No começo de 2021, quando as primeiras pessoas começaram a ser vacinadas contra a covid-19 no Brasil, o sentimento nas redes sociais era de felicidade e comemoração. A imagem de avôs e avós que recebiam a primeira dose era saudada com olhos em formato de coração e confetes explodindo na tela do celular.
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O avançar da fila, porém, fez com que as reações mudassem. Agora, com a vez das pessoas mais jovens e com comorbidades se imunizarem, as reações dos seguidores têm sido bem menos amistosas. “Teve gente perguntando se estava tudo bem, outros que nem deram ‘oi’ e já perguntaram o que eu tinha, mas teve gente que presumia que eu tinha me vacinado com um atestado falso e queria saber como eu tinha conseguido um”, relata Bruno*, 30 anos, vacinado no início de maio, em Florianópolis (SC).
Convivendo com o vírus HIV há dois anos, Bruno ainda não compartilhou com a família e conhecidos o diagnóstico, e não queria fazer nesse período de pandemia. No momento em que indivíduos de sua faixa etária e comorbidade foram chamados para se vacinar, ele foi atrás da vacina que era sua por direito, mas decidiu compartilhar a felicidade com quem o seguia no Instagram.
“Quando eu me vacinei, não passou pela minha cabeça que eu teria que me explicar. Se perguntassem, eu pensei que mandaria a lista de comorbidades, mas não precisaria falar o que eu tinha. Eu achava que as pessoas que vissem a minha foto ficariam felizes porque a vacinação onde eu moro está em um ritmo bom, e poderiam pensar que a cidade delas logo chegará lá também. Mas nunca achei que as pessoas iriam questionar”, relata.
Bruno acredita que, como ele foi uma das primeiras pessoas no seu círculo de conhecidos a se vacinar, isso explicaria a maior quantidade de questionamentos. Uma semana depois, outras cidades ampliaram a faixa etária das comorbidades e as imagens de jovens se vacinando passaram a ser mais comuns nas redes. “Depois, muita gente veio me pedir desculpas e falaram que não quiseram ser indiscretos. Mas eu fiquei muito assustado com a abordagem das pessoas. Não sei se é só uma ansiedade para se vacinar ou se as pessoas são curiosas pela vida dos outros mesmo.”
Por trás da tela
A curiosidade é uma reação natural do ser humano, mas não a agressão. “A reação das pessoas eventualmente se agredirem via internet ganhou o termo de ciberbullying, que vem sendo estudado na Psicologia. A internet dá a sensação de proteção, do anonimato, e existem estudos que mostram que as pessoas escrevem para desconhecidos coisas que elas não falariam pessoalmente”, explica a médica psiquiatra Ana Paula Carvalho.
O momento da pandemia, no entanto, pode aumentar a carga de frustrações que está por trás destes ataques. Segundo Carvalho, nem todo mundo que vê uma foto de um conhecido se vacinando vai ter uma reação positiva – e as pessoas que decidirem compartilhar essa experiência nas redes devem estar cientes disso.
“Teve o caso de um conhecido que perdeu a mãe para a covid-19. Essa pessoa falou, em uma rede social aberta, que não aguentava ver as pessoas postando a foto da vacinação. Postar a foto pode ser um alívio para quem tomou a vacina, mas muita gente ainda não tem esse acesso”, explica a médica, que atua como voluntária do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Sobre o compartilhamento, Carvalho diz que não há certo ou errado. “Na medida em que você torna algo público, precisa estar preparado para as reações que não têm a ver com você, mas com as experiências vividas pela pessoa que reagiu. Estamos muito sofridos, mais agressivos que o normal”, reforça.
Quando decidiu postar a foto, a intenção de Bruno era, além de compartilhar a felicidade, servir de incentivo. “Eu convivo com pessoas muito privilegiadas em questão de informação, mas também há algumas que têm medo de vacina. Nem passa pela minha cabeça duvidar das vacinas a essa altura do campeonato, então no meu caso foi muito mais um incentivo, mostrar que está tudo bem se vacinar”, relata.
Atestado falso
Se em uma passada pelas redes sociais se deparar com a foto de um conhecido jovem se vacinando, pense bem antes de o questionar sobre a condição que o levou até lá. Nem todo mundo vai querer compartilhar a informação da própria saúde, e manter o sigilo da condição é um direito garantido do paciente.
Na dúvida se o conhecido furou a fila ou usou um atestado falso, o médico psiquiatra Marcelo Heyde sugere que as pessoas separem as exceções das regras. “Quem está do outro lado [da tela] e se sentir injustiçado tem que entender que existe gente muito séria por trás dos critérios e do fornecimento do atestado médico. Se houver fraudes, elas são mínimas perto da maioria que está se vacinando agora”, explica o especialista, que é também professor da PUCPR e diretor-secretário da Associação Paranaense de Psiquiatria.
Para Heyde, a reação das pessoas pode melhorar quando tivermos um avanço maior no ritmo da vacinação. “Um dos aspectos é que estamos com um gargalo no fornecimento de vacinas ainda. Então, se tivermos uma situação em que o fluxo se mantenha, sem maiores interrupções, com mais lotes chegando, mesmo que a pessoa veja os outros se vacinarem ela vai saber que logo será a vez dela também”, completa.
*Bruno é um nome fictício dado ao entrevistado que preferiu manter o anonimato.