A Polícia Federal (PF) prendeu ontem um tenente- coronel, cinco policiais militares e dois sem terra acusados de formar uma milícia que recebia dinheiro para patrulhamento armado e evitar que fazendas fossem ocupadas por sem terra. O tenente coronel da Polícia Militar do Paraná, Valdir Coppeti Neves, foi preso em casa, em Curitiba, sob a acusação de chefiar a quadrilha. Em Ponta Grossa, onde supostamente ficava a central da organização criminosa, a PF prendeu os policiais militares da reserva Ricardo José Derbes, José Valdomiro Maciel, João Della Torres Neto e Nereu Paschoal Moreira; o policial militar excluído Adair João Sbardella e dois sem terras – Silvana Araújo de Almeida e Carlos Ney Ferreira – que se infiltravam no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) para repassar informações para a quadrilha.
Junto com os envolvidos foram aprendidas 16 armas e muita munição, o que caracterizaria o envolvimento das pessoas com o tráfico internacional de armas – entre elas estavam revólveres calibre 38, pistola calibre 9 mm e escopetas calibre 12, fabricadas na Turquia. Os presos foram acusados também de violação aos direitos humanos.
De acordo com o superintendente da PF no Paraná, Jaber Makul Hanna Saadi, a investigação estava sendo realizada há vários meses e culminou na operação "Março Branco", comandada pela PF e realizada em conjunto com a Secretaria Estadual de Segurança Pública. Saad disse que as investigações mostram que a quadrilha era financiada por fazendeiros ligados ao Sindicato Rural de Ponta Grossa. Os fazendeiros pagavam cotas mensais pelo patrulhamento e tinham garantia de reintegração de posse imediata, caso houvesse invasão do MST.
Durante as buscas, os policias também apreenderam três veículos – Monza, Del Rey e Escort -, todos com placas de Ponta Grossa, e diversos recibos de pagamento de fazendeiros da cidade, fotografias, equipamentos de rádio e relatórios feitos pela quadrilha. Através desses materiais, a PF espera chegar ao nome de outras pessoas que participavam e financiavam o esquema.
Homicídio
O secretário de Segurança Pública do Estado, Luiz Fernando Delazari, não descarta a participação da quadrilha em homicídios no Paraná, e disse que um suposto envolvimento de juízes no caso também será investigado.
O comandante geral da Polícia Militar, Davi Pancotti, falou que a utilização de armas da PM pela quadrilha não foi descartada. Segundo ele, os trabalhos de investigação foram concentrados na região de Ponta Grossa porque o tenente-coronel preso é proprietário de terras na região. Inclusive, no ano passado, Neves foi acusado pelo MST de grilagem de terra, no caso que envolvia uma área de 35 alqueires em Palmeira, a 50 quilômetros de Ponta Grossa. Pancotti afirmou que o envolvimento do tenente-coronel, que estava na PM há 29 anos, abala a imagem e mostra a fragilidade da polícia.
No início da noite o oficial foi removido para um batalhão da corporação, onde deverá ficar recolhido. Os três outros PMs foram transferidos para o Centro de Observação e Triagem (COT), situado ao lado da Prisão Provisória de Curitiba, no Ahu.
Oficial acusado de torturas
O tenente- coronel Valdir Coppeti Neves comandou durante muito tempo o Grupo Águia, tropa de elite criada, a princípio, para combater as quadrilhas especializadas em assaltos a ônibus de turistas e sacoleiros que seguiam para Foz do Iguaçu. Mais tarde, o grupo também foi encarregado de fazer a desocupação das áreas invadidas no Estado. Atualmente, Neves respondia pela chefia de Patrimônio e Transporte da PM.
Esta não é a primeira vez que Neves se envolve com problemas relacionados aos sem terra. No ano passado, ele foi acusado pelo MST de estar grilando terras em Ponta Grossa. O tenente-coronel é dono do sítio São João, vizinho a uma fazenda da Embrapa invadida por sem terra.
O MST denunciou o militar ao Ministério Público, acusando-o de se apropriar de uma área que é do governo. No entanto, de acordo com Cláudio Dalledone Júnior, advogado de Neves, o MST invadiu o sítio do tenente coronel. "Ele tem a reintegração de posse da área mas os sem terra continuam lá", afirmou.
Além disso, Neves também é acusado de ter torturado Celina Abagge e sua filha, Beatriz Abagge, para que estas confessassem ter assassinado o menino Evandro Ramos Caetano num ritual de magia negra em Guaratuba, em 1992. Em função das torturas, mãe e filha confessaram o crime, porém acabaram absolvidas em 1998.
De acordo com o advogado Haroldo Cesar Nater – que representa Francisco Sérgio Cristofolini, um dos sete acusados de matar Evandro – apesar de haver "provas inequívocas da existência de tortura", Neves (que na época era capitão do memso Grupo Águia) nunca foi formalmente citado no processo porque sempre fugiu do comparecimento em juízo. "No entanto, ele é o único brasileiro que consta no relatório da ONU como torturador reconhecido", disse.
Com a prisão de Neves, Nater disse que vai solicitar o comparecimento dele no julgamento de Cristofolini e de Airton Bardelli dos Santos, marcado para 16 de junho. "Vamos ver se agora ele presta esclarecimento de como se deu a prisão das Abagge e, desta forma, consegue tirar as suspeitas e acusações de tortura que pesam contra ele", disse. Cristofolini e Santos são os últimos acusados a serem julgados no caso Evandro. Outros três réus foram condenados, em abril do ano passado, em júri popular.
Sindicato Rural diz estar sendo "bode expiatório"
O presidente do Sindicato Rural de Ponta Grossa, Marcos Degraf, prestou depoimento durante a tarde de ontem na PF. Ele disse que o Sindicato não tem qualquer envolvimento com a quadrilha presa na operação "Março Branco". "Sempre fomos contra a formação de milícias e nossa orientação aos filiados é de que não se armem e deixem a cargo da polícia os problemas das invasões", afirmou.
Degraf disse que houve tentativa de usar o sindicato como "bode expiatório". "Se alguém fez alguma bobagem vai ter que pagar por isso. Mas o sindicato não tem qualquer envolvimento no assunto", afirmou.
De acordo com o presidente da Sociedade Rural dos Campos Gerais, Luiz Eduardo Pilatti Rosas, há tempos ele vem alertando o governo estadual sobre o perigo de formação de milícias armadas na região de Ponta Grossa. "No início de fevereiro realizamos uma reunião com representantes rurais e a Polícia Militar para discutir a necessidade de intensificar o policiamento na região. Sempre foi unanimidade entre nós o combate às milícias. Fiquei surpreso com estas prisões envolvendo policiais e citando o Sindicato Rural. Quero crer que exista algum equívoco nesta história", disse.
Rosas afirmou ainda que desde o "Abril Vermelho" do ano passado até agora, não foi registrada nenhuma invasão de fazendas na região dos Campos Gerais. "Temos muitos roubos de tratores porque falta policiamento", disse.
Confusão
O advogado Cláudio Dalledone Júnior, contratado para defender o tenente coronel da Polícia Militar do Paraná, Valdir Copetti Neves, afirmou ter sido impedido de exercer seu direito profissional, já que não teve acesso ao cliente logo após a prisão. Dalledone só conseguiu conversar com o policial – cerca de três horas mais tarde – após recorrer à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Depois do contato, que durou cerca de meia hora, Dalledone reclamou que não pode ter uma conversa reservada com o cliente, pois tudo foi acompanhado por um policial federal. O advogado afirmou que o oficial estava muito nervoso e não adiantou qual seria o seu envolvimento no caso.
Justiça
A reportagem da Tribuna procurou o MST que disse não estar se manifestando sobre as prisões feitas pela PF. A assessoria de imprensa do movimento no Paraná disse apenas que a operação da PF comprova que a violência no campo não parte do MST e sim dos fazendeiros.