Com avanços no diagnóstico e no tratamento, muitos tipos de câncer têm tido um aumento na taxa de sobrevivência geral dos pacientes. Porém, um deles tem resistido a isso: o câncer de esôfago. Sexta maior causa de mortes por câncer no mundo e oitavo em incidência no Brasil, tem taxa de sobrevivência de cinco anos para 20% dos pacientes, segundo estatísticas de 2010-2016 da American Cancer Society.
O sul do país tem, historicamente, maior incidência de carcinoma espinocelular (CEC) que, com o adenocarcinoma, somam mais de 95% dos casos dessa doença. “Especula-se que o CEC esteja associado ao hábito de ingestão do chimarrão, não pelo mate, mas pela temperatura da bebida, que seria o fator lesivo”, diz o médico Eduardo Bonin, do setor de endoscopia terapêutica e radiologia intervencionista do Hospital Erasto Gaertner, centro de referência nesse tipo de câncer.
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Apesar de no Brasil o CEC ainda ser o câncer mais frequente, nas últimas três décadas ocorre uma mudança epidemiológica relacionada à doença, segundo o médico, pelo avanço da obesidade como um fenômeno mundial. “O CEC tem sido suplantado pelo adenocarcinoma nos países ocidentais, que corresponde hoje a 80% dos novos casos na região”, diz ele.
Sem sintoma aparente
A presença de sintomas não pode ser a base do diagnóstico, visto que a dificuldade de engolir alimentos sólidos, por exemplo, é vista na fase tardia da doença, quando o esôfago é acometido em mais de dois terços de sua circunferência.
“Com a progressão da doença há perda excessiva de peso, anemia e desidratação, tosse, dor torácica e desconforto na garganta”, diz ele, assinalando que a doença costuma ser silenciosa, a partir de pequenas lesões que se desenvolvem ao longo de anos.
Refluxo e câncer
Para quem tem episódios frequentes de azia, regurgitação ou queimação, a preocupação com esse câncer tem nome: esôfago de Barrett, uma modificação anatômica que se desenvolve a partir do refluxo gastroesofagiano patológico crônico e está associada e implicada ao adenocarcinoma.
Porém, diz o médico, em geral a chance de evolução dessa condição para câncer é baixa. “Estima-se que essa modificação atinja 1,5% da população. E somente na minoria deles se desenvolvem alterações celulares malignas superficiais (displasia de alto grau), quando a melhor opção é remover o epitélio que ali se forma, por técnicas endoscópicas”, diz.
Aliás, isoladamente a queixa de refluxo não é único fator para a maior probabilidade de desenvolver o adenocarcinoma. Segundo Bonin, para identificar indivíduos de maior risco deve-se somar a queixa de refluxo a, ao menos, dois desses outros fatores: sexo masculino, obesidade (circunferência abdominal acima de 102 cm, relação cintura/quadril acima de 0.9), idade acima de 50 anos, etnia caucasiana, tabagismo e ter parente de primeiro grau com câncer de esôfago.
Em realidade, o fator isolado mais relacionado ao câncer em esôfago de Barrett é a presença de displasia, verificada em biópsia. “A extensão da doença (acima de 3cm), bem como os cuidados com a saúde (tabagismo, consumo excessivo de álcool, obesidade, refluxo sem tratamento) e antecedente pessoal ou familiar de primeiro grau de câncer também são fatores a serem considerados”, diz ele, cujo hospital onde trabalha realiza a radioablação, uma técnica recente que, por endoscopia, cauteriza o tecido que forma o esôfago de Barrett.
Diagnosticar o quanto antes
A prevenção indicada a indivíduos de risco, segundo o médico, é por meio de endoscopias periódicas, já que ainda não existe um teste sanguíneo ou outra forma de imagem para o diagnóstico precoce. “Há técnicas em que o indivíduo ingere uma pequena “esponja” amarrada em um fio, que é tracionada de forma a obter a raspagem da mucosa do esôfago e depois levada para análise de uma proteína específica relacionada ao esôfago de Barrett. Porém, deve haver verificação com exame endoscópico para confirmação diagnóstica. Existem outras técnicas endoscópicas de amostragem e imagem do esôfago (coloração, endoscópios de alta definição, análise espectral), as quais são especialmente úteis em pacientes portadores de alto risco para o câncer de esôfago que se encontram em seguimento.”
Tipos de câncer de esôfago
Adenocarcinoma
Ocorre na transição do esôfago para o estômago e está relacionado ao esôfago de Barrett, que ao evoluir com displasia torna-se condição pré-maligna. Esse tipo de tumor tem sido mais frequente na população obesa, ocidental e em portadores de refluxo gastro-esofagiano patológico crônico (quando o conteúdo gástrico reflui para o esôfago de forma a alterar a fisiologia, a mucosa e determinar sintomas como azia, queimação, dor torácica, pigarro ou desconforto na garganta).
Carcinoma espinocelular (CEC)
Ocorre em todo o trajeto do esôfago, e está relacionado à ingestão de substâncias agressivas à mucosa do esôfago como o álcool e bebidas quentes, e também ao tabagismo. Ele também apresenta condição pré-maligna que é a displasia.