Ouvir do jeito certo o relato de uma vítima de violência doméstica pode ser decisivo para interromper esse tipo de crime. Quando o caso envolve crianças e adolescentes, é a Lei 13.431/2017 que normatiza e organiza o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
Dois pontos a destacar dentro da lei são a escuta especializada e o relato espontâneo. Este último se dá quando a vítima escolhe alguém da sua confiança para revelar algum tipo de violência. Essa pessoa pode ser um parente, um amigo, um vizinho ou o funcionário de uma escola ou qualquer outra instituição. Geralmente, é alguém próximo. Mas como agir no caso de ser você a pessoa procurada para receber um relato espontâneo?
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Dúvidas do que fazer em um momento como esse são comuns. As principais delas questionam qual postura tomar diante da vítima, se é preciso chamar alguém para participar da conversa e para que órgão público a denúncia deve ser encaminhada. Ou até se deve ser mesmo levada em frente.
Segundo a pedagoga Cecília Landarin Heleno, analista de projetos de proteção e defesa do Centro Marista de Defesa da Infância, que atua no Brasil e está localizado em Curitiba, quando a revelação espontânea é prejudicada, a vítima acaba totalmente traída pelo sistema, chegando a prestar de oito a dez depoimentos até que se instaure um processo. “Quando o correto, previsto em lei, é que a vítima fale apenas uma vez, para não ter que reviver a violência a cada novo relato. A revelação espontânea já vale como primeiro relato, mas nem sempre isso é levado em conta”, explicou.
Uma campanha chamada “Defenda-se”, do Centro Marista, que está no ar desde a Copa do Mundo da Fifa de 2014 (https://defenda-se.com/), trata justamente da forma correta de ouvir uma história tão difícil de ser contada, mas que pode salvar a vida de uma vítima. “É muito importante não interferir na fala, mas deixar a vítima se expressar. Perguntas que promovam respostas como sim ou não devem ser feitas. Em caso de violência sexual, até vale perguntar qual foi a última vez que ocorreu. Mas o fundamental é ouvir, preservar os detalhes do relato até que se possa levar a denúncia adiante, aos órgãos competentes”, disse a Cecília Landarin, que tem promovido lives sobre o assunto neste momento de pandemia do coronavírus (covid-19). O aumento dos casos de violência doméstica durante o isolamento social preocupa.
Prevenção
Para se ter ideia do que ocorre, dados da Secretaria da Segurança Pública do Paraná (Sesp) apontam que o registro de ocorrências desse crime no estado diminuíram 16% durante os 45 primeiros dias de isolamento. A comparação leva em conta o mesmo período do ano passado, ou seja, foram cerca de 5,9 mil registros no prazo de 16 de março a 30 de abril deste ano, enquanto 2019 teve cerca de 6,9 mil casos registrados no mesmo período. Em Curitiba, a queda foi de 13%. Foram 882 registros na capital, em 45 dias de isolamento, contra cerca de 1 mil registrados pelos órgãos oficiais no período semelhante no ano passado.
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A tendência de queda nesses registros preocupa órgãos de proteção às vítimas, pois pode significar que não estão sendo feitas denúncias. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apesar da aparente redução nos registros, os números não parecem refletir a realidade, mas sim a dificuldade de realizar a denúncia durante o isolamento. Até a Organização das Nações Unidas (ONU) tem recomendado aos países uma série de medidas para combater e prevenir a violência doméstica durante a pandemia. São pedidos mais investimentos em serviços de atendimento online, serviços de alerta de emergência em farmácias e supermercados e criação de abrigos temporários para vítimas de violência de gênero.
Recentemente, a loja Magazine Luiza usou o Instagram para divulgar que em seu aplicativo de vendas existe um botão destinado a realizar denúncias de violência contra a mulher (https://www.instagram.com/p/CAqhH_Gg327/). “Ei, moça! Finja que vai fazer compra no APP da Magalu. Lá tem um botão para denunciar a violência contra a mulher”, diz o texto da arte da publicação das redes sociais.
Tipos de violência
De acordo com um resumo da Lei 13.431/2017, são formas de violência a violência física, psicológica, qualquer conduta de discriminação, qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente, violência sexual, abuso sexual, exploração sexual comercial e tráfico de pessoas. “Mas a violência institucional pode ser ainda pior”, diz a Cecília Landarin. “O ponto é que a criança e o adolescente devem ser ouvidos por meio de escuta especializada e depoimento especial, sendo que eles serão chamados para confirmar os fatos no caso de revelação espontânea. Isso deveria ocorrer uma vez, se necessário, mas na prática não é o que se percebe”, aponta a pedagoga.
Segundo a campanha “Defenda-se”, até mesmo a pessoa de confiança da vítima pode causar prejuízo enorme se não estiver preparada para viver uma situação de relato espontâneo. “Se a vítima estiver na escola e escolher a professora para ser sua ouvinte, a pessoa deve procurar um local reservado, ouvir primeiro, dar atenção para a história sem julgamentos e só depois deixar claro que precisa levar a denúncia adiante”, explica a Cecília Landarin. “São julgamentos do tipo: ‘será que aconteceu mesmo’? ‘Tem certeza’?”.
Ainda de acordo com o objetivo de garantir a proteção da vítima, a campanha Marista promove que as instituições de ensino precisam estar preparadas para acolher um relato de violência, qualificando todo o quadro funcional, sem distinção de atribuições, formação ou área de atuação. Toda a comunidade educativa deve estar preparada para acolher o relato de uma criança ou adolescente. “O mesmo vale para toda a comunidade. Amigos, vizinhos, parentes. Todos precisamos estar preparados”, finaliza a pedagoga.
Veja mais materiais lúdicos da campanha “Defenda-se” no link (https://defenda-se.com/baixe-aqui/)
Assista ao vídeo da Campanha “Defenda-se” no Youtube.
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