Ao lado da aids, HPV e sífilis, cresce o perigo de uma doença sexualmente transmissível (DST) não tão conhecida do público: a infecção pela bactéria Mycoplasma genitalium (Mg). O alerta integra as diretrizes de 2018 da Associação Britânica de Saúde Sexual e HIV (BASHH), e em diferentes estudos nos últimos anos, que reforçam aos especialistas a importância de um tratamento direcionado – o que nem sempre é possível.
Isso porque, quando os sintomas se apresentam (o que na maioria dos casos não acontece), a doença se assemelha a uma infecção por clamídia. Ao usar o mesmo tratamento, porém, os resultados não são eficazes, o que leva ao aumento no risco de uma resistência bacteriana.
Os antibióticos usados no tratamento de outras doenças não funcionam com a M. genitalium porque ela é uma das menores bactérias encontradas no mundo e, portanto, não tem a parede celular – onde os medicamentos atuam.
“A alguns antibióticos ela é muito resistente, outros é parcialmente resistente e há aqueles em que é praticamente resistente. E essa resistência vem crescendo, conforme os pesquisadores têm percebido nos estudos com as cepas do Mycoplasma”, Newton Sergio de Carvalho, médico ginecologista e obstetra do hospital Nossa Senhora das Graças e professor titular de Ginecologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Esse é o principal alerta.
Atualmente, segundo estudo divulgado pelo periódico científico Journal of Infectious Diseases em 2017, a classe antimicrobiana disponível para ser usada contra o M. genitalium é a dos fluoroquinolonas, como o moxifloxacino – recomendado como primeira linha de tratamento.
Outro motivo para a infecção pelo Mg assustar a população é que a bactéria nem sempre é lembrada pelos especialistas na hora de um exame ginecológico – e o teste biológico molecular disponível para o diagnóstico também é esquecido.
“É quase impossível diagnosticar o Mycoplasma genitalium antes de ele trazer algum problema. Porque ele não dá sintomas, assim como a clamídia, e quando você pensa na hipótese do Mycoplasma, as trompas já estão inflamadas ou há caso de infertilidade, ou uma uretrite, a infecção na uretra”, explica Carvalho.
Como se prevenir?
Assim como com as demais DSTs, a principal forma de prevenção contra o Mycoplasma genitalium é através do uso de proteção durante as relações sexuais, como os preservativos ou camisinhas. Essa variedade da doença é conhecida dos especialistas desde a década de 1980 e a estimativa é que um a cada 100 adultos tenham tido contato com a bactéria, e entre 1% a 2% da população em geral tem a infecção.
Dos sintomas mais comuns, quando se manifestam, estão sensação de ardência e queimação quando urinar, além de secreção pelo pênis, entre os homens; entre as mulheres, dor durante o ato sexual, bem como sangramento depois das relações, e escapes de sangue entre os períodos menstruais. Mulheres também apresentam secreções e podem sentir dor na região pélvica, logo abaixo do umbigo.
Quando não tratada, a infecção leva a infecções do colo cervical nas mulheres (cervicites), gerando complicações como a doença inflamatória pélvica, conhecida por DIP, e até mesmo infertilidade. Nos homens, são comuns infecções na uretra, as uretrites.
“A relação sexual desprotegida tem a possibilidade de a pessoa adquirir inúmeros agentes infecciosos e, embora alguns sejam conhecidos, muitos outros não são, mas podem trazer grandes problemas, como o Mycoplasma. É cada vez mais importante que as relações sexuais sejam adequadas, com menos parceiros e com preservativos”, ressalta o médico ginecologista.
Gonorreia incurável
Recentemente, outra DST tem causado medo entre especialistas e população, e por um motivo muito semelhante, a resistência bacteriana. A gonorreia tem se tornado cada vez mais difícil de ser tratada pela crescente resistência a diferentes tipos de antibióticos – muito decorrente do uso errado pela população.
Ao fazer uso de um antibiótico sem completar o tratamento – que, em geral, exige o consumo completo da cartela da medicação -, a bactéria acaba por se adaptar e fortalecer diante do medicamento, ao invés de ser aniquilada por ele. No caso da gonorreia, em alguns casos ela já foi considerada incurável pelos especialistas.
A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que cerca de 78 milhões de pessoas são contaminadas a cada ano. No Brasil, o Ministério da Saúde calcula 500 mil infectados todos os anos, mas não haveria registro da gonorreia superresistente por aqui.
HIV e sífilis em crescimento
O Brasil teve um aumento de 3% no número absoluto de casos de infecção pelo HIV, conforme alertou a OMS em 2017, e a causa é múltipla, embora perpasse um ponto principal: as pessoas não estão mais se protegendo durante as relações sexuais.
Com o sucesso do tratamento, o medo da doença reduziu e, com ele, foi-se também o reforço na proteção. A infecção continua sendo uma doença incurável e com sequelas pelo resto da vida. Mesmo controlável, mais de um milhão de pessoas morrem, todos os anos, em todo o mundo, devido às consequências da infecção por HIV. E o que engana o restante da população é que, embora não tenha cura, o tratamento para a infecção evoluiu muito, a ponto de se resumir a um comprimido diário.
Uma vez infectado pelo vírus HIV, o caminho para outras infecções sexualmente transmissíveis, como sífilis, hepatites virais, clamídia, HPV, entre outras, é facilitado. Só no Paraná, entre 2010 e 2016, houve um aumento de 6.400% dos casos de sífilis, especialmente entre os jovens.