Vamos imaginar que duas ou mais pessoas se encontram no tempo e no espaço. Faíscas são geradas por seus corpos, que passam a desejar mais proximidade. O magnetismo, inevitável, culmina no ato sexual. Ele pode ser casual ou se repetir por anos a fio, reafirmando-se como fonte de prazer e relaxamento, saúde e vitalidade. Mas não necessariamente como um caminho para se aprofundar a intimidade. Como assim?

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Para compreendermos o vácuo emocional que costuma se criar na cama dos casais, trisais ou adeptos do poliamor, precisamos reconhecer que, em nossa sociedade pragmática e mecanicista, o corpo é um instrumento a serviço da performance. Logo, os esforços se voltam para a potência do sexo: quantas vezes, por quantas horas, qual variedade de posições, qual a intensidade do clímax, e por aí vai… Só que, enquanto nos distraímos com as estatísticas, algo vital é deixado de lado.

Desnudamos o nosso emocional

Mas, para a nossa sorte, o filósofo e psicoterapeuta Thomas Moore vem nos lembrar do que nos escapou em algum momento ou sequer tivemos a chance de nos aperceber. “O sexo é infinitamente mais misterioso do que, em geral, imaginamos e só superficialmente levado em conta quando falamos sobre ele em termos de hormônios e da mecânica do ato sexual”, escreve no livro A Alma do Sexo – Cultivando a Vida como um Ato de Amor (Ediouro).

É que, segundo Moore, quando nos despimos para que as peles se colem, também desnudamos o nosso emocional, ou seja, o que estava escondido do lado de dentro vem à luz. “No sexo passamos a conhecer a pessoa de um modo especial, pois ele revela grande parte do que é inconsciente para os parceiros, incluindo seus desejos mais profundos.”

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Uma porção de coisas pode ser depreendida a partir das nossas preferências sexuais. Se gostamos de sutileza ou de contundência, se deixamos as fantasias guiarem as carícias, se ficamos mais excitados em determinados lugares ou situações, se tomamos a frente ou nos rendemos ao desejo alheio, e assim por diante.

“Tudo isso nos mostra quem somos, onde nossas almas desejam nos levar e quais são nossos complexos, obstáculos e inibições. No sexo vemos as partes privadas da alma em todos os seus detalhes”, reforça o psicoterapeuta. Quem tiver olhos para ver e sensibilidade para captar as nuances que vão além do aspecto físico sairá da experiência muito mais enriquecido e conectado ao outro.

A convivência cotidiana impacta diretamente na motivação para fazer sexo (Imagem: cosmaa | Shutterstock)

Via de mão dupla

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Muito bem, mas como posso refinar a percepção para que o sexo me deixe mais próximo do meu par?, você deve estar se perguntando. Em primeiro lugar, é preciso ter ciência de que, na vida conjugal, existem dois percursos que se retroalimentam: o que acontece fora da cama, nas trocas do dia a dia, e o que se passa debaixo dos lençóis.

Ambos são importantes nessa dança, como explica Ana Canosa, terapeuta sexual e de casais, autora de Sexoterapia: Desejos, Conflitos, Novos Caminhos em Histórias Reais (Alta Life). “Muitas vezes, quando se busca intimidade emocional no sexo, mas a vivência cotidiana é desconectada, repleta de conflitos, violências, ressentimentos e distanciamento emocional, há uma tendência de esvaziamento do desejo e da motivação para fazer sexo.” Segundo ela, todas as pesquisas sobre satisfação sexual apontam que a felicidade conjugal é um componente importante de sucesso – sendo a intimidade um fator relevante para que ela aflore.

Em contrapartida, quando a relação sexual é um convite para o prazer dos envolvidos, ela reforça os laços, pois as pessoas se sentem não só desejadas, mas importantes. Com isso, a sensação de realização transborda para o todo. “Quando alguém é acolhido no seu desejo, sem julgamentos e se sente à vontade para fazer uma comunicação sexual mais livre – seja verbal ou corporal –, a intimidade é desenvolvida e valorizada. Portanto, o sexo de qualidade também reverbera no cotidiano”, ela diz.

Verdadeira intimidade

Carla Zeglio, psicoterapeuta sexual e de casais, diretora do Instituto Paulista de Sexualidade (InPaSex), entende que a verdadeira intimidade ultrapassa o ato sexual. Antes de tudo, ela abarca confiança, comunicação aberta, respeito mútuo e consentimento. Ainda assim, a especialista enxerga correlações importantes entre o que se passa na penumbra do quarto e fora dele.

“Se um casal não se sente confortável para se abrir emocionalmente um com o outro, é provável que isso se reflita na intimidade sexual. Por outro lado, se há forte conexão emocional e confiança entre eles, isso certamente influenciará a qualidade da relação sexual, ou seja, as duas dimensões se complementam para o bom e o não tão bom!”.

A intimidade pode emperrar por muitos motivos. Há quem esteja, por exemplo, preocupado demais com a satisfação alheia, policiando-se minuto a minuto, gesto a gesto, para agradar. Não raro, a tática inclui evitar comentários que possam magoar o parceiro, mesmo que isso signifique menos satisfação pessoal e proximidade.

Também há os que enfatizam a atração física na hora H como forma de camuflar sentimentos que possam levar aquela relação a um patamar mais profundo. Afinal, nem todos alcançaram maturidade suficiente para bancar um relacionamento verdadeiramente íntimo e amoroso.

O relacionamento deve dar confiança aos parceiros para revelarem seus desejos (Imagem: Drawlab19 | Shutterstock)

Fantasias à solta

O curioso é que, mesmo em relações de longa data, muitas pessoas têm receio de se revelar ao outro como são, com seus desejos, fantasias, inseguranças e fragilidades. Se o fizerem, temem o julgamento e a sensação de inadequação, e veem crescer o risco da rejeição. “Para alguns, a intimidade emocional aciona o medo de ser julgado pelo outro, e isso é sentido como uma ameaça ao vínculo. Se eu contar minhas fantasias sexuais, é possível que o outro deixe de me amar, me abandone”, observa Ana.

No afã de liberarmos a tensão carnal, nos esquecemos de uma questão elementar: o sexo nos deixa vulneráveis. Como poderia ser diferente se ele evoca instintos primitivos, desejos que, às vezes, são contrários ao que a sociedade aprova como “conduta digna”? Por isso, é preciso criar um terreno de confiança para que cada um possa experimentar a liberdade dentro da relação.

A verdade é que, por trás da fachada de adultos bem resolvidos, todo mundo tem inseguranças, como também desejos secretos e fantasias variadas, das mais simples, como fazer amor em frente à lareira de um chalé nas montanhas, às mais inventivas, como assumir outra personalidade ou assistir ao parceiro transar com um desconhecido. “Compartilhar essas coisas pode ser assustador. Afinal, estamos nos expondo. E nossa sociedade ainda tem a ideia de sexo e tabu. Somos caldo dessa educação patriarcal, mesmo em relacionamentos de longo prazo. Ou melhor, inclusive neles”, afirma Carla.

Nas relações longevas, a especialista diz que é comum se deduzir que a outra pessoa responderá de determinada maneira, uma vez que acreditamos piamente conhecê-la como a palma da nossa mão. Suposições que, com frequência, acabam em derrapagens feias.

Felizmente, com auxílio terapêutico, é possível descobrir novas formas de vivenciar afeto, sexo, confiança, vulnerabilidade e, acima de tudo, saúde sexual, que é sinônimo de saúde mental. “Casamos, transamos, procriamos (ou não), mas não aprendemos que a intimidade sexual pode ser uma aliada na estrutura emocional e no fortalecimento dos relacionamentos amorosos ou conjugais”, ressalta.

Não existe perfeição no sexo

Vamos à prática. Primeiro, precisamos desconstruir a ideia de que o sexo precisa ser perfeito. Ora, se ninguém é a obra-prima da Criação, o sexo menos ainda. É normal que coisas engraçadas aconteçam, que o cabelo fique bagunçado, que o corpo faça barulhos estranhos, que surjam câimbras, mudanças de posições, paradas nada românticas para o uso de preservativo.

“Tudo isso e muito mais fazem parte da imperfeição perfeita do sexo. Aceitá-la é um passo importante para uma abordagem mais íntima. Entender que corpos são imperfeitos e colocá-los para jogo com muita ludicidade e capacidade de experimentar sem medo melhoram o humor, o cabelo, a pele, a vida, a alma e o relacionamento”, ressalta Carla.

Outro ponto fundamental: deixar de acreditar que existe uma situação ideal para que o sexo aconteça. Se a gente depender do que é ideal para realizar algo, vamos assistir o tempo passar. Melhor enxergar na transa a possibilidade de recarregar as energias em vez da obrigação de performance.

A psicoterapeuta aconselha a “rapidinha” de manhã, por que não? Ela pode ser tão ou mais prazerosa do que uma noite inteira de sexo – que, aliás, também é ótimo. Além do que, o chamego breve é fácil de se intrometer na rotina. Eis aí mais uma possibilidade gostosa de estar junto e construir novas conexões.

“Sexo é para ser desfrutado, não para se preocupar com a perfeição”, ela reforça. “Também é preciso fazer um exercício de ser menos crítico e julgador na vida. Quando você convive com alguém que está sempre criticando a tudo e a todos, fica difícil relaxar, as defesas estão em constante alerta”, complementa Ana Canosa. Vá de mansinho, testando uma coisa aqui, outra ali. Uma hora as travas darão lugar à entrega cristalina.

Por Raphaela de Campos Mello – revista Vida Simples

Jornalista e apreciadora de conversas intimistas. Quando elas fermentam a química sexual, então, nem se fale.