Lá em outubro do ano passado a Tribuna mostrou a preocupação das famílias com a mudança da rotina dos filhos provocada pela pandemia de coronavírus (covid-19). Escolas estavam fechadas em Curitiba e no Paraná e o convívio familiar se intensificou com o formato de trabalho dos pais em home office, estilo que se fez necessário na tentativa de coibir o avanço do contágio da doença. Agora, o desafio é o inverso. Com o retorno escolar gradativo, os filhos terão que passar por uma nova adaptação. Algumas famílias relatam que as crianças e adolescentes estão inseguros para encarar a realidade do mundo fora de casa.
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Segundo a psicanalista Barbara Snizek Ferraz de Campos, 48 anos, que atua em atendimento clínico em Curitiba há 23 anos, voltar para a escola neste período de pandemia pode mesmo causar alguma insegurança. Os pais devem ficar atentos se os filhos darão conta da missão sozinhos ou se um profissional precisará ser acionado. “As crianças, geralmente mais do que os adolescentes, ficam ‘pescando’ o que os adultos falam em casa. O período não é fácil, tem muito assunto de morte, vacina, intubação, hospital sem vaga, pessoas próximas internadas ou que faleceram. A cabeça dos pequenos vai construindo o que é uma pandemia para eles. Na hora de sair de casa, é natural que haja receio”, explica a psicóloga.
Barbara Campos sugere que os pais que já estão com os filhos na escola, nas que já reabriram em Curitiba, como as particulares e as estaduais, procurem um profissional caso os comportamentos de insegurança se intensifiquem. “Tem que encarar como readaptação, tentar as coisas aos poucos, conversar com a criança e explicar o quanto a máscara é segura. Pedir para a criança ou adolescente falar se há algo que assusta. Veja, às vezes não é uma fobia, mas é uma informação que ficou confusa ou truncada na cabeça, trazendo um cenário distorcido daquilo que se escutou daqui e dali. Os pais podem organizar as informações. Caso não consigam, procurar um profissional é fundamental, principalmente nos casos em que notem muita angústia, choro intenso, taquicardia ou sudorese”, diz.
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Outro ponto mencionado e que merece atenção fala da fase de vida de cada filho. “Alguns adolescentes tiveram mudanças corporais em tempo de pandemia. A aparência física é outra. Por isso, sair de casa se torna um incômodo, principalmente quando se fala em voltar para a escola, para o convívio com os colegas que só são vistos on-line. Então, nem tudo é só por causa da covid-19, embora o tempo de pandemia é que tenha obrigado a população a se recolher para proteção da saúde”, aponta a Barbara Campos.
Já com as crianças menores, a abstinência dos games eletrônicos também pode contar na hora deles não quererem voltar para os horários presenciais nas escolas, quando os pais já não vão deixar os filhos passarem horas e horas jogando videogame. “Por incrível que pareça, os games de hoje têm grupos on-line entre os amiguinhos. Eles se relacionam por ali. Ficam ansiosos para se encontrar e jogar. Pode ser um fator que facilite o desejo de não ir para a escola”, destaca a especialista.
Em família
No caso da mãe de adolescente Fabiane de Fátima Silva, 36 anos, a filha Maria Eduarda, 13 anos, ainda não retornou para a escola. A menina estuda na Escola Estadual João Gueno, em Colombo, região metropolitana de Curitiba, na qual a data para retorno das aulas presenciais ainda não está definida. A mãe conta que a filha fica perguntando: quando será que tudo vai voltar ao normal? “Ela está com receio da pandemia, do vírus. Fica se sentindo preocupada. Tem medo de pegar covid-19 ou da gente pegar. Tivemos casos na família e de amigos”, diz a Fabiane Silva, que é dona de casa e costuma ficar atenta aos movimentos da filha.
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Por outro lado, a mãe explica que não percebeu alteração de humor da Maria. “Graças a Deus, a reclamação dela é a falta que sente dos amigos. Ela quer voltar por conta da saudades dos colegas, mas fica com receio, com medo ainda, até por conta que não tem vacina para eles. Mas eles conversam todos os dias. Nos fins de semana, para não ficar muito estressada, ela fica com minha mãe, que mora aqui pertinho, daí se distrai um pouco. Se não for assim, infelizmente, o único modo dos filhos ficarem em casa com distração é o celular ou TV”, revela.
A auxiliar de confeiteira Daniele Silva, 30 anos, tem três crianças em idade escolar. A Yasmin, 10 anos, o Vinicius, 6 anos, e a Maria Clara, 4 anos. A mãe conta que eles estão mais agitados, mais estressados com a pandemia. Os dois mais velhos estudam na Escola Municipal Padre Jones João Tibolla, também em Colombo e com as aulas presenciais suspensas. A mais nova vai para um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI).
“Pelo fato de estarem em casa todo dia, ficam assim mesmo. Até perdem o interesse em fazer as lições. Às vezes, reclamam da saudade da escola, dos professores e dos amigos também. Sempre falam que querem que as aulas voltem. Querem que acabe logo o coronavírus, até por conta de um certo medo de sair de casa”, conta a confeiteira.
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A Daniele Silva chegou a levar um dos filho ao psicólogo porque ele estava “bem agitado”, mas pela falta de trabalho, no começo da pandemia, teve que parar com as sessões. “O rendimento escolar caiu também. Nós não sabemos ensinar como uma professora. Aqui, geralmente, quem está ajudando é a babá, porque eu saio cedo e volto tarde para casa. Tá complicado mesmo”, ressalta a mãe.
Desafios para cada criança
Conforme a psicóloga Barbara Campos havia comentado na reportagem para a Tribuna em outubro, a mudança brusca na rotina do convívio familiar provocada pela pandemia trouxe desafios a serem vencidos em várias áreas, não só a da falta da escola. “A estrutura psíquica da criança não é tão preparada para enfrentá-los como a de um adulto”, aponta a psicanalista.
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Segundo a especialista, não quer dizer que todas as crianças que estão isoladas na pandemia terão alterações de comportamento e vão sofrer com isso. Também não significa que qualquer mudança de comportamento seja um problema. Vai depender de como a criança está reagindo emocionalmente e se isso está, de fato, afetando a saúde de alguma forma.
“Cada caso é muito particular. É normal que haja sofrimento nas crianças nesse momento. Até nos adultos. Os pais devem ficar atentos aos sinais de mudança de comportamento, mas sem desespero”, finaliza a psicóloga.