Luta pela cura

Ao menos cinco vacinas brasileiras estão na corrida pela imunização contra a covid-19

Foto: Rawpixel

As vacinas brasileiras contra a Covid-19 podem não estar no pódio das mais avançadas atualmente, mas há candidatas nacionais nessa disputa. Espalhados por diferentes estados – e sem começarem os testes em seres humanos ainda –, o número exato de imunizantes sendo desenvolvidos por pesquisadores do país é incerto. Sabe-se, porém, que os resultados têm sido positivos.

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Além de prevenir a sociedade contra a infecção pelo Sars-CoV-2, o objetivo desses estudos será, também, favorecer o desenvolvimento tecnológico do país e a geração de conhecimento para outras pandemias, na opinião de Sotiris Missailidis, vice-diretor de Desenvolvimento Tecnológico do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz).

“Acho muito importante que o Brasil tenha um desenvolvimento interno. Entendo que, às vezes, existem dificuldades que nos colocam atrás nessa corrida, mas é muito importante tanto para o desenvolvimento tecnológico quanto para o conhecimento que vai ajudar a enfrentar as próximas possíveis pandemias. Sabemos que esse não é o primeiro coronavírus, e talvez não seja o último. Poder responder de forma mais rápida e eficiente é muito importante”, explica.

O Instituto de Bio-Manguinhos está com duas vacinas em desenvolvimento, em etapas pré-clínicas (estudos em laboratório e testes em animais). Há ainda vacinas sendo testadas nas seguintes instituições:

  • Universidade Federal do Paraná (UFPR);
  • Universidade de São Paulo (USP);
  • CT Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG);
  • Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em parceria com a UFMG e com o Instituto Butantan.
  • Bio-Manguinhos/Fiocruz;
  • Se souber de mais alguma instituição com estudos nessa área, compartilhe com o Sempre Família por meio do e-mail: leitor@semprefamilia.com.br.

Como funcionam as vacinas brasileiras?

As estratégias de ação de algumas candidatas se assemelham a outras vacinas mais conhecidas, como a da Universidade de Oxford, feita em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, que usa o vírus adenovírus (causador do resfriado) como vetor para o novo coronavírus.

A maioria, no entanto, usa tecnologias novas e algumas preveem, inclusive, proteção dupla: contra o novo coronavírus e contra outras doenças, como a tuberculose e a gripe. Confira abaixo o mecanismo de cada uma das candidatas contra o Sars-CoV-2.

Coronavírus e BCG

Imagine uma vacina 2 em 1, que proteja contra o novo coronavírus e, ao mesmo tempo, contra outra doença. O Laboratório de Imunobiologia da UFSC, em parceria com outras instituições no país, está coordenando um estudo do tipo, envolvendo a vacina da BCG – bactéria responsável pela tuberculose, chamada de bacilo Calmette–Guérin.

Além de ser um imunizante muito seguro – aplicado em bebês recém-nascidos –, outras características da BCG podem ajudar contra a Covid-19. “A vacina de BCG às vezes apresenta uma propriedade chamada de proteção heteróloga. Ela pode proteger contra infecções de outros microrganismos [além da bactéria causadora da tuberculose] basicamente porque ativa o sistema imunológico inato muito cedo. Há estudos, inclusive no Brasil, para verificar se a BCG confere essa imunização cruzada”, explica Luciana Cezar de Cerqueira Leite, pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto Butantan.

Luciana, que pesquisa vacinas de BCG recombinante, colabora com o estudo nessa fase inicial. As próximas etapas serão conduzidas pela UFSC, sob coordenação de André Báfica, professor do departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFSC.

Para que essa proteção, sem dúvidas, inclua a Covid-19, os pesquisadores adicionaram à bactéria os genes responsáveis pela produção da proteína Spike (S) do novo coronavírus – aquela usada pelo vírus para entrar na célula humana. “Nós hipotetizamos que a BCG, carreando proteínas do vírus, vai estimular o sistema imunológico a fazer uma resposta específica contra o vírus. Em conjunto com Luciana, professores Sérgio Costa (UFMG) e André Vale (UFRJ), vamos conduzir os estudos para verificar essa hipótese e, para isso, primeiro precisamos gerar a bactéria recombinante”, explica Báfica.

A vacina, chamada de U3B1, segue em estudos pré-clínicos (testes em laboratórios) e a expectativa é que, se tudo der certo, o desenvolvimento da bactéria BCG recombinante seja concluída entre seis meses a um ano. Depois disso serão feitos os testes em animais e, na sequência, em seres humanos.

“Para as primeiras vacinas que vão surgir [contra a Covid-19], não esperamos que sua eficiência seja a melhor que existe porque, claro, não deu tempo de conhecermos bastante o inimigo. É importante termos outras pesquisas, de outras vacinas, porque o desenvolvimento tecnológico vem também dessa pesquisa independente. Talvez cheguemos a um momento que dê para separar: para uma população A, a vacina indicada será essa. Para a população B, é essa outra; para C, é essa aqui”, explica Báfica.

Vacina sem vírus

Das vacinas na corrida contra a Covid-19, a maioria tem uma característica em comum: muitas usam um vírus (seja o Sars-CoV-2, seja adenovírus) para instigar o sistema imunológico. Esse não é o caso da vacina em desenvolvimento pelo Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFPR.

Sob coordenação do professor e pesquisador Emanuel Maltempi de Souza, a equipe visualiza uma abordagem diferente. “Nós propomos trocar o vírus por um polímero, inócuo à saúde humana, que funcionará como uma partícula, em cuja superfície iremos inserir a proteína do Sars-CoV-2”, explica Marcelo Müller dos Santos, professor do departamento e membro da equipe.

“Para produzir o polímero, usamos uma bactéria que, por engenharia genética, fazemos com que ela produza também a proteína do vírus. Essas partículas se formam na bactéria, e depois a rompemos para retirá-las”, detalha o professor sobre a tecnologia de nanopartículas como veículos para a vacinação, que ainda não foi usada, nem mesmo em vacinas veterinárias.

A pesquisa está em fase pré-clínica, segundo Santos, iniciada há um mês. “Estamos aguardando completar os 30 dias para aplicar o reforço da vacina. Na sequência, vamos coletar o soro dos animais imunizados, camundongos, para avaliarmos [a produção dos anticorpos]”, completa. Até o momento, não houve registro de efeitos adversos do imunizante nos animais.

Antes que a pesquisa avance para testes em seres humanos, a equipe da UFPR fará um segundo teste pré-clínico a fim de entender qual seria a melhor via de administração da vacina, se subcutânea ou mesmo intranasal. “Como é um material particulado, poderia ser intranasal também. Estamos agora em busca de parceiros para fazer os testes de neutralização, e entender se os anticorpos gerados neutralizam a ação do vírus”, argumenta.

Coronavírus e gripe

Outra vacina 2 em 1 está sendo desenvolvida pela equipe do Centro de Tecnologia em Vacinas, da UFMG, juntamente com o Instituto René Rachou (Fiocruz). Baseada em um vetor viral recombinante – também conhecida por vacina quimérica – trata-se de um imunizante que mistura organismos, como a da BCG, citada acima. A pesquisa está sendo coordenada pelo professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia e pesquisador da Fiocruz, Ricardo Gazzinelli.

A diferença aqui é que os pesquisadores optaram por usar o vírus da Influenza, ou da gripe. “Usamos como base a vacina contra a gripe com o vírus atenuado. No Brasil, a vacina da Influenza usa o vírus morto, mas em alguns países é usado o atenuado, que também não causa a doença. Por meio de engenharia genética, inserimos no genoma do vírus um gene que codifica uma proteína do Sars-CoV-2”, explica Flavio da Fonseca, virologista e pesquisador do CT Vacinas.

Ao ser vacinado, o organismo humano responderia aos dois estímulos: contra a gripe e contra o novo coronavírus. A pesquisa está em uma etapa de transição, da fase de desenvolvimento para uma fase pré-clínica, quando a candidata será aplicada em animais.

“É importante e estratégico para o Brasil manter o esforço e o financiamento de vacinas nacionais, porque sofremos muito por sermos um país importador de tecnologia. Quando precisamos fazer testes para a Covid-19, muitos estados e laboratórios ficaram sem insumos. Isso mostra o quão importante é não ser dependentes”, reforça Fonseca.

Vacina VLP

A estratégia da vacina em desenvolvimento pelo Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da USP é um tanto diferente. Chamada de VLP, ou virus like particle, em inglês, a abordagem faz uso de uma estrutura que se assemelha ao vírus e consegue, assim, enganar o corpo humano.

As VLPs são um conjunto de proteínas que não possuem o material genético do novo coronavírus – o que impede a replicação do mesmo e aumentam a segurança. De certa forma, se assemelham à vacina da UFPR, que também não faz uso do vírus, e recebem proteínas do Sars-CoV-2 para o reconhecimento do sistema imunológico.

De acordo com informações divulgadas pelo jornal da USP, três formulações dessa mesma vacina começaram a ser testadas em camundongos em junho.

Sintética e subunidade

Há duas vacinas em desenvolvimento pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz):

  • Vacina sintética.
  • Vacina de subunidade.

No caso da vacina sintética, a candidata se baseia em biomoléculas chamadas de peptídeos antigênicos de células B e T. Essas são pequenas partes do novo coronavírus que, então, são acoplados a nanopartículas. Juntos, vão ajudar na indução da resposta imune do corpo.

Os peptídeos foram identificados em métodos computacionais e produzidos por síntese química. “É uma tecnologia nova e não há nenhuma vacina dessas ainda no mercado. Ela oferece a vantagem que poderia ter começado a ser desenvolvida antes de o vírus chegar ao Brasil, visto que não precisava do vírus para a produção da vacina. É diferente, portanto, das vacinas que usam o vírus inativado”, cita Sotiris Missailidis, vice-diretor de Desenvolvimento Tecnológico do Instituto de Bio-Manguinhos/Fiocruz.

A vacina de subunidade junta duas proteínas do novo coronavírus: a proteína Spike (S) – usada pelo vírus para entrar nas células humanas – e a Nucleoproteína (N). Ambas são produzidas de forma recombinante em laboratório e usadas para induzir a resposta imunológica. “Essa vacina de subunidade não é nova. É uma tecnologia que está sendo usada há anos e há outros imunizantes em desenvolvimento [contra a Covid-19] com essa mesma ideia”, completa Missailidis.

Ambas as vacinas estão em uma fase pré-clínica, em testes em animais. Ainda que as duas apresentem resultados positivos, apenas uma seguirá nos estudos. “Em termos de economia, de produção, é preciso escolher a melhor. Mesmo que as duas funcionem, vamos escolher uma para avançar nos estudos clínicos. As duas completarão os pré-clínicos, para termos os dados e disponibilizarmos para a comunidade científica”, ressalta.

OMVs

Quando se estudam estratégias eficazes de vacinas, muitas vezes a resposta está na própria natureza. É o caso da vacina em desenvolvimento pelo Instituto Butantan, que se baseia em uma propriedade adotada por alguns tipos de bactérias.

Para enganar o sistema imunológico humano, algumas bactérias liberam parte das suas membranas externas na forma de vesículas para desviar o ataque das células de defesa. Essa membrana é chamada de OMV, sigla em inglês para Outer Membrane Vesicle.

O uso das OMVs é conhecido pelos pesquisadores de vacinas pela capacidade de induzir a resposta imunológica, e as membranas são usadas como adjuvantes em outros imunizantes, como a atual vacina contra a meningite B.

A vacina em desenvolvimento agora contra a Sars-CoV-2, no entanto, tem algumas diferenças, segundo Luciana Cezar de Cerqueira Leite, pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do instituto e coordenadora da pesquisa. “Nestes casos [vacinas que já usam as membranas], as OMVs são apenas misturadas às proteínas da vacina. A diferença da nova estratégia é que as proteínas do vírus serão acopladas de forma muito eficiente à superfície das OMVs, usando uma nova estratégia desenvolvida por pesquisadores do Children’s Hospital Boston, Harvard”, explica.

A proposta tem suporte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e está em fase pré-clínica. “Existe uma expectativa muito grande pela eficácia dos candidatos vacinais mais adiantados, mas existe uma certa probabilidade destas não funcionarem ou apresentarem efetividade parcial. Esta proposta visa oferecer um plano B, pelo fato de induzir uma resposta imune diferente das propostas sendo investigadas. Esperamos ter uma resposta do potencial da nova estratégia quando estiver definido a eficácias das vacinas atualmente em ensaios clínicos”, completa a pesquisadora.

Onde estão as vacinas?

Quem está acompanhando a “corrida” pela vacina contra a Covid-19 sabe que há alguns imunizantes na frente da disputa. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) destacam cinco candidatas que, até o dia 18 de agosto, começaram os testes da fase 3 — em que milhares de pessoas recebem a vacina, a fim de verificar a eficácia e segurança.

Neste mesmo documento, a OMS lista duas vacinas brasileiras na disputa, mas ainda em fases pré-clínicas. São elas a vacina de VLP, em desenvolvimento pela USP, e a vacina que mescla a Influenza com a Covid-19, em estudos pela UFMG e Fiocruz Minas.

De acordo com Jorge Venâncio, coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgão responsável por autorizar pesquisas com seres humanos no Brasil, ainda não há estudos de imunizantes contra a Covid-19 – em desenvolvimento em instituições brasileiras – que chegaram nessa fase.

Coronavírus no Brasil

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