“Não houve troca de tiros depois do acidente. A versão da Polícia Militar é mentirosa. Os motoqueiros foram executados.” Esta é a afirmação de uma testemunha que presenciou todo o fato ocorrido por volta das 19h50 de terça-feira, quando dois homens foram mortos após uma perseguição policial. O depoimento prestado por essa testemunha contraria as informações fornecidas pela PM, no local da ocorrência.
De acordo com a versão oficial da polícia, os soldados Marcelo Frank e Delgado – lotados no Regimento da Polícia Montada (RPMont) – estavam em patrulhamento pela Rua XV de Novembro, com a viatura 5095, quando suspeitaram dos ocupantes da motocicleta Honda CB 450, placa LYH-0587. Na tentativa de abordagem, a dupla fugiu e os PMs deram início à perseguição e a uma suposta troca de tiros. Na esquina das Ruas Fernando Amaro com Padre Germano Mayer, no Cristo Rei, a ocorrência teve final trágico. Os motoqueiros não obedeceram à preferencial e colidiram contra o Renault Clio, ARK-9126. O carro capotou e a motocicleta caiu sobre o meio-fio. Os ocupantes da motocicleta identificados como Muriah Simião Santos, 32 anos e Rodrigo Soares Marques Schimidt, 21, foram arremessados a alguns metros de distância. Imediatamente, os policiais militares pararam para realizar a prisão. Conforme a versão deles, nesse momento, houve nova resistência dos suspeitos que teriam atirado contra os policiais. Aconteceu o revide e os motoqueiros foram mortalmente feridos. Ao serem conduzidos ao Hospital Cajuru, pela própria viatura, os dois morreram.
Outra versão
Uma testemunha, que preferiu não se identificar com medo de represálias, contou uma versão totalmente contrária sobre o fato. Ela disse que estava em seu carro, com a família, quando em sua frente ocorreu a colisão da motocicleta contra o Clio. “Os motoqueiros passaram por mim, sem atirar. O garupa não segurava nenhuma arma e estava segurando atrás da moto. Na esquina bateram no Clio e foram arremessados. Um foi parar no meio do matagal, distante 20 metros do outro”, relatou. “Na seqüência, os policiais foram até um dos motoqueiros e o dominaram.”
A testemunha desceu do carro para acompanhar a situação e prestar algum auxílio aos acidentados, pois não sabia que se tratava de abordagem. “Um PM colocou o joelho sobre o peito do homem caído. Pensei que o policial iria puxar a algema para prendê-lo, mas sacou a arma e deu dois tiros. Chegou o outro PM e disparou mais duas vezes”, contou a testemunha bastante nervosa. “Depois foram no mato e executaram o outro”, destacou.
Poucos minutos após os disparos, viaturas da PM chegaram e somente nesse momento é que os motoqueiros foram colocados em um dos carros para ser transportados até o hospital.
A testemunha faz questão de ressaltar que, em nenhum momento, os rapazes esboçaram qualquer reação e que inclusive um deles pediu para que os policiais não atirassem. “O que eles fizeram foi uma execução. Não precisavam matar. Os motoqueiros estavam caídos (devido ao acidente) e não reagiram. Os PMs estavam despreparados”, finalizou.
Mais um
Em e-mail enviado ontem à Tribuna, outra testemunha do fato confirma a versão de que não houve tiroteio e os motoqueiros foram executados. Protestando pela versão apresentada pelos PMs, o rapaz conta o seguinte: “Eu estava há uns dez metros do local. Vi quando os dois homens foram atropelados com a moto e pediram por socorro. Um dos policiais passou revista nos rapazes que estavam caídos e imóveis no chão. Depois de ter feito este processo, que durou uns três minutos, tendo chance para tirar as supostas armas, foi que o policial levantou e deu voz de comando, avisando que um dos motoqueiros estava armado (se é que ele estava armado). Ao invés de tê-lo rendido e retirado a arma, três soldados da policia alvejaram o rapaz caído sem dar chance a ele de sobreviver. Foi quando um outro policial, sem ter parado para desarmar o outro homem (se é que ele também estava armado), começou a atirar no segundo ocupante da moto, descarregando o tambor. Uns cinco minutos depois deste ocorrido, eu cheguei mais próximo dos corpos caídos e constatei que eles já estavam mortos, sem menor chance de receberem socorro; foi aí que a polícia resolveu remover os cadáveres”.
E a testemunha prossegue: “sinceramente, pelo fato ocorrido, posso informar que polícia teve uma reação inadequada. Por mais que os rapazes ocupantes da moto estivessem errados ou tivessem feito algo errado, os policiais tiraram a vida dos dois por mero prazer”.
Dupla investigação
Durante o episódio, o capitão Davi informou que foram apreendidas duas armas que estariam com os ocupantes da motocicleta. Uma pistola 380 e um revólver, calibre 38. Ambas foram encaminhadas para o 5.º Distrito Policial (Bacacheri). As armas dos policiais militares envolvidos no episódio foram recolhidas e passarão por exames de balística. Um inquérito policial militar (IPM) será aberto para averiguar responsabilidades, segundo o comandante do Regimento da Polícia Montada (RPMont), coronel Mauro Pirolo. Se forem comprovadas irregularidades na ação dos policiais, eles podem ser excluídos da polícia.
Testemunhas
No 5.º DP as investigações já iniciaram. O superintendente Peter Otávio informou que a partir de hoje começam a ser ouvidas testemunhas e, se houver fatos divergentes da versão apresentada pelos PMs, será aberto inquérito por homicídio. Ontem, foram verificados os registros e a origem das armas encaminhadas ao distrito. “Elas estão registradas em nome de um particular e de uma empresa. As vítimas não possuem nenhuma arma registrada e também não contam com antecedentes criminais”, afirmou o policial.
Outra informação apurada é que a motocicleta perseguida não apresentava irregularidades e não há registro de furto ou roubo. “O documento da moto está em nome de outra pessoa e não foi transferida ainda. Mas, o ex-proprietário disse que vendeu a moto para o Muriah Santos”, esclareceu Peter.
IPVA
O IPVA atrasado da moto é uma das hipóteses levantadas por familiares de Muriá para ele ter fugido da polícia.Pelas informações apuradas no momento da abordagem, ele retornava do trabalho -era eletricista -, levando o amigo na garupa.
Já foi solicitado ao IML a realização do exame de luva de parafina para saber se as vítimas fatais chegaram a disparar contra os PMs conforme a versão originalmente apresentada por eles.
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