O quebra-cabeças das consequências da pandemia e das medidas de contenção da Covid-19 sobre os jovens continua a ser montado por pesquisadores. Neste mês, dois estudos podem trazer mais clareza. Um estudo com mães e crianças canadenses publicado na revista JAMA Pediatrics (ligada à Associação Médica Americana) no dia 10 demonstrou que o número diário de horas que as crianças passavam na frente de telas aumentou significativamente em dias úteis, especialmente quando as escolas foram fechadas.

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O outro estudo, publicado no mesmo dia na Revista Escandinava de Medicina e Ciência nos Esportes (Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, revista oficial de quatro organizações nórdicas de medicina esportiva), usou outro aparelho associada a dispositivos celulares, o medidor de aceleração, para demonstrar que, em adolescentes britânicos, o sedentarismo está associado a potenciais problemas cardíacos, mesmo se for interposto com ocasionais exercícios moderados a pesados.

Grudados na tela

No estudo de tempo de tela foram recrutadas 2123 mães e 1288 crianças canadenses com idade em torno dos oito anos. Famílias já eram acompanhadas desde 2018, então dados robustos de antes da pandemia puderam ser comparados com o que aconteceu durante a emergência de saúde global.

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Três ondas de Covid no Canadá foram consideradas: onda 1, na primavera de 2020 no hemisfério norte, quando houve lockdown; onda 2, no inverno de 2021, sem fechamento de escolas; e onda 3, também sem lockdown. O tempo de uso de telas de celular, tablet ou computador foi informado tanto pelas mães quanto pelas crianças. Antes da pandemia, esse tempo diário era de menos de duas horas em dias de semana e quase três horas e meia no fim de semana, segundo as mães.

A principal conclusão do estudo foi que o tempo médio de uso diário das telas aumentou em 1,35 hora, segundo as mães, durante o fechamento das escolas na onda 1, em dias de semana. Nas ondas de Covid subsequentes, agora de volta às aulas, as crianças diminuíram seu uso diário, porém não a níveis comparáveis ou inferiores aos anteriores à pandemia.

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Interessantemente, o número de horas de uso relatado pelas crianças foi maior que o relatado pelas mães. Nos fins de semana, em que as crianças usam mais as telas, o número de horas de uso, que é sempre maior que durante a semana, não diferiu dos valores pré-pandêmicos.

Os autores do estudo acreditam que as crianças são mais precisas ao informar suas horas de uso do que as mães, pois também são mais precisas que os pais ao relatar o seu estado de saúde mental. Isso significa que elas estão mais grudadas às telas do que as próprias mães imaginam.

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A maior limitação do estudo, é claro, é justamente que confiaram em relatos do tempo de uso das telas em vez de medir diretamente com aplicativos. O trabalho envolveu três pesquisadores de três instituições canadenses: as universidades de Laval (em Quebec), Calgary (Alberta) e Ottawa (Ontario).

O coração adolescente no sedentarismo e na atividade física

Andrew O. Agbaje, médico epidemiologista e único autor do estudo sobre o sedentarismo, colheu medidas de acelerômetro, dispositivo usado em celulares para funções como a contagem de passos, de 530 adolescentes britânicos, metade de cada sexo. Foram sete dias de monitoramento dos movimentos dos jovens, todos de 17 anos. Além dos dados de movimentação do corpo, colheram sua altura, peso (separado em massa magra e massa de gordura), batimentos cardíacos, pressão sanguínea e amostras de sangue — para avaliar colesterol, triglicerídeos, insulina e níveis de glicose.

Agbaje concluiu que os rapazes se movimentam mais que as moças. Em consequência disso, mas com participação das diferenças fisiológicas entre os sexos, eles têm mais massa magra (associada aos músculos) e menos massa de gordura que elas, em média. Na amostra, enquanto quase um quarto das moças têm sobrepeso ou obesidade, menos de 20% dos rapazes têm esse problema. Mas é entre eles que a hipertensão é mais comum: 11,6% contra apenas 1,1% entre elas.

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O cientista observou que, quanto mais um adolescente se movimenta ao fazer exercícios moderados a vigorosos, mais pesado é seu coração, com base na medida de massa do ventrículo esquerdo (câmara musculosa do coração) proporcionalmente à altura. A atividade física leve não teve o mesmo efeito, porém, foi associada à melhor função das câmaras no momento de relaxamento do coração entre os batimentos.

Uma descoberta interessante do estudo é que, se os adolescentes passam muito tempo parados, mas alternam com exercícios moderados a vigorosos, isso aumenta o peso do coração somente naqueles que são magros. Nos adolescentes com altos valores de massa de gordura não faz diferença. Curiosamente, o mesmo resultado para os últimos vale para aqueles que são mais pesados por excesso de massa magra — esses, também, tiveram sinais de menor função de relaxamento e pressão de enchimento do lado esquerdo do coração.

Um dos resultados mais preocupantes é que a alta taxa de sedentarismo foi associada a uma parede mais fina do lado esquerdo do coração nos jovens com sobrepeso e obesidade, um potencial sinal de coração mais fraco. É importante apontar, no entanto, que parede mais espessa e coração mais pesado pode também ser um sinal de doença: um excesso de crescimento de músculo cardíaco que acontece, por exemplo, entre os hipertensos.

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Curiosamente, o tempo de sedentarismo não foi associado à adiposidade (quantidade de gordura no corpo) nem a outros riscos cardiovasculares nos adolescentes. O estudo foi um dos primeiros, e maiores, a investigar a associação entre sedentarismo e características do coração. Em suma, o tempo que os adolescentes passam parados foi associado a um aumento de peso do lado esquerdo do coração, e também o tempo que passam fazendo atividade moderada a vigorosa. Uma possível explicação para isso é que as duas coisas fazem o coração crescer, mas de formas diferentes, uma associada à doença, e outra à saúde.

O que significa isso tudo? As recomendações

É importante considerar este fato — de que coração mais pesado e mais musculoso não é necessariamente um coração melhor— para interpretar os resultados. “Em crianças em crescimento e adolescentes”, comenta o médico no artigo, “pode ser difícil diferenciar a remodelação cardíaca relacionada ao exercício da maturação cardíaca da puberdade e sinais sutis de doenças estruturais do coração”.

O dr. Agbaje adere à recomendação de uma hora de exercícios moderados a vigorosos por dia para os jovens. A maioria não cumpre essa recomendação, e, como mostra o estudo com crianças canadenses, os lockdowns da pandemia foram incentivo extra a mais sedentarismo e mais tempo na frente de telas.

Maiores níveis de atividade física leve “não tiveram relação com alteração da estrutura cardíaca por sexo, por obesidade ou composição do corpo”, ressalta o cientista. Ainda assim, a atividade leve, que foi na média de quatro horas por dia para os adolescentes, “pode atenuar as sequelas da disfunção cardíaca” da pressão alta nos adolescentes. É melhor que nada.


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