Relação familiar

Pandemia estreitou laços entre as famílias e seus idosos. Filhos e netos passaram a cuidar dos pais e avós

Na casa da dona Maria do Carmo Martins, 77, os netos são bem-vindos a qualquer hora. Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná.

No grupo de risco da covid-19, os brasileiros com mais de 65 anos já começaram a ser vacinados. Mesmo assim, muitos têm enfrentado os desafios de passar pela pandemia, apesar da solidão imposta pelo isolamento social. Em muitos casos, a ajuda de familiares para realização de atividades de maior exposição e até mesmo administração da rotina tem sido mais que um simples favor ou passatempo, mas a oportunidade de estreitar laços entre os mais velhos e a família.

Na casa da dona Maria do Carmo Martins, 77, os netos são bem-vindos a qualquer hora. Mas, ao contrário da casa de muitas vovós por aí, na vó Carminha “tem governo”. Bolo? Só no final de semana. E pensa que é ela que vai pra cozinha? Que nada! A responsável pelas gostosuras que fazem os netos babarem é a filha dela, Claudemara, 48. Assim sempre foi, até que por conta do decreto de isolamento social, os fins de semana na casa da vó Carminha e da tia Claudê ficaram mais vazios. Mais silenciosos.

E não foi só a ausência dos netos que fez mudar a rotina. Se antes da pandemia a agenda da aposentada era abarrotada de atividades, agora é tudo em casa, sempre sob o olhar cuidadoso da filha mais nova. “Minha mãe é muito independente e gosta disso. Pra ela, o auge da semana eram os encontros com as amigas e as aulas de ginástica”, relembra Claudemara, que é maratonista e para manter a mãe ativa, adaptou a sua própria rotina de atividades. “Com a pandemia deixei de sair pra treinar. Ambas paradas em casa, decidimos fazer aulas de alongamento juntas pela Internet.

Cada uma ‘estica’ até onde pode, mas pelo menos assim a gente sacode a poeira”, brinca a bancária, que também está responsável pela organização da rotina médica e social da mãe, inclusive em dia de vacinação. “Fui eu que levei ela pra tomar a primeira dose, no dia 16 de março. A sensação foi inexplicável. Um alívio tão grande! Ambas processamos aquele momento como o início da cura”, relembra Claudemara, que perdeu uma tia por covid-19.

“Perder uma irmã pra doença abalou demais o emocional da minha mãe. Isso reforçou ainda mais a gravidade do momento que estamos passando e até por isso ela não resistiu quando sentamos juntas pra discutir as mudanças que iam acontecer em casa, que felizmente, tirando o convívio social, não foram muitas”, conta a bancária, que sempre morou com a mãe e não encontrou maiores dificuldades para reforçar os cuidados com a idosa na pandemia.

Diferente da vó Carminha, no entanto, milhares de idosos brasileiros tiveram de mudar drasticamente suas rotinas nesse período. Segundo o IBGE, no Brasil vivem mais de 30 milhões de idosos. Desses, 4 milhões moram sozinhos, o que – em momento de pandemia – torna inevitável o questionamento: como atender às necessidades do idoso sem alterar de forma drástica a rotina dele e também a de quem o tutela?

Diálogo ante, mudança depois!

Em tempos onde o cuidado com a saúde é redobrado, trazer os mais velhos para perto parece ser a melhor alternativa, afinal, é o momento de retribuir aqueles que se dedicaram a você a vida inteira, certo?

A resposta é: depende. Segundo a especialista em gerontologia, Simone Fiebrantz, a decisão deve ser das duas partes. “A chegada de um idoso em casa traz mudanças na rotina de toda a família. Por isso, antes de uma decisão tão importante, é fundamental verificar se existe a disponibilidade psicológica, financeira e também de tempo já que muita gente não pode abrir mão do trabalho fora de casa para se dedicar exclusivamente aos parentes”, explica. Segundo a especialista, situações em que tais pressupostos não são verificados antes, podem tornar a situação do idoso ainda mais delicada já que, afastado da sua individualidade, ele pode sentir-se “pesado” para a família. “A ideia é fazê-los sentirem-se acolhidos, jamais como se estivessem incomodando. Por isso, se a família não tem disponibilidade, outras alternativas como a contratação de um cuidador, por exemplo, podem ser mais adequadas”, reforça.

Segundo a gerontóloga, é importante que as famílias que pretendem acolher os parentes idosos conversem com eles e verifiquem quais as suas demandas para que, juntos, reorganizem as rotinas.

Priscila Bientinez, 56, decidiu trazer sua mãe, a dona Alda, 93, para morar com a família já no começo da pandemia. Foto: Lineu filho/Tribuna do Paraná.

Não é servir, mas acomodar

Quando se fala em trazer os parentes mais velhos para morarem conosco, não basta simplesmente separar um quarto da casa, mas sim, fazer com que se sintam acolhidos e confortáveis no novo ambiente. Isso significa, muitas vezes, fazer adaptações nos horários das refeições, promover atividades que incluam todos na casa e, talvez a mais desafiadora, acostumar- -se com a perda da privacidade. “Vale ressaltar que para os idosos isso também significa perda de privacidade e muitos podem até sentir-se invadidos. Por isso, vale recorrer a recursos que ajudem a família a se adaptar à nova fase”, diz a especialista.

Entre as sugestões, contar com um profissional com terapia pode ser de grande ajuda. “Investir na qualidade da relação faz toda a diferença. Por isso, em famílias onde a relação entre pais e filhos não é muito boa, é preciso investir um pouco mais e tentar reconstruir esses laços de afeto e respeito”, ressalta.

Respeita a minha história!

“Quando falamos dos idosos temos que lembrar de sua autonomia e capacidade de decisão. Eles não são nossos filhos, mas adultos, que têm responsabilidade e já construíram suas próprias vidas e têm suas próprias histórias. Nosso papel é auxiliá-los nas suas eventuais novas necessidades”, ressalta Simone. A especialista enfatiza que respeitar a história, a casa e o espaço dos mais velhos deve ser regra para quem os acolhe.

“Uma estratégia que costuma funcionar muito bem é levar o idoso à casa dele algumas vezes na semana, deixá-lo livre em seu espaço. Caso esse local físico não exista mais, é importante resgatar essa autonomia dentro do novo ambiente por meio de atividades que eles estão habituados a fazer sozinhos”, explica.

Foi esse o caminho escolhido pela Priscila Bientinez, 56, que, no começo da pandemia decidiu trazer sua mãe, a dona Alda, 93, para morar com a família por uns meses. “Minha mãe sempre teve uma rotina muito pessoal e independente antes da pandemia. Por isso, para que o impacto da mudança não fosse tão sofrido, nós passamos duas tardes por semana na casa dela desde então. É o momento de ela curtir o próprio espaço, abrir as janelas, regar as plantinhas e tomarmos um café servido por ela, que sente falta da sua cozinha”, revela a aposentada.

Priscila conta que a presença de dona Alda em casa foi um momento de reestruturação da rotina familiar, uma vez que todas as atividades foram repensadas para incluí-la. “Resgatamos o livro de receitas dela e passamos a assistir a filmes e seriados mais românticos, que é o que ela gosta de ver. Jogar baralho também foi uma ótima distração”, diz.

Para a aposentada, conviver novamente com a mãe durante a pandemia revelou novos sentimentos em relação aos vínculos da família. A perda do irmão para a Covid foi um impacto forte que serviu para aproximá-la ainda mais da dona Alda, que já tomou as duas doses da vacina contra o coronavírus e pôde voltar à sua casa. “A sensação de levar minha mãe para tomar vacina foi a mesma que tive quando levei minhas filhas pequenas, há vinte anos. Poder cuidar com carinho dos nossos pais e voltar a compartilhar o dia a dia com eles não têm preço. É muito especial”, finaliza.

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