Discurso eloquente, teorias e dados bem apresentados, telefone para contato e credenciais profissionais que o qualificam como interlocutor habilitado. Tendo a praia como pano de fundo, um médico fala sobre a pandemia e os riscos que o uso da máscara pode trazer, prejudicando as trocas gasosas do organismo, o que acaba deixando o sangue mais ácido, tornando o nosso corpo um ambiente propício para a proliferação do coronavírus.
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Em seguida, vem o alerta bombástico: “Não adianta você usar a máscara quando não estiver conversando com uma pessoa. Se estiver andando pelas ruas, não use. Não tem sentido a máscara. Máscara é para ambientes fechados. Fora disso, ela não serve para absolutamente nada”. Em minutos, o vídeo com a revelação controversa é reproduzido inúmeras vezes, alcançando milhares de pessoas.
A gravação se mostraria uma ótima fonte de informação se não fosse por um detalhe que passará despercebido para a maioria dos que receberem o vídeo: as informações contidas nele são falsas e imprecisas. Porém, antes que os dados apresentados sejam checados pelo receptor, o dedo já coçou, o conteúdo foi compartilhado no grupo da família ou do churrasco e o estrago já está feito.
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É dessa maneira que informações mentirosas chegaram ao conhecimento de pelo menos 110 milhões de brasileiros nos últimos meses, de acordo com estudo realizado pela rede de mobilização social global Avaaz.org. A pesquisa, divulgada em maio, mostra que os brasileiros acreditam mais em notícias faltas sobre a covid-19 do que os italianos ou norte-americanos, por exemplo, levando a população a reproduzir equívocos que colocam em risco a própria saúde e dos demais, dificultando a aplicação de medidas para evitar a propagação dos contágios por aqui.
De acordo com o levantamento, 9 em cada 10 brasileiros entrevistados no país viram pelo menos uma informação falsa sobre a doença, e 7 em cada 10 brasileiros entrevistados acreditaram em, ao menos, um conteúdo desinformativo sobre a pandemia. Os dados comprovam um aleta feito pela Organização Mundial da Saúde: as fake news sobre a covid-19 pode estar se espalhando mais rápido que o próprio vírus.
WhatsApp: ferramenta de desinformação
A pesquisa apontou que 94% das pessoas consultadas viram ao menos uma das 10 notícias falsas sobre o coronavírus que mais circularam nas redes sociais e que foram listadas pela instituição. O WhatsApp e o Facebook são as fontes mais citadas por aqueles que receberam fake news nos últimos tempos. Só o WhatsApp, sozinho, foi o canal de origem de 59% desses conteúdos falsos, aponta o estudo. O WhatsApp também foi a fonte mais citada para quatro das sete notícias falsas apresentadas aos entrevistados.
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Beber chá de alho, ingestão de bebidas quentes, banhos de sol, prender a respiração durante dez segundos e até mesmo o uso de álcool e cocaína já foram apontadas como soluções mágicas para prevenir ou curar a covid-19.
A discrepância no número de compartilhamentos de notícias falsas para as verdadeiras também chama a atenção dos pesquisadores. “Às vezes você consegue um alcance em um vídeo falso de 20 milhões e no conteúdo verdadeiro poucos compartilhamentos. É muito discrepante o quanto as plataformas dão espaço para a desinformação e o quanto a ciência, os fatos verificados são abafados pelo próprio modelo de negócio das redes sociais”, alerta a pesquisadora Laura Moraes, coordenadora de campanhas da Avaaz.
Medidas contra a desinformação
Para tentar barrar a rápida propagação de notícias falsas, as mídias sociais vêm adotando medidas para impedir sua circulação ou, ao menos, emitir alertas aos usuários, indicando que aquele conteúdo pode ser danoso.
O Google, por exemplo, vem priorizando em seu buscador o posicionamento nos primeiros resultados dos canais oficiais, como Ministério da Saúde, por exemplo, quando são pesquisados assuntos sobre o coronavírus. Já o Facebook tem vinculado uma Central de Informações sobre a doença sempre que os usuários procuram algo relacionado ao tema e apresentado organizações de saúde reconhecidas com fonte de informação. O WhatsApp, por sua vez, apontado como a ferramenta de desinformação mais utilizada pelos usuários, tem se mostrado tímido nas medidas de controle.
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De acordo com Laura, todas essas medidas se mostram ineficazes, uma vez que esses canais não apontam uma solução para se checar as fake news na fonte de onde foram recebidas, apenas direcionam os usuários para canais oficiais.
“Temos pressionado bastante as plataformas para que adotem esse tipo de medida quando o conteúdo for danoso ou um conteúdo que seja passível de verificação. É muito difícil, sobretudo em um país como o nosso, que o acesso à educação midiática é muito limitado, você demandar que o usuário consiga olhar uma informação, desconfiar que aquilo seja falso, ir atrás da notícia correta, bater os dados e falar ‘ok’. É um esforço muito grande. Ao passo que para você receber a desinformação não precisa fazer movimento algum. Basta você estar conectado e olhando para o seu celular”, diz.
Engajando emoções
Pesquisas apontam os fatores que fazem uma pessoa compartilhar uma notícia falsa. A tentativa de convencer outros indivíduos sobre o seu posicionamento em determinados assuntos é uma grande propulsionadora de desinformação nas redes sociais.
“A fake news tem uma característica que é a de engajar suas emoções. Ela é muito mais engajadora do que a ciência, do que o fato. Quando ela é construída, ela te faz querer fazer algo. Então te chama para agir, para compartilhar, para tomar uma atitude, seja para demonstrar para a outra pessoa que você tá certo ou para fazer a ideia de confirmação de algo que você acredita”, afirma a pesquisadora.
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Outro aspecto que chama atenção é a questão emocional. Muitas vezes, uma notícia falsa é compartilhada justamente para tentar “proteger alguém”, porém, o efeito na maioria das vezes acaba sendo o reverso. “Boa parte da desinformação sobre o coronavírus é sobre curas milagrosas ou maneiras de você fazer o diagnóstico se você está doente ou não. Então na dúvida as pessoas compartilham porque elas querem ajudar as outras. Mas isso pode justamente ter o efeito contrário”.
Canais facilitam a disseminação das fake news
Muitos canais (sites, páginas, perfis) se aproveitam desse engajamento que as notícias faltas promovem para monetizar seus conteúdos e assim ganhar cada vez mais dinheiro com o compartilhamento massivo das fake news. Outro aspecto que facilita a propagação desse conteúdo enganoso, segundo a Avaaz, é o modelo de negócio promovido pelas redes sociais.
Segundo Moraes, esses sistemas não apenas ajudam a espalhar esse tipo de desinformação como incentivam que esse tipo de conteúdo se dissemine mais rápido que as informações da própria ciência. Quanto mais as pessoas interagem com esse conteúdo falso, maior e mais rápido é o alcance que ele toma.
“É muito simples responsabilizar as pessoas e dizer que elas estão passando fake news porque elas acreditam nisso ou porque gostam. Mas você tem um sistema que faz com que isso tenha um alcance maior. Podemos fazer várias mudanças, educar as pessoas, mas o sistema é calibrado para isso”, alerta.
Mídias confiáveis
Especialistas alertam a necessidade de se checar uma informação antes de se compartilhar. Os canais científicos oficiais são os mais recomendados, como da Organização Mundial da Saúde (OMS), Ministério da Saúde e da Fiocruz, por exemplo. Todos os órgãos mantêm páginas dedicadas a combater a desinformação.
Os canais de mídia tradicionais também são apontados como fonte confiável de informação, assim como vários sites que trabalham com a verificação de fatos. “É preferível que a população procure mídias profissionais e reconhecidas, que são responsabilizadas pelo que escrevem. Em um jornal reconhecido pelas pessoas, se forem vinculadas notícias falsas, o profissional e o veículo são cobrados por aquilo que publicam. Não busquem meios alternativos para se informar, principalmente se aquela informação pode colocar a sua saúde em risco. E, na dúvida, não compartilhe. Às vezes não compartilhar pode estar salvando uma vida, de verdade”, diz Laura.
Mesmo assim, é necessário manter o alerta, mesmo nesses casos. Ela aponta uma situação recente, onde o conteúdo sobre uma medida de prevenção falsa contra o coronavírus foi compartilhado em massa. A notícia de uma grande rede de jornalismo internacional, supostamente traduzida para o português, informava que beber água quente empurrava o vírus para o estômago.
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Acompanhada de dados científicos e termos técnicos, o link original do conteúdo de fato apontava para o site oficial da empresa, em inglês. Porém, ao entrar no portal, a notícia original não tinha relação alguma com aquilo que, teoricamente, estava sendo traduzido. Nesse caso, a credibilidade do veículo foi usada para se propagar o conteúdo falso.
Conselho de Medicina alerta para curas milagrosas
No dia 17 de junho, o Conselho Federal de Medicina (CFM) lançou uma nota alertando para supostos métodos de prevenção e tratamento da covid-19. De acordo com o órgão, não há qualquer evidência sobre medicamentos ou substâncias alternativas que possam prevenir o contágio pelo novo coronavírus.
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O comunicado reforça que os únicos métodos de prevenção à contaminação com reconhecimento científico são as medidas de isolamento e distanciamento social, uso de máscaras e o reforço nos hábitos de higienização, como a lavagem frequente das mãos e o uso do álcool em gel. “Não há evidências sólidas na literatura científica a qualquer medicamento ou substância alternativa com finalidade de prevenir o contágio pelo coronavírus, o que inclui produtos como vinhos, cafés, chás e outros tipos de bebidas ou alimentos”, diz a nota.
Dicas práticas
Não compartilhe a desinformação. Algumas dicas para identificar as fake news:
- Títulos alarmantes e pedidos para compartilhar
A maioria das notícias falsas vem acompanhada de informações alarmantes que não foram divulgadas em outros canais de notícias, seguidas de frases como “isso a TV não mostra, você não vai ver isso nos jornais, aviso importante, etc” seguidas de palavras que sugerem algum tipo de ação como “compartilhe, avise seus amigos, faça essa notícia circular”.
Em busca de cliques, que na maioria das vezes são monetizados, muitos sites abusam das chamadas alarmantes. Se a notícia é relevante, ela naturalmente vai receber a devida divulgação nos grandes veículos de imprensa. Se o título sugere uma grande descoberta e a informação não foi amplamente divulgada, a possibilidade de ser uma fake news é grande.
- Fotos de autoridades e marcas de organizações
As notícias falsas geralmente ganham uma “roupagem” oficial, muitas vezes acompanhadas de fotos, frases e alertas de autoridades e profissionais renomados que muitas vezes nem sequer existem na vida real, assim como marcas de organismos oficiais, como a Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde, Fiocruz, etc. Tudo isso para dar credibilidade ao conteúdo.
Todos esses órgãos mantêm canais oficiais para divulgar informações relevantes e para desmentir conteúdos falsos na área da saúde, principalmente sobre a Covid-19. Antes de compartilhar uma informação recebida por aplicativos ou redes sociais, vale uma visita nos sites dessas organizações.
- Erros de português
Parece simples, mas a grande maioria das fake news têm erros grosseiros de português. Se receber notícias ou artigos mal escritos, desconfie.
- Dê uma “googlada”
Os canais oficiais são, sem dúvidas, a melhor alternativa para averiguar se um conteúdo é falso ou não. Órgãos como a Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde e a Fiocruz mantêm canais ativos para desmentir conteúdos falsos que circulam por aí.
Muitos canais na internet e agências de checagem de fatos também se dedicam a apurar a veracidade de informações e boatos divulgados pelas redes sociais, aplicativos e sites da internet. Na dúvida, antes de compartilhar uma notícia incrível ou aquela dica infalível contra o coronavírus que ninguém mais revelou, pesquise no Google usando, por exemplo, o mesmo título do artigo que recebeu.
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