Diante de centenas de pessoas e das câmeras, um lutador de UFC, que acabou de vencer o duelo, se emociona. Não só pela conquista, mas por seu amigo ter tirado a própria vida. Num ambiente em que impera a testosterona, o britânico Patrick “Paddy” Pimblett pede para que os homens se abram.

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“Existe um estigma neste mundo de que os homens não podem reclamar. Escute, se você é homem e está carregando muito peso nos ombros, e você acha que a única solução é se matando, por favor, fale com alguém. Fale com qualquer pessoa.”

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O apelo do lutador não é sem fundamento. Quando meninos ouvimos que homem não chora, que não pode levar desaforo para casa. Na adolescência, temos a masculinidade colocada em dúvida se demonstramos sentimentos. Ao nos tornarmos adultos, diante de depoimentos sobre como esse tipo de criação é conturbado, escutamos “no meu tempo era assim e estou bem hoje”. E, muitas vezes, acabamos replicando esse ciclo ao virarmos pais.

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Nos últimos tempos, porém, a saúde mental masculina ganhou destaque nas redes sociais, campanhas médicas e lares brasileiros. O psicólogo Mário Sabino credita ao aumento considerável de informações e conteúdos na internet para que mais homens procurassem ajuda médica durante a pandemia.

“Foi possível ter algumas mudanças significativas nos estigmas e crenças sociais a respeito da necessidade do espaço psicoterapêutico e no acesso de homens aos espaços de saúde”, pontua o profissional, que atua em Salvador.

Ele destaca que não adianta só pedir para que os homens se abram, se vulnerabilizem. É necessário também entender como acolhê-los. “Cuidar de homens é saber que suas narrativas e queixas não são as mesmas. São diferentes, porque são atravessados por raça, classe, sexualidades, corpos, regionalidades, entre outras vivências.”

Há um longo caminho a se percorrer quando se trata de saúde mental masculina. Entre homens, a taxa de mortalidade por suicídio foi de 10,7 por 100 mil em 2019, enquanto entre mulheres esse valor foi de 2,9, segundo dados do Ministério da Saúde.

Homens são mais fechados sobre seus sentimentos

De acordo com Diogo Amazonas, gerente hospitalar da Instituição Francisca Júlia – CVV (Centro de Valorização da Vida), que atende pessoas com transtornos mentais, como os homens costumam ser mais fechados sobre seus sentimentos, eles guardam por mais tempo os pensamentos suicidas, o que os torna mais efetivos quando tentam tirar a vida.

“Homens buscam ajuda por último, pela questão do preconceito, do machismo. Eles não aceitam se colocar numa posição de vulnerabilidade, mas sim numa condição de forte, de poderoso”, explica.

Quando o assunto é a população de menor poder aquisitivo, a saúde mental não costuma ser prioridade, diz o diarista Tiago Haka – e isso não é uma exclusividade dos homens pobres. “Entre comer e fazer terapia, as pessoas vão preferir se alimentar”, diz.

Ele já havia feito terapia anos atrás, mas parou quando o posto de saúde perto de sua casa deixou de oferecer acompanhamento profissional. O diarista voltou a contar com ajuda psicológica quando ganhou destaque nas redes sociais ao publicar dicas de faxina e produtos de limpeza.

Haka, que gosta de ter tudo sob seu comando, se viu numa situação incontrolável. “Eu sou uma pessoa que, quando sinto incômodo, jogo tudo pro alto e desisto das coisas. Sempre fui muito assim e falei ‘não, dessa vez eu vou encarar’.” Ele diz que, nas sessões de terapia, traz questões da sua criação e do seu passado à tona, mas que antes fingia não existirem.

Além do estigma de que o homem não deve demonstrar suas emoções e fraquezas, há o oposto, de que homens gays são muito sentimentais e estão sempre chorando. Haka, que é gay, foge desse estereótipo. “Eu só consigo me sentir à vontade emocionalmente quando sinto aquela energia de que vou ter retribuições afetivas. Tenho muita dificuldade de dizer ‘eu te amo'”, explica.

Em seus perfis nas redes sociais, além de falar sobre seu trabalho como diarista, Haka se abre e conta sobre sua vida pessoal. A atitude também gera comentários dos seguidores que se identificam com ele.

Outro influenciador que tem destaque por abordar os estereótipos e tabus envolvendo masculinidade tóxica é Fábio Manzoli, responsável pelo @masculinidadesaudavel. Em seu perfil, ele diz que a intenção de suas postagens é “ajudar homens a lidarem com suas emoções e com seu lado feminino”.

Com 135 mil seguidores, ele conta que descobriu que essa repressão de sentimentos o levava a ser explosivo e a ter vícios em substâncias ilícitas e em pornografia, assim como influenciava em seus relacionamentos amorosos.

Hoje ele organiza um retiro para, segundo seu site, o “desenvolvimento da inteligência emocional e de uma sexualidade mais consciente”.

Em sua palestra no TEDx, Manzoli conta que, aos 3 anos, ao expressar seu medo de escuro e do bicho-papão, seu pai, segurando um chicote na porta do quarto, o mandava engolir o choro, sem nunca bater nele. Isso fazia com que o pequeno congelasse e entrasse em pânico.

“Eu aprendi que homem não pode sentir medo. Aquilo me trouxe severas complicações, como baixa autoestima crônica, comportamento disruptivo -era agressivo verbalmente e saía de mim- e também depressão e ansiedade”, expõe em sua palestra. Manzoli diz que melhorou nos últimos anos ao se resolver com seus problemas do passado.

Sabino, o psicólogo do início do texto, destaca que homens que precisam de ajuda ou estão passando por algum momento difícil devem recorrer a sua rede de apoio, como amigos e familiares com quem mais se identificam, e também a profissionais especializados.

“É importante estarmos atentos aos sintomas e como seu corpo têm vivenciado a sua realidade. Verifique suas necessidades e, caso não seja possível fazer sozinho, oriente-se e procure o canal mais seguro para te ajudar.” De acordo com ele, se cuidar é um ato político, saudável e responsável.

Onde buscar ajuda?

Procure a UBS (Unidade Básica de Saúde) ou o Caps (Centro de Atenção Psicossocial) mais próximo da sua residência Em caso de emergência, entre em contato com o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) ligando para 192 Converse com um voluntário do CVV (Centro de Valorização da Vida) ligando para 188 (chamada gratuita a partir de qualquer linha telefônica fixa ou de celular de todo o território nacional) ou acesse www.cvv.org.br.