Pé de massa, já ouviu falar? É muito provável que não. Mas, com certeza, tem ouvido muito por aí o termo levain – nome “chique” e francês do fermento natural -, que se popularizou e vem conquistando cada vez mais padeiros (profissionais e amadores) pelo Brasil. Graças a ele é possível produzir aqueles pães com a casca mais grossa, miolo macio e sabor mais azedinho, como os pães italianos.

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Existem diversas proporções de ingredientes para preparar e cada padeiro desenvolve o seu próprio levain. Apesar das quantidades diversas, a fórmula é sempre a mesma. “É basicamente uma combinação de farinha e líquido, que faz uma fermentação natural, sem a adição de qualquer componente químico”, explica o chef boulanger Fabiano Marcolini, da Marcolini Pane Pasta Dolci, em Curitiba.

Quanto melhor a farinha, melhor será a qualidade do fermento natural. Pode utilizar farinha branca, integral ou misturar as duas. “Farinha integral, na minha opinião, é a melhor farinha que tem. Ela, como o próprio nome diz, está inteira, com todos os seus componentes e nutrientes”, afirma.

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Já a porção líquida, não precisa necessariamente ser a água. Segundo o chef, há outras opções que rendem combinações e sabores muito interessantes. “Eu gosto muito de utilizar cerveja. O próprio levedo da bebida fortalece o fermento e traz muito sabor. Na França, eu aprendi a utilizar chá de uva passa branca. É, também, uma ótima opção, pois o açúcar é tudo o que o levain precisa para se desenvolver”, ensina.

Engana-se, no entanto, quem pensa que o número reduzido de ingredientes torna o processo simples. Um bom levain leva tempo e precisa de um terceiro ingrediente fundamental: paciência. É ela – ou melhor, a falta dela – a responsável pelos principais erros dos padeiros amadores. “O que mais mata um levain é a falta de paciência. Fermentação natural requer muita dedicação e leva tempo. Aliás, como tudo que é bem feito na vida”, alerta o chef.

A alma do pão

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A paciência inclui o tempo para a massa do levain se desenvolver e, também, para alimentá-la diariamente com farinha e água, tanto para aumentar a quantidade quanto para manter a força do fermento. E produzir um bom levain exige, ainda, muita observação. O microclima da região, por exemplo, interfere no resultado. Frio e calor fazem o levain se desenvolver mais ou menos e até a poluição pode interferir. Mesmo utilizando a mesma receita, um levain produzido no centro da cidade não será igual àquele produzido numa chácara, por exemplo, que tem uma atmosfera bem diferente. “As bactérias (leveduras e lactobacilos) presentes no ar alteram o sabor. Por isso,um levain nunca será igual ao outro. O levain é alma do pão”, ensina Marcolini.

E essa alma pode ser bastante antiga. Afinal, neste processo, a farinha nova se torna alimento para uma massa antiga. “Quanto mais velha for a massa, melhor”, ressalta o chef, que utiliza nas suas produções um levain que trouxe da Itália em 2013 e que, por sua vez, é uma “muda” de um levain produzido em 1935.

Com todos esses detalhes, é impossível não se perguntar: e quando o dono do levain precisa viajar, por exemplo? “É um pesadelo”, brinca o chef. No entanto, dá para contornar a situação com alguns macetes. A principal dica de Marcolini é a temperatura. “Se a pessoa precisa viajar, eu aconselho a quase congelar o levain, mantendo-o em temperatura muito baixa durante todo o período. Outro macete, é começar a alimentar uns dias antes, com uma alimentação excessiva (muita farinha) e com água mais gelada. A água fria vai retardar o crescimento da massa e a alimentação vai fazer com que os microorganismos presentes no levain tenham alimentação extra para outros dias”, explica.

Aliás, no dia a dia, o chef indica manter o levain sempre dentro da geladeira, assim ele não cresce tanto. E quando a massa crescer demais, caso ela não vá ser utilizada, o Marcolini indica separar uma parte e doar. “É uma tradição entre padeiros doar levain. Levain não se compra, se ganha”, diz.

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A mesma receita, pães diferentes

Diante de tudo isso, é possível que você esteja questionando: mas por que fazer o levain se eu posso comprar fermento pronto? A resposta é simples: a qualidade. Além do pão feito em casa ter características muito diferentes dos industrializados, ele ainda possui mais benefícios para a saúde. Tem baixo índice glicêmico, a digestão é mais fácil e o sabor é inigualável. “O principal é querer fazer dar certo. É maravilhoso comer um pão que nós mesmos produzimos. Feito em casa, com carinho, e que tem parte da gente no pão. Fazer o nosso primeiro pão é algo inesquecível”, afirma o chef.

Por mais que o padeiro siga uma receita, cada pão será único. E cada pessoa fará o seu próprio pão, à sua maneira – ainda que o passo a passo e as medidas sejam os mesmos. “Um pão nunca será igual ao outro”, conta Marcolini.

E mesmo que o pão mude a cada fornada, o chef conta o segredo para garantir a casca grossa. “O pão precisa de vapor. É ele que deixa aquela casca mais dura nos pães”, ensina. E a almejada casca é possível mesmo nos fornos convencionais, aqueles que temos em casa. “Minha dica é colocar um recipiente pequeno de metal dentro do forno, na hora em que ligamos. Pode ser uma forma pequena ou uma marmita. Quando colocamos o pão para assar, jogamos um copo com água nesse recipiente, gerando muito vapor. Outra dica é borrifar água no pão quando colocamos ele no forno também”, afirma.

Roteiro de pães com fermentação natural da Prestinaria Pães. Foto: Leticia Akemi / arquivo Gazeta do Povo.

Levain

Fabiano Marcolini, chef boulanger

Tempo de preparo
5 dias

Preparo
Fácil

Ingredientes:

50 gramas de farinha de trigo tipo 1 – para o dia 1 (5 colheres de sopa)
100 gramas de água filtrada ou mineral – para o dia 1 (6 colheres de sopa)
100 gramas de farinha de trigo tipo 1 – para o dia 3 (10 colheres de sopa)
100 gramas de água filtrada ou mineral para o dia 3 (6 colheres de sopa)
90 gramas de farinha de trigo tipo 1 – para o dia 4 (8 colheres de sopa)
50 gramas de água filtrada ou mineral para o dia 4 (3 colheres de sopa)
90 gramas de farinha de trigo tipo 1 – para o dia 5 (8 colheres de sopa)
90 gramas de água filtrada ou mineral para o dia 5 (6 colheres de sopa)

Modo de preparo:

Para esta receita, use um pote de vidro com capacidade para 2 litros.

Dia 1:

Adicione 100 gramas de água no pote, na sequência os 50 gramas de farinha e misture bem. A textura será rala e líquida; com aroma de farinha fresca e agradável. Anote o horário e data para servir como referência. Cubra o pote com um pano, sem deixar o mesmo ficar em contato com a mistura. Deixe descansar por 24 horas em temperatura ambiente (entre 20 e 30ºC).

Para o primeiro dia, pode-se usar cerveja no lugar da água. O chef recomenda uma Weiss ou malzbier. A medida é a mesma de água: 100 gramas. Para a farinha, pode-se usar totalmente integral, totalmente branca ou metade de cada uma. A integral demora um pouco mais para desenvolver o fermento.

Dia 2:

Após 24 horas, misture levemente pela manhã e depois à noite. Deixe descansar. As características neste estágio são leve fermentação e pequenas bolhas e o início do aroma ácido, característico do fermento natural.

Dia 3:

Após 48h, alimente pela primeira vez: junte à massa inicial 100 g ou 6 colheres de sopa de água filtrada e 100 g ou 10 colheres de sopa de farinha de trigo tipo 1. Misture e obtenha uma massa lisa; sempre dentro do pote. Misture ao longo do dia e mantenha o pote tampado.

Características: bolhas maiores, aroma ácido e azedo é normal. À noite, dê uma última mexida. Mantenha em temperatura ambiente.

Dia 4:

Pela manhã, alimente o fermento com 50 g de água filtrada ou mineral ou 3 colheres de sopa e 90 g ou 8 colheres de sopa de farinha de trigo. Misture bem, obtenha massa lisa e misture mais 3 vezes ao longo do dia e à noite.

Dia 5:

Alimente o fermento com 90 g ou 6 colheres de sopa de água e 90 g ou 8 colheres de sopa de farinha tipo 1. Neste estágio o levain apresenta bolhas pequenas e aroma amendoado. Mexa ao longo do dia. Neste estágio, bastante fermentação vai ocorrer. Mexa e tampe o vidro. Faça isto sempre que a fermentação estiver muito ativa. É interessante alimentar pela segunda vez durante o dia se a atividade estiver muito presente, com forte fermentação. Pode-se repetir a mesma medida do início do dia.

Dia 6:

Características: presença ativa de fermentação e uma massa com boa textura. Neste momento é importante observar que se a massa apresenta boa atividade, o fermento está pronto e pode ser usado ou ir para a geladeira “dormir”. A partir daí, alimentar no dia seguinte conforme medidas do dia 5.

Dicas do chef: Fabiano Marcolini aconselha usar entre 240 gramas e 250 gramas de fermento em cada pão para que a massa não fique muito grande.
Caso a atividade de fermentação e a textura estejam “fracas”, alimente o fermento e aguarde mais um dia.

Alimente seu fermento todos os dias com as quantidades de água e farinha do dia 5, mas é necessário utilizar parte da massa antes de alimentá-la, se não ela ficará muito grande.