Um caso de furto ocorrido no interior de uma loja de departamentos num famoso shopping center, situado na região central de Curitiba, demonstrou a falta de preparo da polícia para enfrentar situações adversas. O fato corriqueiro (furto em loja) passaria despercebido caso uma das acusadas do crime não fosse uma jovem tetraplégica, que não possui movimentos do pescoço para baixo há pelo menos três anos. Ela foi indiciada por furto juntamente com a sua dama-de-companhia – uma garota de 16 anos. Pelo que foi apurado, a adolescente teria furtado bijuterias da loja e as guardado dentro da bolsa da jovem portadora de deficiência, que tem 22 anos. O delegado Vilson Toledo abriu inquérito policial para apurar o caso, que corre no 4.º Distrito (São Lourenço).
De acordo com o pai da jovem, Júlio César do Amaral Froes, na última quarta-feira ele levou a filha tetraplégica para passear no shopping, como faz costumeiramente. Como a jovem só se locomove com cadeira de rodas especial, há necessidade da presença da acompanhante. As duas foram deixadas por volta do meio-dia no shopping para almoçar e depois fazer compras. A jovem chegou a adquirir um presente para o irmão. Entretanto, as horas seguintes se transformaram em momentos de angústia para ela.
Furto
Não há informação sobre o horário exato que as meninas foram detidas por seguranças da loja, mas acredita-se que o furto das bijuterias (avaliadas em R$ 1000,00) tenha ocorrido no final da tarde. Presume-se esse horário, porque Júlio havia combinado de pegar as jovens por volta das 18h no estacionamento do shopping. "Próximo a esse horário, minha filha tem que retirar a sonda", explicou o pai.
Júlio chegou ao local combinado e não encontrou a filha ou a dama-de-companhia. Tentou o telefone celular, mas não obteve resposta. Então, resolveu dar uma volta no shopping, mas não conseguiu encontrá-las. Diante do impasse, ele retornou para casa e continuou ligando para o telefone celular. Bastante preocupado com o sumiço das meninas, Júlio retornou ao shopping próximo das 22h, horário de fechamento do estabelecimento. Percorreu todo o lugar e conversou com funcionários, mas não obteve informações sobre o paradeiro da filha. Voltou para casa e quando pensava em iniciar buscas por hospitais da cidade, recebeu uma ligação. "Era uma pessoa informando que minha filha estava na ambulância do Samu e sendo levada para o Ciac (Centro Integrado de Atendimento ao Cidadão) no 3.º Distrito Policial (Mercês).
Descaso
Como todos sabem, pessoas portadoras de deficiências devem ser tratadas com sensibilidade e o mínimo de respeito. Mas, de acordo com Júlio, todos as pessoas envolvidas na situação (seguranças da loja, policiais militares e civis) "faltaram às aulas de boas maneiras e educação". A jovem ficou deitada em uma maca, no corredor do distrito policial, sem nenhuma assistência, à espera para ser ouvida e indiciada. Antes, porém, a filha de Júlio já havia sido ouvida na Delegacia do Adolescente, onde a dama-de-companhia ficou recolhida. "Lá, após prestar as informações, ela teve que assinar o documento com a caneta colocada em sua boca", afirmou Júlio. A menina aprendeu a utilizar a caneta e pincéis (com a boca) durante o período que passou num hospital, em Brasília.
A revolta do pai se deve à falta de respeito com pessoas portadoras de deficiência. "Demoraram horas para me avisar sobre o paradeiro da minha filha. Ela não pode ficar sozinha, porque depende de outras pessoas. Ela tinha que tomar remédios para depressão e fazer cateterismo. Mesmo assim, deixaram-na só", denunciou.
O advogado de Júlio compareceu à delegacia e está acompanhando o caso (ver box). Tanto a jovem como a dama-de-companhia foram indiciadas em inquérito e liberadas. Para Júlio, essa situação ultrapassa a questão puramente policial, tratando-se de uma questão humanitária.
"Espero apenas que outras família, que já sofrem com problemas decorrentes da deficiência dos filhos, não tenham que enfrentar o que eu passei. Peço apenas que as autoridades – que deviam estar preparadas para enfrentar todo o tipo de situação – tomem consciência que pessoas especiais necessitam de atenção e não devem ser tratadas com indiferença", finalizou.
Delegado tenta dar explicação
O delegado Toledo disse que antes de a jovem ser levada para o Centro Integrado de Atendimento ao Cidadão (Ciac), no 3.º Distrito, ela foi encaminhada pela Polícia Militar até a Delegacia do Adolescente. "Eu só tenho uma parte da história. Não sei o que a menor disse. Pelo que chegou ao meu conhecimento, a adolescente furtou vários objetos da loja, totalizando R$ 1 mil e guardou na bolsa da Karla", relatou o delegado. "A Karla admitiu que sabia e tentou persuadir a menina, que não lhe deu ouvidos. Mas a Karla tinha consciência que estava ocorrendo um furto. Só que imaginava que se fossem apanhadas só a menor iria responder pelo delito", afirmou Toledo. Ele contou que Karla e a adolescente foram abordadas quando já tinham saído da loja, com os objetos. "Vamos ter que fazer uma analise, para saber o que será feito", informou o delegado.
Advogado promete providências
O advogado Juarez Ribas Teixeira Júnior, defensor da tetraplégica Karla Karina Azambuja Froes, 22, presa sob a acusação de furto, promete entrar com uma ação de indenização por danos morais contra a loja de departamentos e o shopping, situados no Centro Cívico.
Juarez alega que sua cliente foi humilhada por funcionários da loja, que não tiveram sensibilidade nem preparo profissional para resolver a situação, em que Karla era acusada de co-autoria de furto, junto com uma adolescente de 16 anos. "A loja ainda mandou uma funcionária à delegacia, que fez chacota da minha cliente. Isso é um absurdo", salienta o defensor.