Cláudia exibe os hematomas que ainda tem pelo corpo. |
Manchas nas pernas e nos seios ainda marcam os oito anos de convivência tumultuada da dona-de-casa Cláudia de Paula Maestrele, 26 anos, e do escrivão da Polícia Civil Claudemir Dalamarta, 52. A situação de Cláudia é semelhante à de 2,1 milhões de mulheres brasileiras, que são espancadas por seus maridos, todos os anos, e chegou ao extremo, no último dia 4 de agosto, quando Cláudia deu um fim drástico ao relacionamento, matando com quatro tiros o companheiro, que a maltratava. A cena aconteceu na garagem da residência do casal, na Rua Chile, Prado Velho. “Ele me maltratou durante oito anos e conseguiu me enterrar junto com ele”, desabafou Cláudia, que está recolhida na carceragem do 9.º Distrito (Santa Quitéria), desde a data do crime. “As agressões são como guardar todos os dias um papelzinho na gaveta. Uma hora enche a gaveta e não tem onde colocar mais”, explicou a mulher, tentando justificar seu ato de descontrole.
Por várias vezes Cláudia registrou queixas em delegacias contra o amásio, mas ele nunca foi punido ou recriminado. “Em 1997 ele quebrou meu nariz, destroncou meu pé e me entregou para o meu pai. Depois foi me buscar”, revela angustiada, contando também que saiu de casa várias vezes, mas Dalamarta ameaçava sua família, caso ela não retornasse.
Durante um mês ela ficou na “Casa de Maria”, que abriga mulheres que sofrem violência doméstica. Acabou voltando com Dalamarta quando soube que ele ameaçava sua família. Mesmo grávida, as agressões não cessaram e após o nascimento do filho do casal, hoje com dois anos e sete meses, os espancamentos não pararam. O que mudou foi o tipo de ameaças, que passaram a envolver a criança. Segundo a dona-de-casa, o agressor era alcoólatra e isso piorava a situação. “Piorou ainda mais quando ele se aposentou, há quatro meses”, salientou.
Último dia
No dia do crime, Dalamarta levantou às 2h da madrugada, segundo versão de Cláudia. “A minha enteada (filha dele) estava namorando o vizinho e ele sugeriu que nós estávamos dividindo o mesmo homem. Então apontou a arma para mim e disse: “Agora você não escapa?. Como a garota estava dormindo no chão do nosso quarto, ele disse que depois resolveria o assunto”, narrou a mulher. Depois foi até a garagem da casa, para beber. Cláudia conta que o trancou para o lado de fora e só abriu a porta às 6h, quando ele bateu para entrar. “Ele me chamou de meretriz, veio para cima de mim. Começou a afiar uma faca e deitou. Senti-me ameaçada, peguei a arma dele e acabou nisto. Estou conformada, mas muito arrependida”, revela.
Para as mulheres que são espancadas pelo marido, Claúdia dá um conselho. “Quando levar a primeira surra, procure as autoridades. Agarre-se em um centro de apoio e procure o melhor para a sua vida. Só não faça o que eu fiz. Não sou exemplo para ninguém”, concluiu.
Criminalista sustenta mudança na lei
O advogado Dálio Zippin Filho, membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defende mudança na legislação penal no que tange à violência doméstica. Segundo ele, esse tipo de violência tem que deixar de ser crime de menor potencial ofensivo. Hoje, quando a mulher denuncia que foi espancada pelo companheiro é feito um termo circunstanciado (chamado simplesmente de TC), que é encaminhado para o Juizado Especial Criminal, que costuma punir os culpados com penas de pagamento de cestas básicas, remédios para hospitais públicos, e outras do gênero. “Já existem vários projetos de lei tramitando no Congresso Nacional para mudar esta situação”, salienta o advogado, lembrando que, a cada minuto, quatro mulheres são espancadas por seus companheiros, no Brasil.
Ele salienta que o agressor doméstico convive com a vítima diariamente e não deixa de espancá-la, mesmo sendo feita queixa em delegacia, sendo que, em muitas situações, obriga a mulher a retirar o boletim de ocorrência. “No dia seguinte, ele bate novamente, até cansar. Às vezes, a vítima, cansada de apanhar, mata o marido. Também ocorre ao contrário: de tanto bater, o agressor acaba matando”, revela Zippin Filho.
Para que o problema seja resolvido é preciso a colaboração do Poder Legislativo. “São necessárias leis específicas para tratar de forma abrangente o problema da violência doméstica. Da mesma forma, há necessidade da colaboração do Judiciário, criando especializadas para dirimir as questões.” Ele argumenta que existe legislações específicas para várias parcelas da população, como o negro e o índio, mas ainda falta resolver o problema da violência que ocorre dentro de casa.
Associação defende agredidas
Há três anos, a Associação das Mulheres Donas-de-Casa (AMPAR), passou a ajudar mulheres agredidas por seus companheiros. A idéia partiu da presidente da entidade, Vera Lúcia Bartes, que também foi vítima da violência doméstica e agora usa sua experiência para ajudar outras mulheres. “Foram três anos de briga, minha auto-estima foi lá embaixo. Até que larguei meus filhos, minha casa e fui cuidar de mim”, relata Vera, que esta semana visitou Cláudia Maestreli na carceragem do 9.º Distrito Policial.
Solidarizando-se à mulher que matou o marido policial, depois de viver oito anos de agonia, Vera conta que o agressor bate e quando a mulher registra queixa em delegacia, ele a convence a retirá-la. “Cansei de ouvir: “Ele me bate hoje, amanhã me traz flores?. Mas isso nunca tem fim”, salienta, revelando que apenas 7% das mulheres agredidas registram boletins de ocorrência. Nos dois primeiros meses deste ano, 320 vítimas procuraram as delegacias no Paraná para denunciar o agressor.
Filhos
Buscando suas tristes recordações,Vera comenta que seu ex-marido a agredia na frente dos filhos, hoje com 11 e 12 anos, o que fez com que o mais novo tivesse atitudes idênticas ao pai, passando a bater na mãe e falar palavras ofensivas de baixo calão. “A criança que vê o pai agredir a mãe, seja fisica ou verbalmente, é um futuro agressor. Isto porque acha que é o correto. Até hoje meu filho mais novo tem este comportamento”, lamenta.
Ela critica a ação do governo para com as mulheres que são agredidas diariamente e procuram ajuda nas delegacias e no Judiciário. “Eu tive esta experiência. A sensação é de impunidade. Hoje ele paga uma cesta básica, amanhã doa remédios, e eu que sou agredida, ganho novas agressões”, comentou Vera, dizendo que tem uma pasta repleta de boletins de ocorrências.
A violência doméstica não ocorre somente nas famílias de baixa renda. “Quando o homem é o provedor da família, a mulher tem medo de ficar desamparada. As mais pobres tem medo de passar fome, as ricas trocam os cartões de créditos pelas agressões”, comentou. Vera avalia que nada vale mais do que a dignidade de uma pessoa e que toda mulher agredida deve buscar seus direitos. O telefone da Ampar é (41) 233-3949.