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Entenda a importância de resgatar o próprio ritmo  

Saber gerenciar o tempo permite resgatar o nosso ritmo natural (Imagem: eamesBot | Shutterstock)

Há alguns anos, quando deixei a capital paulista para viver com a família na área rural de uma cidade no interior do Estado, acreditava que minhas filhas cresceriam em um ambiente de enorme liberdade, sintonizadas com os ciclos naturais da vida. E que eu, por conseguinte, também experimentaria uma transformação radical no estilo de vida, a qual fluiria com muito mais leveza e calma.

Passados cinco anos e uma pandemia, percebo que não estava equivocado a respeito do que imaginava para elas; deu certo, funcionou! Mas confesso que, no meu caso, talvez pela globalização e conexão em rede de pessoas e trabalhos, ainda me sinto na maioria dos dias imerso em um labirinto de demandas incessantes e pressa desenfreada, tal como era na metrópole.

Mais ainda, à medida que conheço e converso com pessoas de diferentes lugares, noto que todos compartilham a mesma sensação e igualmente se sentem sufocados neste mundo inundado pelo frenesi da modernidade. O cenário atual nos impele a mergulhar em um ciclo interminável de atividades, alimentado pelo imperativo da produtividade e do sucesso. E, em meio a esse redemoinho de expectativas e obrigações, é fácil se perder no emaranhado de compromissos e responsabilidades, negligenciando nosso jeito de ser e a conexão com aquilo que verdadeiramente importa.

O tempo da natureza e o tempo das máquinas

No entanto, se refletirmos juntos, será que não é na própria essência desse caos que reside a oportunidade para uma jornada de redescoberta e renovação? Para essa resposta tão necessária, fui buscar a opinião da jornalista, escritora e palestrante Izabella Camargo, autora do livro Dá um Tempo!: Como Encontrar Limite em um Mundo Sem Limites (Principium).

Ela aponta que a dicotomia entre o tempo da natureza e o tempo das máquinas é um reflexo marcante da sociedade contemporânea. Enquanto o ritmo da natureza é fluido e variável, o compasso das máquinas é rígido e linear, governado por relógios precisos e cronogramas inflexíveis.

“A consciência dessa diferença já contribuiria muito para termos uma vida mais coerente e equilibrada. Fui descobrindo que, quanto mais precisos os ponteiros do relógio foram ficando, mais pressão fomos acumulando”, conta. “Curioso é saber que, conforme fomos avançando economicamente, os relógios do mundo tiveram que se sincronizar para transações bancárias, deslocamentos aéreos e terrestres, ou seja, todo o globo se adequou para conviver em um tempo mecânico. E, em vez de usufruirmos de bem-estar, ficamos iludidos e insatisfeitos, porque esse modelo, sem limites claros, é insustentável.”

Vivemos em uma sociedade que nos cobra o tempo todo

Outra análise provocativa e necessária é de Lella Sá, empreendedora, dedicada a oferecer mentoria a mulheres que desejam se conectar a trabalhos que façam sentido e diferença. Em sua visão, vivemos em uma sociedade que coloca uma pressão constante por produtividade, impondo expectativas muitas vezes irreais, especialmente sobre as mulheres.

“Estamos imersos em uma era de aceleração, na qual o valor é atribuído ao novo, ao pronto, ao rápido, ao diferente e ao disponível. Só que o que é rápido está ficando mais rápido. Hoje, a gente pede desculpas se respondeu alguém no WhatsApp duas horas depois. E quem gera mais atenção ganha”, pontua.

Dias mais brandos

Se o tempo muitas vezes parece um recurso escasso, deslizando entre os dedos como areia fina, quais são justamente as ferramentas que, além de nos ajudarem a colocar os dias em ordem, vão nos permitir resgatar nosso ritmo natural para que possamos fluir numa cadência que seja nossa, e não imposta de fora para dentro?

Lella conta que nosso tempo engloba não apenas as demandas externas, mas também nosso “tambor” interno, que está intimamente ligado ao ritmo da natureza, pois somos parte dela. As fases da lua e as estações do ano, por exemplo, refletem a qualidade do tempo e nos ajudam a entender nossos padrões de atividade. Como exemplo, no verão, tendemos a estar mais ativos ao ar livre, enquanto no inverno buscamos mais recolhimento. Da mesma forma, as fases da Lua, assim como influenciam as marés, afetam nossas emoções e disposições, dado que nosso corpo é composto por 70% de água.

Ela explica que, no caso das mulheres, o ciclo menstrual, com suas quatro fases distintas, tem um papel significativo nos estados emocionais e comportamentais. Desde a TPM até a ovulação, cada etapa traz consigo características únicas que influenciam a maneira como cada uma se posiciona na vida.

“Quando estamos mais para fora, nas fases folicular estimulante e ovulatória, ficamos mais disponíveis para o mundo. Já durante a TPM e a menstruação, estamos mais recolhidas, olhando para dentro. Então, quando a gente consegue compreender mais sobre os nossos tempos internos, também entende mais como usar isso a nosso favor”, salienta.

Refazendo os contratos do tempo

Outra abordagem essencial para lidar com o acúmulo de demandas e a pressa é aprender a discernir entre o que é importante, prioritário e urgente. Muitas vezes, somos tentados a nos deixar levar pela ilusão de que tudo é urgente, quando na realidade apenas algumas poucas tarefas realmente exigem nossa atenção imediata.

Izabella Camargo acredita que tudo tende a ficar mais fácil se conseguirmos fazer uma “atualização de identidade” e “refazer os contratos de tempo”. Na prática, ela explica, é comum vermos pessoas infelizes e doentes porque tentam cumprir uma agenda atual com características físicas e sociais do passado. “Eu, com 43 anos, não vou conseguir fazer tudo o que fazia quando tinha 20 ou 30, sem ter consequências na minha saúde ou relacionamentos.”

O segundo ponto, enfatiza, parte da necessidade de ter consciência do que está sendo gerenciado para distinguir o que é importante, prioritário ou urgente. “Se você souber o que é essencial para sua vida hoje e defender o tempo para o que só você pode fazer por você, o autocuidado deixará de ser uma utopia e passará a ser seu aliado para executar a lista que quiser, inclusive com tempo ou saúde mental para os imprevistos, que é a única certeza que teremos.”

Matriz de Eisenhower

Vale conhecer a matriz de Eisenhower, indicada para quem tem dificuldade em se organizar ou estabelecer limites em relação aos horários de trabalho. Ela consiste num esquema com quatro quadrantes, assim classificados: importante e urgente (prioridade máxima); importante, mas não urgente (pode ser realizado depois); urgente, mas não importante (pode ser delegado); nem importante, nem urgente (pode ser deixado de lado). Dessa forma, ao adotarmos uma postura mais criteriosa em relação às nossas prioridades, somos capazes de direcionar nossa energia para as atividades que verdadeiramente importam, evitando dispersões e desperdícios de tempo.

Ilustração de uma agenda com relógio
Organizar o tempo torna a rotina fluída entre os diversos papéis que uma mesma pessoa pode desempenhar (Imagem: Vector Stock Pro | Shutterstock)

Espaço para ser livre

Somado a isso, podemos e devemos incorporar o conceito de liberdade em nossa rotina diária, especialmente quando estamos lidando com múltiplas demandas e responsabilidades. Lella Sá, que há pouco tempo lançou o curso Temperança, focado em orientar mulheres empreendedoras a alinhar a produtividade aos ritmos da natureza e ao ciclo menstrual, gosta de usar o termo estrutura libertadora, que é uma agenda que contém blocos destinados a múltiplas demandas. Isso abre espaço para todas as necessidades, se a gente souber colocar limite nas coisas.

“Para mim, a liberdade vem na criação de um ritmo fluido que contempla os meus papéis, né? Do meu lado mãe, mulher, empreendedora, amiga e assim por diante. Então hoje a minha agenda me permite isso tudo porque eu contive o trabalho no tempo do trabalho e abri espaço para viver melhor os outros papéis que eu desejo.”

Além de ferramentas de organização e gestão do tempo, existem outras práticas ou técnicas que podem ser muito úteis para ajudar as pessoas a reequilibrarem suas agendas. Algumas são tão simples que muitas vezes as ignoramos. Quem as sugere é a psicóloga clínica Ursula Davidoff: planejar as pausas de cada dia e não as negligenciar; usar alarmes e agenda para se lembrar de compromissos e não acabar se perdendo em alguma tarefa; trabalhar a assertividade para conseguir negar atividades; além das sempre revigorantes práticas de mindfulness (atenção plena).

Desmembrando problemas complexos

A especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e Neuropsicologia ressalta ainda a validade de sabermos decupar um problema complexo em pequenas partes, como se a serem resolvidas homeopaticamente. Essa pode ser uma estratégia eficaz para lidar com desafios monumentais. Ao desmembrar o problema em etapas menores e mais gerenciáveis, tornamos a tarefa menos intimidadora e mais alcançável. Isso nos permite concentrar nossa energia e atenção em uma parcela específica do problema de cada vez, evitando a sobrecarga mental que muitas vezes resulta da visão da montanha de tarefas à nossa frente.

Sem falar que abordar cada parte do problema de maneira homeopática nos permite progredir de forma constante, sem nos sentirmos paralisados pela magnitude da situação ou correndo o risco de nos embolar em detalhes irrelevantes. Veja que sensação boa. A cada “check” em um problema é como se sentíssemos uma recompensa por uma tarefa feita. O único cuidado, alerta Ursula, é para não usar muito tempo fazendo essa divisão e acabar se esquecendo da tarefa central.

Numa velocidade confortável

A maturidade emocional costuma ser adquirida por meio da superação de adversidades. Adoraríamos que fosse de outro modo, mas geralmente não é. Como navegantes em um mar tempestuoso, somos desafiados a encontrar nossa bússola interior, a sonda que nos guia através das turbulentas águas da vida. Em vários aspectos, esse tema é abordado no livro Quando as Coisas Não Saem Como Você Espera (Sextante), do monge sul-coreano Haemin Sunim.

Em um capítulo da publicação, o autor, que é um dos professores de zen budismo mais influentes de seu país, revela como a pressão externa o levou a uma carreira que não o realizava plenamente. No entanto, ao reconhecer sua insatisfação e reunir a coragem para seguir seu verdadeiro chamado, ele encontrou a felicidade. Mais ainda, entendeu a importância de desacelerar quando a vida se torna desafiadora e nos lança no turbilhão. “Ao andar devagar, numa velocidade confortável, você vai se dar conta de que a vida tem sido difícil porque você estava indo mais rápido do que conseguia”, escreve.

Desacelerar para continuar em movimento

Aliás, desde que escreveu o livro Dá um Tempo: Como Encontrar Limite em um Mundo Sem Limites, trazendo percepções de uma centena de pessoas, entre personalidades e especialistas, Izabella garante que ficou mais vigilante para não encher a agenda com inúmeras demandas e, com isso, se colocar em risco. Especialmente, ela conta que conseguiu definir o que é negociável e inegociável. “Aprendi que dizer não para o que não queremos já é difícil, mas que o grande desafio da vida adulta é dizer não para o que queremos, mas não podemos”, diz.

Mas a principal conclusão da escritora e palestrante foi a mesma do monge: a de que precisamos desacelerar para continuarmos em movimento. “Isso é superparadoxal no século 21, quanto a velocidade é sinônimo de progresso (tem gente que não compreende a mensagem e me critica), mas, para mim, é o que pode nos devolver a sanidade e a harmonia. Saber quando precisamos acelerar e quando devemos desacelerar. O equilíbrio é um estado dinâmico. Não é estático. Ou seja, eu preciso desenvolver a autorresponsabilidade para escolher bem e eu só escolho bem com o autoconhecimento. Enquanto comermos, bebermos, fumarmos e comprarmos nosso tempo de descanso, viveremos uma vida confusa e sem sentido”, ratifica.

Do meu lado, entre a calmaria da natureza que circunda onde moro e a turbulência de dias que não cabem em si próprios, entendo que não devemos negar o caos instaurado e que acelera o nosso fazer cotidiano. Talvez a grande transformação esteja em aceitar com coragem sua complexidade. Afinal, o ser humano perdido com os afazeres do dia a dia não é um ser condenado à deriva, mas, sim, um ser em busca de si mesmo, do seu alinhamento primordial.

Por Gustavo Ranieri – Revista Vida Simples

Jornalista e pai de quatro meninas. Acredita na meditação como meio de se desviar dos atropelos do cotidiano.

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