A disputa das gangues “de cima” e “de baixo” da Vila Torres, Prado Velho, tem passado dos limites. Em menos de uma semana, dois garotos foram mortos e uma menina foi baleada ao lado do tio. De acordo com a polícia, todos foram atingidos sem motivos aparentes, a não ser a “guerra” por espaço. A Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) contabilizou, desde janeiro, 17 mortes na vila, duas em latrocínios (roubo com morte).
O tráfico, apontado por muitos como motivo principal de todos os crimes, mascara o desejo por ostentação dos jovens, sem perspectiva de futuro. Segundo moradores e ex-moradores, na Vila Torres, se mata por matar. “Há 15 anos, dificilmente você sabia quem eram os traficantes, pois tudo era camuflado, hoje em dia virou livre comércio. Cada ‘patrão’ tem sua esquina e seus funcionários. Até mulheres traficam e sabe para quê? Para colocar silicone e fazer lipoaspiração ou coloca megahair”, desabafou uma ex-moradora.
Para a moça, que pediu anonimato, há inversão de valores. “Ninguém lá entra no mundo do crime por necessidade e sim por vaidade, para ter tênis de marca, ter dinheiro para curtir balada, ir para praia em feriados, enfim, como dizem lá dentro, ostentação pura”, explicou. “Nasci e me criei na vila. Nunca passei necessidade, mas também nunca tive o que queria. Vai da educação que se tem em casa, mas também do que é feito pelas autoridades para garantir que essas pessoas tenham oportunidade”.
Segundo ela, a maioria das pessoas que moram na Vila Torres é trabalhadora, honesta e paga impostos. “Vi muitos morrerem ali dentro e posso dizer que a guerra não é por disputa de ponto de tráfico, porque todos sabem disso. Não existe isso, até porque se fosse verdade a Turma de Cima já teria invadido e tirado o poder da de Baixo, porque eles são a grande maioria”, explicou. “Como a segurança pública não consegue combater a violência em uma vila do tamanho de um ovo?”, disse.
Para a polícia, a denúncia da ex-moradora faz sentido. “O envolvimento dessas pessoas no tráfico acontece, na maioria das vezes, por causa dessa tão buscada ostentação”, avaliou o tenente Cantador, comandante da 5.ª Companhia, do 12.º BPM, responsável pela área.
Desamparados
Cantador afirma que a PM está sozinha. “Precisamos urgente do apoio da Polícia Civil, com as investigações, mas também que o Ministério Público entre em ação e nos ajude. Temos crianças morrendo”, disse.
O tenente destacou que a Justiça precisa ser mais rigorosa. De acordo com a polícia, em seis meses, mais de 15 pessoas foram presas por envolvimento em homicídios, trafico de drogas e até por porte de arma de fogo na vila. “Mas já estão em liberdade”, afirmou.
“Não é fácil entrar na vila, temos medo. Mas essa é a profissão que escolhemos para a nossa vida: salvar outras. Enquanto as autoridades continuaram se ausentando e deixando que apenas a Polícia Militar tome conta, as mortes vão continuar”, desabafou um policial, que, assim como os moradores, pediu apenas para não ser identificado. “A gente vive no limite”.
Protesto
Na quarta-feira, moradores da vila protestaram por causa da liberdade dos assassinos presos. “O que adianta a polícia prender e a Justiça soltar? Até quando vamos ter que conviver com os bandidos e com os assassinos ao nosso lado e ter que fechar a boca?”, lamentou um morador, que pe,diu para não ser identificado.
De acordo com o homem, que vive na vila há mais de 30 anos, viver tem se tornado sobrevivência. “Me criei nessa vila e antes não era assim. As coisas começaram a ficar complicadas de um tempo pra cá. Nós não vivemos mais aqui, nós sobrevivemos”, disse.
Para os novos moradores da Vila Torres, tem se tornado impossível até mesmo dormir em paz, já que em todas as noites se ouvem tiros. “Não moramos exatamente no local onde os crimes acontecem. Nunca fui assaltado, nem nunca fizeram nada comigo, mas estamos a uma quadra de onde tudo acontece”.
Cinco assassinos identificados
Investigadores da DHPP identificaram os cinco envolvidos nos dois tiroteios do fim de semana na Vila Torres. Um deles está com prisão preventiva decretada por outro homicídio no mesmo local. Os tiroteios mataram um adolescente, deixaram duas pessoas feridas, e desencadearam o fechamento da vila pela Polícia Militar.
O suspeito de matar Lutierre Rocha Brás, 15 anos, na Rua Manoel Martins de Abreu, segundo o delegado Fábio Amaro, é Gustavo Silva Lopes, 19. Ele, que já tem mandado de prisão, estava acompanhado de um adolescente de 17 anos, que também foi identificado. O motivo do crime seria a disputa entre as duas gangues.
De acordo com o delegado, há um mês, Gustavo teria matado Felipe Vicente do Nascimento, também acompanhado do mesmo adolescente. Por causa da morte de Felipe, a Justiça já teria expedido o mandado de prisão e de busca e apreensão para o garoto, mas nem Gustavo, nem o adolescente, foram encontrados.
Outro
No outro tiroteio, que aconteceu pouco antes da morte de Lutierre, três rapazes armados, entre eles um adolescente, atiraram em um Volvo azul que estava Mikaely Batista, 7 anos, e o tio, de 32. Os dois foram hospitalizados. A menina continua internada em estado grave e o tio recebeu alta ontem.
Segundo o delegado Fábio Amaro, o trio procurava por outro tio da garota, identificado apenas como Alisson. Os suspeitos abriram fogo contra o carro sem saber se o alvo estava no veículo. Os três também foram identificados.