Policiais civis e militares reclamam todos os dias que a culpa da insegurança pública é do Judiciário. Argumentam que prendem um determinado sujeito por várias vezes e o juiz ‘vai lá e solta‘ em todas. Que ‘o preso vai pra audiência de custódia e menos de 24 horas depois está na rua de volta, com ou sem tornozeleira, cometendo crimes‘, e por isso se sentem desestimulados em continuar prendendo. Operadores do Direito ouvidos pela Tribuna acreditam que prisão não é a solução.
O juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes Júnior, da 1.ª Vara de Execução Penal de Curitiba, alega que o sistema penitenciário não é um órgão de segurança pública. ‘A população carcerária subiu mais de 500% nos últimos 15 anos. Estamos há mais de quatro décadas prendendo mais e mais e mesmo assim estamos cada vez mais inseguros. Por isso, é um mito dizer que a Justiça fica soltando. Precisamos de um trabalho social mais atuante. Valem mais dez assistentes sociais na rua do que um policial. Prender não resolve o problema‘, analisa.
Dados do Departamento Penitenciário Nacional revelam que, de cada dez pessoas que passam pelo sistema penitenciário, oito voltam a cometer crimes. ‘A polícia só atua depois que o crime aconteceu. Além do trabalho social mais atuante, o policiamento tinha que ser mais eficaz. Ter mais policiais nas ruas inibiria o crime‘, pondera.
Prender ou liberar?
Professor de Direito Penal e Criminologia da Universidade Positivo, Alexandre Nicoletti Hedlund também tem uma compreensão diferente do restante da sociedade. ‘A prisão não traz nenhum ganho, não ressocializa. Ela sai mais violenta e revoltada. A sociedade tem esse espírito, que cadeia deve fazer sofrer. A prisão tem que ser a última das medidas punitivas. É preciso buscar outras alternativas‘, entende Alexandre, que tem essa opinião também por conta da superlotação carcerária. ‘Se o detido não oferece risco a ninguém, não há por que mantê-lo encarcerado. Pode aguardar a finalização do processo em liberdade. A pessoa precisa ter uma chance de se regenerar. E dentro da cadeia a probabilidade é contrária‘, avalia.
Tornozeleira evita crime ou ressocializa?
A tornozeleira é concedida a pessoas em duas situações: as que já foram condenadas e evoluíram do regime fechado para o semiaberto, ou para pessoas que ainda estão respondendo a processo mas não precisariam ficar necessariamente presas. Um exemplo são casos de pessoas que cometeram pequenos furtos, em que a pena não passa de quatro anos de prisão. ‘Quando eu trabalhava nas audiências de custódia, estes casos geralmente eram de pessoas pobres que furtaram porque não tinham dinheiro para comprar. Estas pessoas não precisam de cadeia. Precisam de um trabalho social forte‘, aponta o juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes Júnior, da 1ª Vara de Execução Penal de Curitiba. Já pessoas presas por homicídio, violência doméstica ou tráfico de drogas, por exemplo, geralmente ficam atrás das grades.
O juiz ressalta que o equipamento não evita que a pessoa monitorada volte a cometer crimes. Mas, segundo ele, dificulta a má intenção. Além de a pessoa pensar duas vezes antes de perder o benefício, o grupo de criminosos se afasta do monitorado. ‘Só estamos conseguindo movimentar pessoas do regime fechado para o semiaberto por causa da tornozeleira. O equipamento está ajudando a não superlotar ainda mais o sistema carcerário, a evitar que a pessoa entre numa cadeia e se contamine com as facções criminosas. A tornozeleira ajuda a cumprir melhor o p,apel do sistema penitenciário, que é o de fazer o preso se conscientizar do erro, estudar, trabalhar, ter contato e apoio da família‘, analisa.
Em São Paulo, diz o professor de Direito Alexandre Hedlund, a tornozeleira ajudou a reduzir a quantidade de presos reincidentes de 75% para 15%. ‘A população não deve se alarmar, achando que a Justiça está dando liberdade a bandidos. A questão é outra, é a possibilidade de ressocialização que a cadeia não dá‘, alerta.
Como funciona a tornozeleira?
É como um aparelho de celular preso ao tornozelo e monitorado via GPS. O preso é acompanhado 24 horas por dia e, se tirar o equipamento, desligar, deixar descarregar por completo ou sair da área em que está autorizado circular, a tornozeleira vibra e emite sons, além de alertar a central de monitoramento. Os agentes tentam contato telefônico com o monitorado e, se não conseguem nenhum tipo de resposta ou explicação dentro de um período de tempo, o Judiciário é informado e o juiz emite novo mandado de prisão. O preso volta à cadeia.
O governo do Paraná tem um contrato de locação para a utilização de cinco mil tornozeleiras eletrônicas até 2017. Hoje, são três mil equipamentos ativos e o Estado só paga por aqueles que estão sendo utilizados.
Equipamento evita a má intenção, segundo juiz. Foto: Átila Alberti. |
De acordo com o juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes Júnior, o número de presos que tiveram o benefício suspenso, ou seja, perderam a liberdade porque cometeram algum deslize, é baixíssimo: menos de 3% dos réus. E, neste bolo de suspensões, há vários motivos, entre eles, a violação da tornozeleira.
O que é audiência de custódia?
Sempre que uma pessoa é presa em flagrante, o juiz tem que ser informado da prisão em no máximo 24 horas. Para isso, a pessoa é levada à audiência de custódia, onde o juiz vai analisar três questões: se a prisão é legal, se é necessária e adequada ao caso e se houve algum tipo de violência ou abuso por parte dos policiais que realizaram a prisão.
Segundo o professor Alexandre Hedlund, 46% dos presos que vão para as audiências de custódia são postos em liberdade provisória, enquanto respondem o processo. Outros 53% têm a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva ou temporária. Neste grupo, o juiz analisa, de forma subjetiva, se a pessoa oferece algum risco à sociedade se voltar às ruas. Acredita-se que pelo menos metade destes 53% poderia obter o benefício da tornozeleira.
No Paraná, as audiências de custódia começaram a ser realizadas em 31 de julho de 2015. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Estado é o quarto com mais audiências realizadas: 5,4 mil. Em todo o país, essa medida evitou a prisão desnecessária de mais de 45 mil pessoas.
O que é um reincidente?
Só é considerada reincidente em algum crime a pessoa que já foi condenada na Justiça (processo transitado em julgado) e volta a responder processo por outro crime. Mesmo que a pessoa responda a cinco inquéritos e dois processos, mas não tenha sido julgada por nenhum deles, por exemplo, do ponto de vista da legislação, ela não é chamada de reincidente, porque a lei considera a presunção de inocência. Ou seja, perante os olhos da lei, todos são inocentes até que haja a condenação definitiva.
Foto: Arquivo. |