Uma das maiores discussões nutricionais da atualidade é que as recomendações para as pessoas muitas vezes são baseadas em nutrientes –“corte o carboidrato”, “consuma mais proteína”, “não se esqueça da vitamina C”–, e não na comida propriamente dita.
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A questão não é tão simples, especialmente se lembrarmos que, se nutrientes se misturam nos alimentos, alimentos também muitas vezes são combinados entre si em nossa dieta, formando o que cientistas chamam de padrões alimentares .
Em um estudo que analisou os dados de mais de 116 mil pessoas entre 37 e 73 anos, pesquisadores do Reino Unido identificaram dois desses padrões alimentares associados a um risco mais alto de doenças cardiovasculares (como infarto e AVC), mortes ligadas a essas condições e mortalidade, em geral. O artigo foi publicado nesta quarta-feira (21) na revista BMC Medicine.
Foram coletados recordatórios alimentares (anotações em que a pessoa conta tudo aquilo que comeu) de 24 horas em pelo menos duas ocasiões e os voluntários, para essa análise, foram acompanhados ao longo de cerca de 4,9 anos, com 4.245 casos de doenças cardiovasculares, 838 mortes por causa delas e 3.629 mortes no total.
O primeiro padrão identificado é rico em chocolate e doces confeitados, manteiga, pão branco, açúcar e conservas, biscoitos e pães recheados e pobre em vegetais, frutas frescas e alimentos integrais.
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Para a análise, a amostra foi dividida em quintos (ou blocos de 20%). Quanto mais aderente a esse padrão, pior a saúde cardiovascular das pessoas. O risco dos 20% mais aderentes é 40% maior do que nos 20% menos aderentes. Já o risco de morte por essas doenças, na mesma comparação, é 29% maior, e a mortalidade geral é 37% maior.
A adesão a esse primeiro padrão alimentar está relacionada à obesidade (23,3% nos 20% mais aderentes e 15,9% nos 20% menos aderentes) e ao tabagismo (12,6% nos 20% mais aderentes vs 3,8% nos 20% menos aderentes).
No segundo padrão alimentar encontrado, os maiores vilões são alimentos recheados de açúcar: todas aquelas bebidas adoçadas, como refrigerantes, energéticos e refrescos, e, depois, vêm os sucos de fruta, as conservas, e os chocolates e doces confeitados.
São negativamente associados a esse segundo padrão especialmente queijo com alto teor de gordura e manteiga; na sequência, vêm ovos, carne vermelha e carne processada. Curiosamente, esses são alimentos intimamente associados ao primeiro padrão.
As relações de eventos cardiovasculares e mortes aqui são mais discretas, mas, ainda assim, importantes. Os 20% mais aderentes ao segundo padrão tiveram probabilidade 14% maior de ter um evento cardiovascular, 18% maior de morrer por conta dele e 11% maior de morrer por qualquer causa.
Apesar desse ser um padrão menos associado à obesidade e ao tabagismo, pesquisadores argumentam que ele pode ser traiçoeiro para a saúde pelo fato de pessoas, ao evitarem gorduras de origem animal, acharem que estão garantindo uma dieta saudável. Uma das lições do artigo é que há alimentos com potencial para serem vilões em qualquer situação: chocolate, doces, bebidas açucaradas, conservas doces, pão branco (com baixo teor de fibra) e biscoitos.
Menos açúcares e gorduras animais
“Os alimentos que contribuem para a alta ingestão de açúcar devem ser reduzidos ao mínimo. Mas as gorduras animais também são fontes importantes de gorduras saturadas prejudiciais à saúde, portanto, também é importante reduzir a carne vermelha e a processada, além de manteiga e outros alimentos de origem animal”, afirma Carmen Piernas, pesquisadora da Universidade de Oxford e autora sênior do estudo.
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“Sabemos que, apesar dos esforços para tentar educar as pessoas a seguir uma dieta mais saudável, as mudanças não acontecem tão rapidamente”, pondera a cientista Renata Levy, pesquisadora do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde) e do departamento de medicina preventiva da Faculdade de Medicina, ambos da USP. “Se você identifica os alimentos que não fazem bem, isso acaba sendo muito mais claro do que pautar a recomendação em nutrientes. Não é que a pessoa vá deixar de comer aqueles alimentos, mas ela tem que consumi-los em quantidade menor.”
Para Piernas, há algo que precisa mudar na hora da compra. “As pessoas não devem ser motivadas a comprar chocolates por causa de descontos. Precisamos que mercados sejam mais proativos também na oferta de alimentos frescos e minimamente processados.”
Outra opção, diz Levy, é subsidiar a produção de alimentos mais saudáveis.
Essa vontade do poder público faz sentido tanto no Reino Unido quanto no Brasil. A diferença é que, lá, a porcentagem da dieta composta por alimentos ultraprocessados é mais do que o dobro da brasileira, beirando os 60%.
Comida fresca é mais barata
No Brasil ainda é mais barato comer comida fresca ou preparada em casa do que alimentos ultraprocessados, mas, segundo estimativa dos pesquisadores do Nupens, essa relação pode empatar e começar a se inverter daqui a cinco anos.
Para combater o avanço dos alimentos ultraprocessados no Brasil e os consequentes malefícios à saúde foi criado o Guia Alimentar para a População Brasileira, que já baseia suas recomendações em alimentos, não em nutrientes, e em nível de processamento.
Na visão de Piernas, seria desejável ter algo semelhante no Reino Unido. “Esperamos que nosso estudo faça as pessoas pensarem mais em termos de alimentos e menos em nutrientes.”