Boa parte do ano passado foi de frustração e paralisação para a TV brasileira. De março aos últimos meses de 2020, emissoras e produtoras precisaram conceber novas maneiras de gravar na pandemia, repensar a programação e esperar muito até que a crise desse uma trégua.
O cenário parecia finalmente melhorar quando, em agosto, a Globo retomou as gravações de “Amor de Mãe”, num ritmo desacelerado, para driblar qualquer contratempo infeccioso. Mas este início de 2021 jogou um balde de água fria nos bastidores da TV.
Com as mortes por Covid-19 num nível jamais visto e uma população que parece ter cada vez menos medo, outra paralisação foi anunciada pela emissora, no último mês. Passado um ano do início da crise em solo brasileiro, a sensação para público e setor é de que voltamos à estaca zero.
Lurdes vai assumir o posto de mãe de Danilo no capítulo final de “Amor de Mãe”, nesta sexta, e seu drama será substituído não por uma novidade, mas por uma nova reprise desta vez, de “Império”.
“Um Lugar ao Sol”, que deveria ter estreado no ano passado, foi mais uma vez adiada, já que as gravações nos Estúdios Globo foram congeladas no fim de março e só devem voltar a partir de 19 de abril.
Junto a ela pararam as equipes dos folhetins “Quanto Mais Vida Melhor” e “Nos Tempos do Imperador”, embora a Globo afirme que essas estreias seguem de pé, e das séries “Segunda Chamada” e “Aruanas”, esta do Globoplay.
Nas outras emissoras, a insegurança se repete, com reprises bíblicas na Record, de programas de auditório no SBT e equivalentes na Band e na RedeTV!. É verdade que agora, após um ano, ao menos já temos protocolos desenvolvidos e testados mas eles de nada adiantam se a pandemia continuar descontrolada.
“Mesmo com todos os protocolos, no momento, não é possível voltar a gravar devido à falta de hospitais. Na retomada do ano passado, havia alívio e tranquilidade. Desta vez estão todos com medo”, diz Andrea Barata Ribeiro, sócia e produtora executiva da O2 Filmes. “Parece o dia da marmota [do filme ‘Feitiço do Tempo’], só que pior.” Ela conta que na O2, uma das principais produtoras do país, já são 12 as séries paradas.
O reflexo desse represamento de projetos vem sendo sentido há meses. Mas no ano passado havia material inédito engavetado para ocupar as grades televisivas. Agora, a reserva está próxima do fim e há um clima de ceticismo no ar.
“A gente sabe da importância da televisão para levar informação e também distração para o público, especialmente nesse momento. Estamos nos esforçando bastante para superar as limitações da pandemia”, disse Amauri Soares, diretor da Globo, em comunicado no fim de março.
Acoplado a ele estava uma raquítica lista das próximas estreias da emissora. Nos intervalos, vêm sendo alardeados, como destaques deste mês, “Sandy e Junior: A História”, série que estreou no ano passado no Globoplay, e uma nova temporada da gringa “The Good Doctor”, indicando que, talvez, tenhamos uma avalanche de conteúdo internacional para suprir a ausência de produções brasileiras.
É nisso que acredita Andrea Barata Ribeiro, da O2. Com o ritmo imensamente mais veloz de vacinação em países como Estados Unidos e Reino Unido, o audiovisual estrangeiro já ensaia um retorno à normalidade, enquanto aqui ele está coberto de incertezas.
“Para além da pandemia, vivemos um estrangulamento do setor audiovisual, com uma drástica redução do fluxo de investimento e de novos editais”, afirma ainda Mariana Oliva, CEO da Maria Farinha Filmes, destacando a cronicidade da atual estagnação.
A falta de novidades fez cair a audiência das TVs abertas em relação ao mesmo período de 2020. Com isso, caiu também a publicidade. Curiosamente, entre os anúncios mais frequentes nos intervalos da televisão, hoje, estão os de plataformas de streaming.
Mais uma vez, a TV encara seu grande inimigo. Com escritórios e parcerias em vários países, fica fácil para a Netflix, por exemplo, seguir um ritmo decente de lançamentos. Se um lugar entra em lockdown, há um volume gigantesco de conteúdo vindo de outro um luxo inexistente para as nossas telinhas.