A pandemia foi horrível em diversos aspectos. Em todos os lugares se viam números alarmantes sobre mortes, internações, sequelas causadas pela Covid-19, caos social, que naturalmente causam sensações de medo e até pânico, e pessoas mais sensíveis emocionalmente acabaram sofrendo muito mais.
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O momento de fazer a retirada das máscaras, tanto em ambientes externos, como em ambientes internos, tem chegado gradativamente em todo o Brasil, logo depois de países como Estados Unidos, Reino Unido e França as terem liberado. Porém, há pessoas que têm apresentado receio em deixar de usar tal proteção.
“Pensar sobre voltar a coisas parecidas com o que acontecera na pandemia, desperta em nosso cérebro uma necessidade de segurança e proteção, onde nesse momento ocorre a ansiedade e consequentemente, o medo de não utilizar as máscaras”, explica Eloisa Feltrin, psicóloga especialista em teoria fenomenológica existencial.
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Tal permissão tem gerado inúmeros impactos, positivos e negativos, até mesmo resistência em algumas pessoas, mesmo entre as crianças, adolescentes e jovens. “Uma criança de 5 a 7 anos de idade passou boa parte do período escolar de sua vida, se não todo, diante do uso das máscaras e retirá-las pode causar estranhamento e resistência”, conta a psicóloga Michele Maba.
Portanto, é necessário que a mudança seja realizada de forma natural e gradativa, sem a imposição brusca, respeitando a particularidade e as limitações que a rotina pandêmica trouxe.
Como lidar com o receio de tirar as máscaras?
Eloísa indica que, para as pessoas que possuem receio de tirar as máscaras, é importante que trabalhe com sua consciência, a forma que construiu uma relação com o uso do item de proteção e com a pandemia, ressignificando os acontecidos.
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Algumas pessoas adquiriram pânico do relacionamento social e ter que entrar em contato com essa realidade novamente, pode ser o caos na saúde emocional, explica a psicóloga. “Dessa forma, é importante saber sobre quais lugares a pessoa está frequentando. Não dá para ir ao show e esperar que todos estejam cumprindo o uso das máscaras, mesmo que agora flexibilizadas”, alerta Eloísa.
Pela singularidade de cada ser humano, é preciso entender como está sendo a visão de cada um sobre essas mudanças. Assim, cada pessoa deve buscar conhecer quais são os seus limites. Afinal, os sentimentos causados pela ausência da máscara são individuais, devendo ser deixada a comparação de lado, pensando na real necessidade caso a caso.
Gatilho para ansiedade
“Será que é seguro ficar sem máscara em ambientes fechados?” “Será que eu posso conversar com alguém sem estar com máscara e sem risco de contaminação?” Essas são algumas das perguntas que têm passado pela cabeça de algumas pessoas quando se deparam com o fim da obrigatoriedade do uso das máscaras, seja em ambiente aberto ou não.
Nos casos em que a ansiedade gerada não é exacerbada a ponto de paralisar ou gerar pânico, além de buscar entender racionalmente que o risco de contaminação é mínimo, é importante procurar oportunidades para superar qualquer angústia, enfrentando o medo ou o que lhe dê causa.
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“As pessoas que não sofrem com ansiedade, lidam com o risco de contaminação de uma forma estatística. Contudo, há pessoas que, por terem uma saúde mais vulnerável, podem desencadear uma fragilidade emocional somada à angústia, ao pensarem nas possíveis doenças que podem adquirir por estarem supostamente descumprindo um cuidado”, explica Michele.
Para enfrentar o medo, Michele explica que a pessoa pode se libertar do uso da máscara aos poucos, em ambientes abertos com menos pessoas, até que se sinta a vontade de circular entre mais pessoas, se acostumando com isso gradativamente, através da dessensibilização sistemática.
Eloísa acredita que fazer tal processo de dessensibilização, parando de usar as máscaras aos poucos, pode ser uma ótima alternativa para que a angústia dê espaço a uma vida mais leve e tranquila. “Os momentos incertos vividos durante a pandemia, hoje dão espaço para um reconectar, com novas possibilidades, que precisa ser olhado com carinho para cada história. Voltar a criar laços com amigos, falar com familiares sobre seus sentimentos, é um ótimo empurrão para essa saída”, destaca a profissional.
Frente à uma crise de ansiedade, o que fazer?
Todos sentimos ansiedade, é ela que faz a manutenção da nossa vida e evita com que possamos colocá-la em risco. Contudo, Eloísa alerta para sentimentos como exaustão, estresse intenso, dificuldade em começar e/ou terminar coisas, dores de barriga intensas e hábitos de roer unhas e até mais agressivos como arrancar o próprio cabelo, que demonstram que a saúde mental não está muito bem.
Os pensamentos ansiogênicos, ou seja, geradores de ansiedade podem se tornar gatilhos de crise para pessoas com TOC, transtorno de ansiedade generalizada ou transtorno de pânico, alerta Michele.
Nos casos em que não utilizar a máscara torna-se um gatilho ansiogênico, é importante que a pessoa se exponha a situações que lhe permitam superar o medo apenas com o auxílio de um profissional da área da saúde, para que não aumente seu sofrimento com um adoecimento mental.
“Para pessoas acometidas de algum transtorno de ansiedade, como a síndrome do pânico, é importante que ao se deparar com uma crise, busquem controlar sua respiração, dirigindo-se para um lugar onde se sintam mais tranquilos e favoreça a racionalização do baixo risco de contaminação”, orienta a profissional.
Tendo buscado um lugar que considera seguro, Eloísa orienta que o indivíduo chame alguém para dizer como está se sentindo e oriente o que a pessoa pode fazer para ajudar, seja ligar para uma pessoa de segurança ou pegar uma água. Além disso, a profissional indica que tanto a autorregulação, com práticas de respiração, como palavras de autoafirmação, ressaltando o quanto se está seguro, são ótimas alternativas para esses momentos.
Além da Covid-19
Além de proteger contra o coronavírus, para algumas pessoas, a máscara cumpriu outras funções, como forma de esconder características físicas não aceitas e até mesmo como meio de esconder sentimentos e expressões do rosto. “As pessoas muitas vezes saíam sem cuidar do próprio rosto, se esconderam ou por se acharem feias ou para que as pessoas não conseguissem as interpretar por completo”, diz Michele.
Para tais indivíduos, a ausência da máscara poderá acarretar numa maior exposição, podendo tornar-se gatilho de ansiedade, visto a impossibilidade de não demonstrar sentimentos antes ocultados.
“Esse é o momento de voltar a encarar a realidade sem fazer uso de algo que proteja o indivíduo escondido, ainda que a exposição seja realizada de forma gradual”, destaca a psicóloga, que acredita que algumas pessoas buscaram outros meios para se proteger de seus medos. “As mulheres vão acabar fazendo uso de uma maquiagem que as faça sentir mais protegidas da cara limpa ou vão fazer uso de outros acessórios porque sentirão que a máscara faz falta de alguma forma”, diz ela.
Como retirar a máscara no seu próprio tempo?
Através da dessensibilização, Michele orienta que cada pessoa busque deixar de utilizar a máscara, quando permitido pela legislação, respeitando o seu próprio tempo, independentemente do motivo pelo qual ainda a utiliza.
“O autoconhecimento é a base de tudo. Com ele, a pessoa, tendo conhecimento de quando as coisas estão saindo do controle ou quando está tudo bem, saberá quando está pronto para viver o momento pós-pandemia, se aproximando de pessoas, conhecendo novos lugares, deixando a ansiedade com a função que ela realmente possui em sua vida, o cuidado, e não o controle”, acrescenta Eloísa.
Além disso, é importante lembrar que há possibilidade de que as pessoas que desejarem, continuem usando a máscara, afinal, há ocasiões – inclusive algo costumeiro no Oriente –, de que pessoas com sintomas gripais ou outras doenças usem tal acessório para proteção do próximo mais vulnerável. “Respeito vai ser a palavra de ordem na humanidade para dar conta de lidar com os pensamentos diferentes de todos nós em meio às mudanças que enfrentaremos”, conclui a psicóloga.