O Paraná liderou acidentes com aranhas no país nos últimos cinco anos, com 45 mil das 168 mil ocorrências, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde (MS) e que reúne casos entre 2017 a 2021. O estado registrou 27% de todos os casos do Brasil.
A campeã das picadas, como todo curitibano sabe de cor e salteado, é a aranha-marrom, de nome científico Loxosceles. No Paraná, ela se apresenta em pelo menos quatro espécies diferentes, sendo a mais comum e que mais causa acidentes, a Loxosceles intermedia.
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Entre os municípios com mais registros de acidentes no estado, a capital paranaense aparece, segundo a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), como a líder em casos desde 2017, com mais de 6 mil notificações, seguida de Ponta Grossa, Pato Branco e Guarapuava. Somente os municípios da Região Metropolitana de Curitiba somam mais de 16 mil casos notificados. Nos últimos cinco anos, dos 45 mil acidentes com aranhas no Paraná, 18,7 mil são referentes à aranha-marrom.
O motivo que leva a região de Curitiba a ter grandes números em relação à infestação por essas aranhas e, por consequência, de acidentes com elas, são variados. É o que explica o biólogo Marcelo Vettorello, responsável pela área de animais peçonhentos no Centro de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de Curitiba, que trabalha na na área desde 1992.
“Entre os fatores relacionados que podem ter levado a isso estão o crescimento das cidades para as bordas, o que fez com que essas aranhas, que têm hábitos silvestres, não tivessem mais para onde fugir, migrando para a área urbana. Com a urbanização também ocorreu a redução de inimigos naturais, como aves predadoras – até mesmo aquelas galinhas de casa ajudavam nisso – e sapos. Como a Loxosceles intermedia tem uma capacidade de adaptação rápida a ambientes intradomiciliares, esses fatores explicam essa alta incidência”, diz ele.
Curitiba tem uma situação muito atípica em relação à infestação por essas aranhas comparativamente ao restante do mundo, segundo a bióloga Marta Fischer, especialista em animais de interesse médico (aracnologia) e professora da PUCPR, visto que há uma infestação de 97% das casas, com prevalência da Loxosceles intermedia em quase 90% delas.
Entre 2017 e 2021 a Região Sul foi a responsável pelo maior número de notificações de acidentes por aranhas (54% do total). No total de acidentes, o Paraná é seguido de Santa Catarina e São Paulo (16% dos acidentes cada) e Minas Gerais (14%). O estado teve também, em 2021, a maior incidência de acidentes no Brasil, com 63 a cada grupo de 100 mil pessoas.
Calor deixa a aranha-marrom mais ativa
Pesquisas feitas com aranhas-marrom soltas em ambiente intradomiciliar, segundo Vettorello, mostraram locais em que elas preferem se esconder: caixas de papelão, tijolos e em meio a roupas. “As casas com paredes e pisos de madeira e mesmo sótãos, ainda comuns em Curitiba, apresentam muitas frestas, lugar onde as aranhas gostam de estar: um lugar seco, quente e escuro, que não é muito remexido. Porém, quando algo a incomoda, como o calor e a chuva, ela pode sair de onde está e causar acidentes”, explica ele.
O que mais interfere no número de acidentes é a maior ou menor atividade da aranha, influenciada pela temperatura ambiente, como explica o biólogo. “No inverno, o número de casos cai bastante, porque ela fica mais encolhida, enquanto no calor ela fica mais ativa, propiciando mais acidentes”, diz ele, que aponta que o fim dos invernos rigorosos e o ligeiro aumento da temperatura global devem influenciar na dinâmica dos acidentes. “Em breve, com a proximidade das estações mais quentes, vai ter início a fase de acidentes mais frequentes e a recomendação é de sacudir a roupa, calçados e virar do avesso o que for vestir”, diz ele.
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Demora para identificar a picada dificulta o tratamento
Com um corpo que mede apenas 1 centímetro e tamanho total que varia entre 3 e 4 cm, a aranha-marrom tem o hábito de se locomover sempre que algo a incomoda. Mesmo com uma toxina não tão potente quanto de outras espécies, sua picada pequena, leve, porém anestésica, faz com que a pessoa não sinta dor na hora do acidente. “Isso faz com que só se perceba que foi picado quando as primeiras reações aparecem, passadas 12 horas, quando a toxina já está metabolizada no organismo, o que complica o tratamento, pela dificuldade em se saber a quantidade de veneno circulando e seu impacto no corpo”, diz a bióloga Marta Fischer.
A dificuldade de se achar um padrão da picada torna-a atípica, visto que dificilmente se sabe se a pessoa foi picada por uma aranha macho ou fêmea, se ela tinha comido antes ou não, se era um filhote ou não, informações que pesam na hora de determinar a quantidade de toxinas que pode ter sido inoculada.
Em 2021, pelos dados do DataSUS relacionados ao Paraná, quase metade dos atendimentos a picadas de Loxosceles levou 24 horas ou mais para receber atendimento. Segundo a Sesa, consultada pela Gazeta do Povo, como a picada da aranha marrom é muito superficial e praticamente indolor, nem sempre as pessoas relacionam os sintomas – quando se apresentam, com o passar do tempo – à picada da aranha, atrasando a busca pelo atendimento.
Muitos acidentes, mas com baixa letalidade
Apesar da maior incidência de acidentes do Brasil, com 63 casos por 100 mil habitantes, a letalidade por aranhas no Paraná é baixa. Segundo o Ministério da Saúde, foram identificados seis óbitos no período de 2017 a 2021. Número rechaçado pela Sesa, que alega terem havido somente quatro óbitos por aranhas no estado no período do estudo, como cita Emanuel Marques da Silva, biólogo do Programa Estadual de Vigilância de Acidentes por animais Peçonhentos da pasta estadual. A maior taxa de letalidade apresentada no período em estudo do MS foi em Roraima (1,15%). A taxa do Paraná foi de 0,01%.
As picadas podem levar a estados classificados como leve, moderado e grave. O leve não tem muitos sintomas e, este ano em Curitiba, segundo Vetorello, responderam pela maior parte dos 454 casos registrados na capital até o momento. “Após 6 horas surge a dor na perna e uma área avermelhada, que pode ser confundida com um pelo encravado”, diz ele.
Com três notificações na capital paranaense até o momento neste ano, o biólogo diz que casos graves se apresentam como lesões de pele bem características, com feridas maiores que podem causar isquemia de vasos sanguíneos e necrose na pele, de 4 a 5 dias após a picada.
“A dica que dou é que deixar para amanhã pode ser tarde demais”, alerta o biólogo quando o assunto é buscar ajuda quando houver desconfiança em relação a uma picada de aranha-marrom. Segundo ele, o número de mortes baixo em relação a notificações de acidentes com aranhas no Paraná pode ser explicado também pela ampla divulgação que se tem em relação a esse tipo de caso no estado, o que leva as pessoas a um atendimento precoce.
O agravamento dos casos, segundo Marta Fischer, pode se dar por infecção secundária, visto que a aranha pode inocular, junto como o veneno, uma bactéria que vive na ausência de oxigênio e é difícil de controlar. “Ela sim pode fazer com que a picada evolua pra um estado bem pior, por isso se recomenda boa assepsia no local da picada, lavar bem com água e sabão e buscar atendimento”, diz. Também piora a situação, diz Vettorello, cutucar a ferida ou passar chás, querosene, fumo e folhas, ações que acabam infectando e complicando a lesão.
Fui picado, o que devo fazer?
Caso haja desconfiança que tenha sido picado pela aranha-marrom, o ideal é seguir para uma unidade de saúde pública, para passar por uma avaliação médica dos sinais e sintomas de cada caso. A Sesa disponibiliza em todas as Regionais de Saúde a soroterapia antiveneno para ser usada conforme indicação clínica. Sempre que possível, o paciente deve levar a aranha causadora do acidente, oque poderá auxiliar na conduta médica. A Sesa disponibiliza também um número de telefone do Centro de Informações a Assistência Toxicológicas do Paraná: 08000-410148 – CIATox para dúvidas em caso acidentes por animais peçonhentos e intoxicações.