O ato de dormir pode até parecer um momento de inércia do corpo, mas para o sistema imunológico é um período essencial para a manutenção dos linfócitos e, portanto, para a proteção do organismo. Até mesmo a resposta às vacinas pode ser comprometida em pessoas com prejuízos no sono.
Em um estudo publicado na revista científica “American Physiological Society”, em 2019, pesquisadores da Alemanha e dos Estados Unidos fizeram uma revisão nas informações disponíveis sobre imunidade e sono, e destacam: “sono e imunidade estão ligados bidirecionalmente”.
LEIA TAMBÉM – Cortar glúten de forma precipitada e sem orientação pode afetar sua saúde
“Durante o sono acontecem vários processos importantes para o corpo. Há uma redução do metabolismo, mas é o momento mais intenso de formação das células na medula óssea, os leucócitos”, explica Ana Maria Caetano Faria, médica e professora titular de Imunologia na Universidade Federal de Minas Gerais e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia.
É nesse período também que ocorre a formação e a consolidação de memória no Sistema Nervoso Central, há a redução nos níveis de cortisol (hormônio ligado ao estresse) e um aumento nos níveis dos hormônios de crescimento. “Essa história que a gente escuta de que crescemos enquanto dormimos é verdade”, confirma a professora.
Um sono adequado é fundamental para o funcionamento do corpo em geral, mas também para o sistema imune, porque é um momento importante para a recomposição das células imunes, para a formação dos linfócitos, para o estabelecimento da memória”, diz Ana Maria.
Vacinação prejudicada
Em 2017, pesquisadores dos Estados Unidos compararam os níveis de anticorpos contra o vírus da influenza (gripe) em dois grupos de estudantes universitários: os que tinham episódios de insônia e os que não tinham. Nos resultados, viram que aqueles com o prejuízo no sono tinham uma imunidade reduzida para a gripe, e a insônia foi apontada como um fator de risco para isso. A pesquisa foi divulgada pela revista científica “Behavioral Sleep Medicine”.
O efeito negativo da insônia, ou outros prejuízos do sono, não são, necessariamente, do dia para a noite, segundo Ana Maria, mas decorre de um processo crônico. “Não é uma noitada que a pessoa passou acordada que vai gerar esse prejuízo, porque a pessoa consegue repor. Mas se ela ficou um mês todo dormindo mal, nesse período com certeza você vai ter problemas, inclusive com a vacinação”, destaca.
A especialista lembra que a pessoa que passa quatro dias com um sono insuficiente (cerca de quatro horas por noite, pensando em um adulto que precisaria de sete a oito horas, por exemplo), é necessário o dobro de tempo para recompor todos os processos do corpo. Ou seja: oito dias.
Controle das citocinas
Em meio a pandemia da Covid-19, as citocinas (substâncias que colaboram com a reação inflamatória do corpo) não são mais tão desconhecidas. Usadas como marcadores de severidade da infecção pelo novo coronavírus, há quem não saiba que a resposta das citocinas também é modulada pelo sono.
“O excesso de citocina circulante, quando a pessoa está em um estágio de inflamação, deixa o sono mais superficial. Não é por acaso que as mães diziam para os filhos irem dormir quando estivesse resfriados. O sono ajuda a acalmar o sistema imunológico. É um remédio natural, o dormir”, explica Fernando César Mariano, médico otorrinolaringologista, especialista em Medicina do Sono.
Pessoas com doenças autoimunes podem ter a condição desencadeada devido a uma privação do sono, segundo o especialista. “A pessoa tem a tendência genética, mas a doença desencadeia de uma hora para a outra. Quando vamos investigar, vemos que em muitos casos a condição surge depois de períodos de privação do sono, justamente porque tem esse estágio pró-inflamatório”, explica o médico, que também é cirurgião de ronco e apneia, atua no Hospital IPO e é preceptor da residência do Hospital do Cajuru, ambos em Curitiba.
O mesmo é visto em doenças crônicas. Dormir mal está associado ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, obesidade e diabete que, por si só, são também agravantes para o sistema imunológico. “No fundo, essas doenças cardiovasculares, metabólicas e autoimunes, são inflamatórias. E se você piora isso, você também piora o desempenho do sistema imune, e acaba criando um ciclo”, explica a professora de Imunologia Ana Maria Caetano Faria.