistas.
Mais de um milhão de clientes da empresa responderam a um questionário, entre abril e julho, que perguntava se eles tinham sido testados para Covid-19 e sobre outros fatores de risco para a infecção. Entre esses, 15.434 disseram ter sido diagnosticados com Covid-19 e 1.131 relataram que foram hospitalizadas por causa da doença. Os pesquisadores então analisaram o genoma dessas pessoas para encontrar associações entre fatores genéticos e a doença.
Assim como outros estudos anteriores, essa pesquisa observou que idosos, homens, obesos, pessoas com condições cardíacas e respiratórias pré-existentes e de origem africana ou hispânica tinham mais chances de serem hospitalizados. Os pesquisadores também concluíram que pessoas com sangue do tipo O tiveram menos chances de serem infectadas pelo Sars-CoV2, o que parece indicar que esse tipo sanguíneo protege as pessoas da doença. Ao mesmo tempo, eles não viram diferenças de risco entre os outros tipos sanguíneos (A, B e AB). Os autores também não detectaram aumento de risco relacionado ao fator Rh.
É importante notar que esse estudo apenas encontrou uma associação entre os tipos sanguíneos e o risco para Covid-19, mas não é capaz de comprovar que esses diferentes tipos de fato causam maior ou menor risco para a doença, ressalta João Prats, infectologista da BP, a Beneficência Portuguesa de São Paulo. “Esses dados reforçam as evidências de que o tipo sanguíneo tem relação com a doença e isso é bem interessante. Mas precisamos de outros estudos [sobre essa relação] do ponto de vista clínico para provar se essa hipótese é verdadeira e não apenas coincidência”, diz Prats.
Portanto, todas as pessoas, de qualquer tipo sanguíneo, devem continuar tomando os mesmos cuidados para evitar o vírus. “Ter sangue do tipo O não lhe dá garantia de estar protegido”, alerta Prats. “Mesmo que esse seja um fator protetor importante, a pessoa pode ter vários outros fatores de risco que favorecem a doença”, explica o infectologista.
Como isso pode acontecer?
O mecanismo da associação entre tipo sanguíneo e Covid-19 ainda é incerto. Duas hipóteses podem explicar essa possível ação: uma relacionada a um papel direto dos grupos sanguíneos na infecção e outra relacionada a fatores genéticos.
Cientistas tentam entender por que algumas pessoas que contraem Covid-19 não apresentam sintomas, enquanto outras ficam gravemente doentes. Idade e condições de saúde influenciam a gravidade da doença, mas esses fatores sozinhos não explicam toda a variedade de sintomas. Por isso, especialistas têm procurado variações no genoma humano que podem determinar se uma pessoa é mais ou menos suscetível e influenciar o curso da doença.
Estudos anteriores já haviam relatado que duas áreas do genoma humano estão ligadas a um maior risco de sintomas graves de Covid-19. Uma delas inclui o gene que determina o tipo sanguíneo, o que pode dar pistas sobre essa conexão.
A ação de proteínas do sangue durante a infecção também pode ter alguma influência nos resultados. O sangue tipo O contém anticorpos anti-A e anti-B (e é por isso que pessoas com esse tipo sanguíneo não podem receber transfusão de sangue A, B ou AB). Cientistas também especulam que esses anticorpos podem limitar a invasão do Sars-CoV-2 nas células humanas.
Pistas genéticas
Pesquisas anteriores já haviam indicado uma ligação entre o tipo sanguíneo e a Covid-19. No início da pandemia, em março, um estudo da China avaliou 2 mil pacientes e concluiu que pessoas com sangue do tipo A podiam ser mais vulneráveis ao novo coronavírus – com maior taxa de infecção e sintomas mais graves do que o restante da população.
Em junho, uma pesquisa feita com pacientes de Covid-19 da Itália e da Espanha viu que quem tinha tipo sanguíneo A tinha mais chances de desenvolver quadros graves da doença. Esse estudo foi o primeiro a relatar a relação de variações em dois locais do genoma humano à gravidade da infecção.
Mas outros estudos aumentaram a incerteza sobre o papel dos grupos sanguíneos como fator de risco para Covid-19. Dois estudos americanos analisaram outros milhares de pacientes e não encontraram risco maior de infecção entre quem tinha sangue tipo A, mas viram que as pessoas com sangue tipo O tinham chances ligeiramente menores de serem infectadas pelo Sars-CoV-2.
O estudo recente da 23andMe também não encontrou maiores riscos ligados ao sangue tipo A.