Um estudo científico publicado nesta quinta-feira (14) mostrou que o consumo moderado de álcool – cerca de 2 taças de vinho por semana – é suficiente para causar acúmulo de ferro no cérebro. Essa condição está associada ao declínio cognitivo. Até agora, acreditava-se que apenas o consumo abusivo de bebidas alcoólicas poderia ter esse efeito.
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No estudo, que foi desenvolvido pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, 21 mil participantes responderam a um questionário sobre seus hábitos de bebida, fizeram ressonância magnética para medir a quantidade de ferro no cérebro e realizaram testes cognitivos (quebra-cabeças, por exemplo).
A pesquisa mostrou que o consumo de sete unidades de álcool semanalmente – o equivalente a duas taças de 250 ml de vinho – está associado ao aumento de ferro numa região cerebral chamada de gânglios da base.
Publicado na revista científica Plos Medicine, o estudo foi o maior que investigou a relação entre consumo moderado de álcool e o acúmulo de ferro.
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De acordo com José Gallucci Neto, médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), essa região cerebral é responsável por diversas atividades, mas as principais são funções motoras e cognitivas.
Esse fenômeno é observado em condições neurodegenerativas, como nas doenças de Parkinson e Alzheimer, mas também está muito ligado à dependência e ao consumo abusivo de álcool. Segundo Anya Topiwala, médica psiquiatra que conduziu o estudo, já se sabe que o beber por um longo período pode causar demência e danos cerebrais.
Entretanto, até hoje não se sabia que o consumo moderado de álcool também tem esse efeito. O que o estudo mostra é que pacientes que bebem moderadamente não somente têm maior acúmulo de ferro, como também têm maior dificuldade nos testes cognitivos.
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Segundo Gallucci, cognição é “um conjunto de funções superiores que envolvem, principalmente, memória, atenção e rendimento”. Na prática, declínio cognitivo significa uma maior dificuldade para executar tarefas simples como trabalhar e aprender coisas novas.
Para Jerusa Smid, médica neurologista e coordenadora do departamento de neurologia cognitiva e do envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia, a principal novidade nesse artigo é que ele sugere uma possível explicação para os distúrbios cognitivos associados ao álcool que ainda não são bem compreendidos.
O estudo também mostrou uma relação entre o consumo de bebidas alcoólicas e o acúmulo de ferro no fígado, mas o efeito só foi observado em participantes que consumiam pelo menos 11 unidades de álcool por semana – o equivalente a quatro latas e meia de cerveja.
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O fígado é o principal órgão afetado pelo consumo de álcool. Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), 48% das mortes provocadas pela bebida são por cirrose hepática, condição em que o órgão deixa de ser funcional devido à ocorrência constante de lesões.
Para Gallucci, é importante reforçar que os danos do álcool são sistêmicos. Embora os principais efeitos sejam observados em órgãos específicos, a substância é tóxica para todo o organismo e pode afetar, além do corpo, o juízo de valor e as emoções.
Segundo Topiwala, psiquiatra que conduziu o estudo, mais trabalhos precisam ser conduzidos para entender se o acúmulo é reversível e como ele impacta na cognição, mas, de acordo com ela, essa é mais uma evidência de que “até o consumo moderado de álcool é ruim para o cérebro”.
Saúde Pública De acordo com dados da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), o consumo de álcool é responsável por 380 mil mortes ao ano nas Américas – cerca de 5% do total de mortes por todas as causas.
Apesar da maior parte dessas mortes ocorrer devido a cirrose hepática, a bebida também causa doenças como câncer, hipertensão e tuberculose. As mortes também estão relacionadas com a ocorrência de lesões como acidentes de carro e homicídios.
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Para Smid, as políticas públicas para o combate ao álcool não são boas. “O álcool é uma droga licita que deve ser combatida, como o cigarro”. Segundo ela, justamente por ser lícita, as políticas deveriam ser mais rígidas.
Segundo dados da Vigitel 2021 (Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico), uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde nas capitais brasileiras, 18,3% dos adultos entrevistados relataram consumo abusivo de bebidas alcoólicas. A frequência é maior nos homens (25%), nos jovens (25,5%) e nas pessoas com maior escolaridade (22,5%).
Durante a pandemia, o uso de substâncias de abuso aumentou, o que fez com que a OMS recomendasse que os governos regulassem a venda de bebidas. Ainda de acordo com a OPAS, 42% dos adultos brasileiros entrevistados relataram alto consumo de álcool no período de quarentena.