Saúde alimentar

Por que temos o hábito de comer peixe cru, mas porco, boi e frango não?

salmao cru
Foto: Freepik.

O Brasil é o terceiro país que mais come carne bovina no mundo. Por aqui, consumimos em média 34,4 kg do produto por ano, segundo dados de 2021 do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos). Apesar de algumas pessoas a preferirem mal passada, “sangrando”, como dizem, come-la crua é incomum. Mas há um motivo para isso, já que temos o hábito de comer peixe cru, mas não carnes de boi, porco e frango?

A médica veterinária Renata Ernlund Freitas de Macedo explica que, em tese, qualquer carne poderia ser consumida crua se fosse proveniente de um animal sadio, que não possuísse qualquer enfermidade ou parasitose, e se todas as etapas de sua obtenção fossem conduzidas de maneira higiênica, sem haver contaminação cruzada.

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“No entanto, considerando que a carne pode ser contaminada por bactérias patogênicas em várias etapas do processo de abate dos animais e processamento da carne, ou mesmo após a saída da indústria, no comércio varejista ou no processo de preparo pelo consumidor, na manipulação e armazenamento inadequados, não é recomendado o consumo cru”, explica Macedo, que é pesquisadora em qualidade e segurança de carne e produtos cárneos e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

No caso dos peixes, eles são consumidos crus por uma questão cultural e de sabor. O hábito de comer peixe cru está associado a uma questão cultural importada de países de origem asiática. “Além disso, a estrutura tecidual dos pescados é mais macia e permite uma maior digestibilidade, o que facilita seu consumo in natura”, diz Andréa Pinho Flôres, mestre em alimentos, nutrição e saúde e professora assistente na UFBA (Universidade Federal da Bahia) e no Centro Universitário UniRuy, em Salvador (BA).

“As carnes bovina, suína e de aves, por terem uma constituição mais fibrosa, dificultam o processo de mastigação e digestão, além de não serem tão saborosos crus quando comparados com alguns peixes”, diz Igor Maia Marinho, infectologista do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e coordenador da área de infectologia do Hospital Leforte/Dasa (São Paulo).

Há até uma tendência de comer carne de boi crua, mas mesmo receitas clássicas têm seus riscos, devido à alta possibilidade de contaminação por bactérias, vírus e parasitas. “Mesmo carpaccio, steak tartare ou quibe cru, preparados com carne bovina crua, há um grande risco de contaminação”, diz Flôres.

Qual o perigo de comer carne crua?

Carnes cruas provenientes de fontes não seguras e contaminadas têm potencial de causar doenças graves. Os quadros mais comuns são causados pelos seguintes patógenos:

– Bactérias do gênero Salmonella: causam infecção alimentar e as pessoas infectadas apresentam sintomas como diarreia, febre, náuseas e distensão abdominal;

– Bactéria Escherichia coli: provoca sintomas como febre, diarreia, dor abdominal;

– Protozoário Toxoplasma sp: pode causar toxoplasmose, doença que, na forma grave, provoca febre, aumento dos gânglios corporais, comprometimento visual, cerebral e em outros órgãos;

– Parasita Taenia sp: pode ocasionar verminose intestinal, doenças musculares ou cerebrais.

Segundo Marinho, a contaminação por bactérias e outros microrganismos pode ocorrer enquanto o animal de abate ainda está vivo, durante o processo de produção, por exemplo, por ausência ou poucos cuidados de saúde específicos e/ou na falta da identificação precoce de animais doentes, ou após o abate, geralmente por má conservação.

E mesmo com o avanço nos processos de criação, abate e distribuição desses animais até o consumo humano, o risco de contaminação ainda existe e é preciso ter cuidados.

Como se prevenir da contaminação?

A lavagem da carne não é adequada nem suficiente para eliminar os microrganismos, caso estejam presentes, de acordo com Angélica Simone Cravo Pereira, responsável pelos Laboratórios de Ciência da Carne e Pesquisa em Gado de Corte da FMVZUSP (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de São Paulo).

A especialista recomenda que, se o desejo é mesmo consumir a carne crua, é preciso observar algumas características na hora da compra. “A carne bovina e suína deve apresentar gordura firme, cor vermelho brilhante, cheiro agradável e ter o mínimo de líquido possível. No caso das carnes de aves, a cor da pele varia do branco ao amarelo e a superfície deve ser brilhante e firme ao tato”, ensina.

A de peixe também deve ser proveniente de fonte segura e ser fresca ou devidamente conservada por métodos de congelamento ou refrigeração para não apresentar riscos à saúde.

Esse tipo de carne pode conter materiais nocivos presentes no ar e no solo, que são arrastados pela chuva para rios e oceanos e acabam contaminando peixes, como poluentes industriais, toxinas biológicas, microrganismos e parasitas causadores de doenças.

Independentemente do tipo de carne a ser consumida, é importante considerar sua procedência, adquirir produtos que tenham o selo de inspeção na embalagem, checar a data de validade e observar se o alimento está em condições adequadas de armazenamento e conservação.

Caso o consumo seja feito em casa, a pessoa deve manter medidas de higiene durante o preparo para evitar a contaminação cruzada, além de garantir uma boa refrigeração. No caso de restaurantes, procure saber se o local possui liberação da vigilância sanitária. Ao sinal de qualquer suspeita de possível contaminação como cheiro fétido, alteração de coloração e/ou presença de secreções ou líquidos não identificados, não consuma o produto.

Lembrando que se você quiser comer carne crua, haverá sempre um risco. “Independentemente da escolha, sempre há algum risco biológico de se consumir carnes cruas ou mal cozidas, seja qual for sua origem, características sensoriais ou procedência. Indivíduos idosos, crianças e pessoas doentes ou convalescentes não devem, em hipótese alguma, comer carne crua ou mal passadas, pois elas pertencem aos chamados grupos de risco”, diz Luciano dos Santos Bersot, professor da Universidade Federal do Paraná, do Laboratório de Inspeção e Controle de Qualidade de Alimentos e Água, do Departamento de Ciências Veterinárias.

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