Já reparou como, algumas vezes, criamos diversos personagens dentro da nossa própria vida? Acontece. Ao longo do caminho, podemos inventar muitas versões de nós pelos mais variados motivos: para sermos aceitos, para nos encaixar em algum padrão, para pertencer a algum grupo ou pelo simples fato de não conseguir sustentar, sozinhos, a nossa própria verdade. Aquela que só o nosso coração conhece.
E, no lugar de nos ajudar, esses personagens desapontam os caminhos e deixam a nossa vida cada vez mais confusa, complexa, perdida. Colocamos máscaras, ativamos nossos mecanismos de defesa e deixamos de ser gente de verdade, nos distanciando da essência da nossa alma, que é responsável por deixar a nossa vida mais simples.
Por isso, neste espaço, eu vou sempre te convidar a se olhar com verdade e a se reconectar com o que mais te importa, com o que mais toca o coração. E, para tal, não virei sozinha: estarei acompanhada de alguém que seja “Gente de Verdade”, para inspirar nosso caminho de reencontro e nos ajudar a refletir sobre o que é ter autenticidade em nosso viver.
Nesta primeira conversa, quem vem comigo é o Murilo Gun, palestrante, professor de criatividade e atento quando o assunto é inovação, mudanças, reinvenção e autoconhecimento. A seguir, ele partilha ensinamentos valiosos que angariou em sua jornada de despertar. O Murilo, fiel à sua essência, precisou se perder para se encontrar. E isso pede coragem.
Em que momento você se desconectou da sua verdade?
Quando criei uma empresa de cursos online de criatividade. Fazia parte da minha verdade dar aulas de criatividade e levar esses estudos para as pessoas. Mas, em certo momento, entrei num personagem do empreendedor de alta escalabilidade. E foi nessa hora que eu saí da minha simples verdade de adorar dar aulas e entrei em um personagem do empresário de educação. Faz parte ser esse empresário. O problema foi quando ele começou a querer ocupar mais espaço do que o artista e professor.
Como você percebeu de fato essa desconexão?
Quando veio um grito da alma que, no meu caso, se manifestou em ansiedade, reclamação, álcool, cigarro. Tudo em excesso. E a insatisfação também. Levando ao estopim de, um dia, chegar em casa do escritório vomitando e tremendo de frio. Minha filha pequena viu toda essa cena. Então, esse foi um momento em que eu olhei e entendi que realmente tinha me perdido.
Então, começou a virada?
Busquei ajuda para que a empresa pudesse funcionar comigo apenas no papel de professor. Passamos por uma grande transformação, mas, mesmo assim, eu sentia que não era mais isso que minha alma pedia, eu sentia que ela precisava de um movimento de esvaziamento para poder nascer algo novo que eu nem sabia o que era. Aí eu decidi fechar a empresa, passei um ano nesse processo. Foi quando começou a brotar em mim a vontade de voltar aos palcos, e veio o chamado da música.
E como foi esse processo?
Eu comecei um espetáculo musical, só que aí veio a pandemia paralisando tudo. Mas, a essa altura, eu já tinha me centralizado, já tinha saído do barulho que eu mesmo criei para mim e já estava numa paz e num recomeço. Com o online crescendo, recebi um convite para retomar os cursos. Foi a primeira vez em que tomei uma decisão pelo sentir, que foi voltar com a empresa, mas abrindo tudo de graça. Isso me trouxe uma sensação de liberação, de que agora, sim, eu tinha fechado o ciclo.
O que você faz hoje para não se desconectar de si novamente?
Eu me mantenho vigilante, atento para não me desconectar da minha verdade. Para mim, o conceito de egrégora funciona muito, que é viver junto a um grupo de pessoas em uma sintonia parecida, um grupo que se autovigia e serve de espelho para tentar minimizar a chance de eu me perder novamente. O poder de um grupo que ancora o espaço para você ser você, isso é muito importante. Além do modo auto-observador, sempre atento para os sinais do corpo e os gritos da alma.
Ser simples é…
Ser simples é seguir o sentir. Por exemplo: eu gostava muito de usar chinelo durante as minhas palestras. E aí as pessoas criavam um monte de teorias, uma história muito mais complexa do que a verdade, que era só uma e muito simples: eu gostava de usar chinelo. Pronto. Então é isso, vida simples é fazer o que se sente, sem cair nas histórias das pessoas que talvez não estejam fazendo o que sentem, mas seguem ali apontando o dedo para você.
Qual é a sua visão das mudanças e como lida com elas?
A mudança é a natureza da realidade. Tudo está em movimento, está tudo girando numa loucura, uma doidice. A realidade é movimento, e movimento é mudança. Tem aquele pensamento clássico de Heráclito que diz: “você não pode se banhar no mesmo rio duas vezes”, porque a água flui e troca em segundos. Então, a mudança é a natureza. Navegar nas mudanças é navegar pela vida, com um olhar também de inocência, de curiosidade para o que a vida tem para mim. A mudança é a realidade. Estranho é não saber mudar.
O que é ser gente de verdade?
Eu gosto muito de dizer que ser mais verdadeiro economiza energia. Quando não somos verdadeiros com nós mesmos e com os outros, nos desgastamos gerenciando as várias versões de nós que criamos. E aí falta disposição para ser quem realmente somos. Nesse sentido, dá muito mais retorno ser você mesmo. Mas, para ser quem a gente é, precisamos dar um salto de fé. Porque talvez você esteja tanto tempo não sendo você que vai precisar descobrir quem se é e se atirar para chegar em você outra vez. E, a partir daí, seguir mais alinhado. Essa alma que habita aqui, por exemplo, busca explorar o desconhecido.
Por Jacqueline Pereira
Tem fé no ser humano. Idealizadora do projeto Gente de Verdade, ela também é especialista em pessoas, terapeuta holística, palestrante e condutora de imersões espirituais.