Dor de cabeça, azia, desconforto, arranhões, feridas na pele. Um remédio aqui, um antiácido ali, toma um chá, esta pomada ajuda, passa o merthiolate. Na correria do dia-a-dia, quando surge aquele mal-estar, é comum os brasileiros se socorrerem por conta própria, através da famosa “farmacinha”, que acumula vários medicamentos ao longo dos anos. Ou então, lembramos daquele amigo ou parente que toma todo o tipo de remédio, para as mais variadas indisposições, e parece entender do assunto.
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A automedicação é, em teoria, o uso de medicamentos aprovados para serem utilizados sem acompanhamento médico. Segundo pesquisa do Conselho Federal de Farmácia (CFF), 77% dos brasileiros usam medicamentos sem prescrição médica e quase metade, 47%, se automedica uma vez por mês, enquanto um quarto, 25%, o faz todos os dias ou pelo menos uma vez por semana.
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É o que faz o engenheiro Felipe Barros, 56, ao se deparar com algum desconforto no seu dia-a-dia. “Durante a vida fui a muitos médicos, seja para tratar algo que tive, acompanhar os pais idosos ou até levar a minha filha adolescente. Percebo que algumas situações vão se repetindo e a gente vai entendendo melhor os sintomas. Acaba que quando sinto alguma coisa, especialmente quando é mais leve e corriqueiro, tomo os remédios que já sei que funcionam para mim”, conta.
Mas, para o engenheiro, é preciso uma dose de cuidado. “Antes de me medicar, pesquiso na internet, confiro mais sobre o sintoma e sempre leio a bula. As pessoas mais próximas, como minha esposa, filha e até alguns amigos, sabendo que tenho esse cuidado, passaram a recorrer a mim quando sentiam algo. Quando eu sei, tento ajudar, mas sempre com remédios que não precisam prescrição ou até com saídas mais naturais, como chás. Se for algo mais complexo, indico que procurem um médico mesmo”, relata Barros.
A prática de se automedicar não é necessariamente ruim, como explica o gerente técnico cientifico do Centro de Informação sobre Medicamentos do Conselho Regional de Farmácia (CRF-PR), Jackson Rapkiewicz, mas pode, sim, trazer riscos a curto e longo prazo.
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“É inviável que todas as pessoas que sintam qualquer desconforto tenham atendimento médico, o serviço de saúde não comporta todo mundo. Por isso, existem medicamentos aprovados pela Anvisa para serem usados sem receitas, os chamados ‘MIP’ – Medicamentos Isentos de Prescrição.” Mas, ele alerta que, mesmo sem receitas, esses remédios não são menos propensos a causar problemas.
“Medicamentos para alívio de sintomas não podem ser utilizados por tempo prolongado. Há vários riscos associados na automedicação, como mascarar os sintomas de uma doença em progresso. Pacientes que sofrem sempre o mesmo sintoma, como dor de cabeça, dor de estômago e azia, podem, na verdade ter uma doença que está se desenvolvendo e, através da automedicação, não recebem o tratamento adequado e podem contribuir para a evolução do quadro”, avisa o farmacêutico.
Intoxicação é campeã no Brasil
O último domingo (5), foi o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos e os brasileiros não têm muito o que comemorar. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, desde 1994, os medicamentos são o principal agente causador de intoxicação em seres humanos no Brasil. Para Rapkiewicz, isso é um sinal de alerta para a maneira como nós consumimos os medicamentos.
“Quando perguntamos qual deve ser a substância que mais nos intoxica, logo pensamos em agrotóxicos, produtos de limpeza ou até mesmo picadas de animais como escorpião, cobras e aranhas. Não. São justamente os medicamentos, algo que nós usamos para tratar doenças. Eles são responsáveis por mais de 30% dos casos de intoxicação, sendo que muitos são considerados seguros, como analgésicos e anti-inflamatórios, geralmente em doses altas”.
Tomar por conta
Foi o que aconteceu com a publicitária Gabriela Mariz, 24. No último mês, ela foi a um festival de música durante três dias e, como sentia dor nas costas, tomou dois anti-inflamatórios por dia. Já na próxima semana, mesmo sentindo uma dor de garganta, tomou outra dose para aliviar os desconfortos de uma viagem de ônibus e, então, o efeito foi pior do que o desejado. “No dia seguinte, amanheci com a garganta doendo e com a boca cheia de aftas. Comecei a tratar como se fosse um problema normal de aftas e não me atentei às febres constantes.
Três dias depois, passei muito mal, fiquei com a gengiva toda inflamada, não conseguia comer nada, além da garganta cheia de aftas e a boca também. Fui direto para a emergência e me falaram que eu estava com estomatite por conta da alta dose de anti-inflamatórios”, relata.
Depois desse episódio, Gabriela conta que passou a tomar mais cuidados quando se trata de medicamentos. “As pessoas brincavam que eu era hipocondríaca, porque sempre tomei muitos remédios mas, agora, procuro evitar. De tanto me medicar, meus amigos vinham me perguntar quais medicamentos deviam tomar. Acho que as pessoas têm preguiça de ir ao médico e buscam por uma opção mais rápida. O problema é que pode virar algo maior, como o que eu tive”, alerta a jovem.
Com a possibilidade de enfrentar as longas filas nos postos de saúde ou as listas de espera dos consultórios médicos, correr até a farmácia pode parecer uma alternativa melhor. Nesses casos, pode-se usar da ajuda dos profissionais que ali estão, como explica Jackson Rapkiewicz.
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O farmacêutico lembra que, segundo a Lei 13.021/2014, as farmácias são consideradas estabelecimentos de saúde e não apenas pontos de vendas. “A farmácia passa a ser um local em que a pessoa se dirige para ter informações de saúde. Frente à queixas simples, os farmacêuticos podem indicar os medicamentos mais adequados e evitar a automedicação.
Então, esses estabelecimentos têm muito a contribuir com o sistema de saúde, atendendo os casos mais simples e, quando necessário, encaminhando os mais complexos para atendimento médico”, conclui Rapkiewicz.
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