Das pesquisas desenvolvidas mundialmente em busca de uma medicação que controle o avanço do novo coronavírus, uma ganhou destaque entre os cientistas e as autoridades políticas: a hidroxicloroquina.
Na última quinta-feira (19), o presidente norte-americano Donald Trump anunciou que pedia pressa à agência reguladora de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos, a FDA, para que aprovasse logo o uso desse remédio em pessoas com o diagnóstico da Covid-19. A ansiedade pela liberação desse medicamento é compreensível nesse momento de pandemia em que o mundo vive. E resultados promissores de estudos clínicos envolvendo a hidroxicloroquina colaboram com esse otimismo.
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Embora alguns deles ainda estejam em fases pré-clínicas, ou em testes em laboratórios (in vitro), os que testaram a medicação em pacientes com o diagnóstico da doença também têm o que comemorar. O principal estudo, desenvolvido na França por um grupo de pesquisadores liderados por Didier Raoult, envolveu 25 pessoas diagnosticadas, separadas em três grupos:
- o grupo de pessoas que recebeu apenas a hidroxicloroquina;
- o grupo que recebeu a hidroxicloroquina e o antibiótico azitromicina;
- o grupo controle (que não recebeu a medicação).
Seis dias depois de ter administrado a hidroxicloroquina, o percentual de pessoas com a Covid-19 reduziu a 25%, em comparação aos 90% daqueles que não receberam a medicação (grupo controle). Quando associado ao antibiótico, os efeitos foram reforçados. Dos seis pacientes que receberam a combinação de medicamentos, todos apresentaram uma cura viral até o sexto dia.
Todos os participantes do estudo tinham a carga viral do novo coronavírus testada pelo exame de swab (bastonete) diariamente. Saiba mais sobre como o diagnóstico da Covid-19 é feito.
Como ela age contra o coronavírus?
A ação da hidroxicloroquina contra o novo coronavírus se dá bloqueando o início da infecção no organismo. Para entender como ela funciona exatamente, é preciso saber como o novo coronavírus se reproduz no corpo humano, conforme explica o virologista Jônatas Santos Abrahão, pesquisador e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG):
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Uma vez que a pessoa tenha se contaminado com o vírus, ele precisa achar formas de se multiplicar e sobreviver nesse ambiente novo que é o organismo do paciente. Assim, o vírus funde a própria membrana com a membrana de vesículas presentes nas nossas células. Nisso, consegue “jogar” para dentro das células todas as informações necessárias para se reproduzir, ou a sua carga genética. Assim, dá-se início a multiplicação do vírus.
O que a hidroxicloroquina faz é modificar o pH dessas vesículas, impedindo que o vírus consiga fundir a sua membrana com a das vesículas das células e repassando a carga genética. “O medicamento impede que o vírus jogue o genoma para a célula e não inicia o ciclo. Ele bloqueia o início da infecção”, explica.
Riscos e efeitos colaterais
Os resultados dos estudos podem se apresentar positivos, mas é preciso que a sociedade olhe para esses números ainda com cautela, conforme explica o virologista Jônatas Santos Abrahão. “Temos que tratar com muito cuidado, porque até o momento o número de pacientes com a Covid-19 que foram analisados sob a ótica desse medicamento ainda é muito pequeno”, explica o pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Segundo o virologista, é preciso ter em mente os efeitos colaterais e os riscos associados à essa medicação, que também são bastante conhecidos dos especialistas. “A hidroxicloroquina já é usada para outras doenças, como pacientes com lúpus, artrite reumatoide. Para a malária, por exemplo, é utilizada há 70 anos. E sabemos de alguns efeitos colaterais baseados nesse uso, como danos no coração, gerando arritmia e miopatia. Pacientes com problema cardíaco deve ser avaliado com mais cuidado. E pessoas com problemas de coagulação também, porque [o medicamento] pode aumentar o risco de sangramentos”, explica o virologista.
Abrahão lembra ainda que o Brasil vive outro momento que exige atenção: os casos crescentes de dengue. Essa doença aumenta o risco de hemorragias, e a hidroxicloroquina pode favorecer esse quadro.
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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alertou na última quinta-feira (19) que, apesar de parecer promissor, “não há estudos conclusivos que comprovam o uso desses medicamentos [hidroxicloroquina e cloroquina] para o tratamento da Covid-19, e que, portanto, não há recomendação da Anvisa, no momento, para a sua utilização em pacientes infectados ou mesmo como forma de prevenção à contaminação pelo novo coronavírus” – alerta a agência no site.
Uso apenas com indicação médica
Enquanto a hidroxicloroquina não for aprovada para ser usada contra a Covid-19, ela não deve ser tomada por pessoas sem a indicação médica e muito menos como forma de se “prevenir” contra o novo coronavírus.
Além do risco para a própria saúde – visto que essa medicação pode favorecer problemas cardíacos – uma busca desenfreada pelo medicamento pode prejudicar quem, de fato, precisa dele. “É uma grande irresponsabilidade tomar o remédio sem precisar, sem estar doente. Pode acarretar problemas no coração a médio prazo, que é o está contemplado e explicado na bula. E, na minha opinião, é uma falta de cidadania porque as pessoas que precisam dela, como quem tem lúpus, artrite reumatoide, e não estão encontrando”, alerta o virologista.
Quando o remédio será liberado?
Por enquanto, não há a liberação do uso da hidroxicloroquina como parte do tratamento contra o novo coronavírus. A comercialização com esse objetivo dependerá da aprovação do uso pelas agências reguladoras de cada país.