Delegado Soccio (à esquerda) recebeu a comissão e mostrou as condições da cadeia. |
A citação do livro de Jó – ?E conhecerei a Verdade e a Verdade vos libertará?-, encontrada em uma das paredes da superlotada cadeia da delegacia de Polícia de Civil de Paranaguá, está tendo para os detentos um significado bem diverso do tradicional. A cadeia possui espaço para 20 pessoas, mas estão alojados atualmente, 170 presos vivendo em condições tão precárias, que começou a se desenvolver um surto de tuberculose. Na vistoria realizada ontem no local, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, o deputado estadual José Domingos Scarpellini, afirmou que a situação é desumana e está fora de controle. ?O governo estadual precisa interditar a cadeia e fazer a remoção urgente dos detentos para outras regiões. O que está sendo praticado no Paraná é pena de morte por asfixia e disseminação de doença?, diz o deputado.
A temperatura dentro da cadeia é dez graus mais alta que fora dela e constantemente os presos ficam com problemas de saúde e precisam ser levados pela Polícia Civil para serem medicados. Nas celas entra muito pouca luz do sol e são igualmente poucas as entradas de ar. ?É um inferno de Dante?, afirmou Alex Olguerd Daniellevicz, delegado da Divisão Policial do Interior e representante da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Paraná (Sesp) na visita a Paranaguá.
Relatório e interdição
Além do representante da Sesp, a vistoria à cadeia teve o acompanhamento do juiz Roberto Antônio Massaro que representou o presidente do Tribunal de Justiça (TJ); Tadeu Marino Loyola Costa, e dos deputados Ângelo Vanhoni e Waldyr Leite. Segundo Scarpellini, o secretário de Estado de Justiça, Aldo José Parzianello, foi convidado mas não quis comparecer. ?Ele disse que o problema dos presos de Paranaguá não é dele?, afirmou o presidente da comissão.
Os detentos dizem que estão apavorados com o surto de tuberculose que se iniciou na prisão. Desde o início do ano, 15 presos foram acometidos da doença, sendo transferidos para serem tratados no Complexo Médico Penal, em Piraquara, e outros 20 estão fazendo tratamento preventivo na própria prisão, por terem entrado em contato com o bacilo, mas não terem desenvolvido a doença. Na última sexta-feira, Scarpellini fez um pedido de interdição da cadeia da delegacia de Paranaguá ao presidente do TJ. A denúncia do caso foi também feita à Anistia Internacional.
Segundo ele, na próxima semana a comissão irá publicar um relatório que será encaminhado ao TJ e ao governador Roberto Requião.
?É preciso que o poder executivo não só remova os detentos dessa prisão, mas que construa um presídio para abrigar os presos do litoral.?
Para que seja planejada a construção de uma nova prisão, Daniellevicz afirmou ser necessário, primeiramente, que o delegado de Polícia Civil de Paranaguá, Valmir Soccio, encaminhe um pedido para a Sesp. Segundo Daniellevicz, a solução poderá ocorrer através de convênio entre a Sesp e a prefeitura de Paranaguá. ?Talvez seja possível conseguirmos também ajuda do Porto de Paranaguá, que tem sido solícito aos problemas da cidade?, considerou ele.
Problema de difícil solução
O problema na cadeia da delegacia de Paranaguá é apenas mais um reflexo da pífia situação do sistema carcerário no Brasil. No Paraná, não é diferente. Segundo informou o delegado da Divisão Policial do Interior e representante da Secretaria de Estado de Segurança Publica do Paraná (Sesp) na visita à Paranaguá, Alex Olguerd Daniellevicz, o problema não poderá ser solucionado a curto prazo. ?Estamos fazendo o possível, removendo os presos doentes e submetendo os demais a exames que detectam a tuberculose. Mas não há vagas para removê-los?.
A solução, segundo Daniellevicz, é a construção de uma Casa de Custódia na região – o último projeto nesse sentido foi vetado por problemas com o terreno cedido pela Prefeitura de Paranaguá. ?A solução é a construção de uma casa de custódia. Mas sabemos que isso não acontecerá em 30, 60 dias?.
A responsabilidade pelas casas de custódia, segundo informou o delegado, é da Secretaria de Justiça. Entretanto, no caso específico da cadeia de Paranaguá, que está numa delegacia de polícia, a Secretaria de Justiça se exime de responsabilidade. Através da assessoria de imprensa, o secretário de Estado e Justiça do Paraná, Aldo Parzianello, informou que não compareceu à visitação à cadeia, na manhã de ontem, porque ?as delegacias de polícia são atribuições da Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Justiça vem se esforçando para minimizar o problema da superlotação carcerária construindo novas unidades prisionais?.
Surto faz juíza suspender audiências
Temendo o contágio, a juíza Patrícia Gomes suspendeu temporariamente as audiências com os presos em Paranaguá. O surto de tuberculose que antes acontecia somente dentro da cadeia mostra sinais de que pode sair de seus muros. Conforme o delegado de Polícia Civil de Paranaguá, Valmir Soccio, uma funcionária está afastada por ter contraído a doença.
Enquanto acontecia a vistoria ontem, os detentos reclamavam da demora da Justiça em conceder liberdade condicional e em julgar os processos. Luciano Godoi, preso por assalto, afirmou que já poderia ter sua liberdade condicional. ?Mas eu preciso de um advogado bom para me ajudar?, disse ele. Outra detenta que reclama de sua condição é Regina Salete Ribeiro de Sousa, reincidente, presa por roubar pomada e talco, que segundo ela seriam usados para tratar do filho. ?Fui presa porque não compareci à audiência. Estou aqui há meses?, afirmou ela.
Scarpellini diz que em outro lugares como Guaratuba e Umuarama também já se registrou casos de tuberculose. Segundo o delegado de Paranaguá, o grande problema no Estado é o de falta de vagas no sistema carcerário.