Se eu comer dia sim, dia não, será que eu emagreço? A resposta curta é talvez, mas pode ser que o sacrifício não valha a pena.
Um dos maiores desafios em pesquisas nutricionais é conseguir fazer experimentos em humanos, seja porque controlar exatamente o que um indivíduo ingere é tarefa custosa ou porque os efeitos demoram a ocorrer, no caso de mudanças sutis.
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Essa complexidade também vale para o estudo do chamado jejum intermitente. Mesmo que essa “dieta” envolva apenas privar-se, por um período, de comer, contabilizar as calorias ingeridas nos momentos de fartura e fazer o monitoramento do metabolismo não é tarefa trivial.
Em estudo conduzido por James Betts, da Universidade de Bath, no Reino Unido, com colaboradores de outras instituições do país e da Suíça, 36 participantes foram divididos em três grupos, para tentar elucidar o impacto do jejum intermitente na perda de peso e no metabolismo dos indivíduos.
O trabalho foi publicado nesta quarta na revista científica Science Translational Medicine.
O primeiro grupo estudado teve apenas uma restrição de 25% das calorias diárias. O segundo fazia jejum por 24h e, nas 24h subsequentes, comia calorias correspondentes a um dia e meio (totalizando os mesmos 25% a menos de calorias por dia do grupo 1, em média). Já o terceiro grupo era parecido com o segundo, mas no dia da bonança comia ainda mais: calorias equivalentes às de dois dias (ou seja, neste caso, sem déficit calórico, na média). Para todos o experimento correu por 20 dias.
Na prática, para as pessoas do estudo (todas elas magras), não valeu a pena ficar um dia sem comer. Perde-se mais gordura apenas reduzindo um pouco da ingestão de calorias todos os dias.
No caso de apenas fazer jejum, sem reduzir a quantidade média de calorias, pior ainda: nada se perde. E há um agravante: a pessoa tende a se mover menos e gastar menos energia com atividade física. É o corpo tentando poupar combustível num cenário de restrição.
Bruno Halpern, médico endocrinologista e estudioso da obesidade, que não participou do estudo, afirma que os resultados ajudam a desmontar a tese de que haveria um benefício apenas decorrente do jejum, independentemente da restrição calórica.
“A ideia de que ficar em jejum aumentaria o metabolismo não se baseia nas melhores evidências disponíveis em humanos”, diz.
Mesmo porque ainda não há clareza sobre todos os efeitos metabólicos de estratégias alimentares que envolvem jejum. Uma das razões é que existem muitas variações da tática.
Por exemplo, a 5 por 2 envolve jejum em alguns dias da semana, a alimentação com restrição de tempo (TRF, na sigla em inglês) envolve o jejum diário, mas apenas uma parte do dia (com 16h de sem comer e uma janela de 8h em que o indivíduo pode se alimentar, por exemplo), isso fora o tipo “dia sim, dia não”, como no estudo (mesmo assim algumas variações incluem uma pequena refeição no dia do jejum).
O que todas essas dietas têm em comum é algum nível de restrição alimentar, o que, portanto, tem o potencial de ajudar a comer menos e, por definição, auxiliar na perda de peso e possivelmente melhorar a saúde, afirma Betts.
“Embora nosso estudo atual não indique que o jejum intermitente por si só é necessariamente superior a outras abordagens dietéticas que não envolvem o ficar sem comer, é inegável que as pessoas acham essas dietas atraentes. Talvez a simplicidade de apenas olhar o relógio em vez de compreender e aplicar teorias nutricionais esteja por trás da popularidade”, diz à Folha de S.Paulo o cientista do Reino Unido.
Para Halpern, mesmo que valha a pena o sinal de atenção na hora de escolher que caminho seguir, não se pode criminalizar a estratégia.
“Nem sempre a gente come só porque está com fome, mas por questões sociais também. Se isolar no quarto na hora em que a família está jantando provavelmente não vai dar certo. Mas se a pessoa mora sozinha, almoça bem etc, de repente pode ser uma opção”, diz o endocrinologista.
Uma tentativa de explicação para eventuais benefícios do jejum se apoia no fenômeno conhecido como autofagia, no qual as células, em determinadas condições, como na falta de nutrientes, reciclam partes delas próprias, numa espécie de renovação e otimização de funcionamento.
Em humanos, esse tipo de conexão ainda não foi evidenciada, mas em roedores ela está associada a padrões dietéticos, explica Betts.
Outro ponto importante especialmente para quem tem sobrepeso ou obesidade e planeja emagrecer com esse tipo de estratégia: vale a pena buscar orientação do médico ou nutricionista, já que as respostas do organismo diferem daquela das pessoas magras.
E investigar o impacto do jejum intermitente nesse público é justamente o próximo passo da pesquisa de Betts e colaboradores, que ainda está em andamento.