O Ministério da Justiça anunciou os resultados da 1.ª Conferência Nacional de Segurança Pública, que terminou na semana retrasada, em Brasília. Entre tais resultados estão, principalmente, a elaboração de anteprojetos de lei sobre pontos aprovados no encontro.
Desmilitarização da Polícia Militar (PM), defesa do ciclo completo da polícia, participação dos municípios e necessidade de melhorias no sistema penitenciário foram alguns dos destaques que devem ser encaminhados para discussão e votação no Congresso Nacional.
Considerado um norte para a política de segurança pública nacional, foi a primeira vez que, de forma organizada, o governo se propôs a ouvir o que a população quer para a área da segurança pública, com a ideia de formar um Sistema Único de Segurança Pública (Susp), a exemplo do Sistema Único da área da Saúde (SUS).
Para servir de base para a definição dessas políticas, um conjunto de dez princípios e 40 diretrizes foi aprovado, com a proposta ambiciosa de fazer nascer um novo modelo de polícia no Brasil. De acordo com o ministro da Justiça, Tarso Genro, essas propostas deverão compor o plano do governo.
O certo é que, de tanta propaganda governamental, só o tempo dirá o que realmente poderá ser implantado e modificado nos estados brasileiros para melhoria da segurança pública.
“Não acredito em mudanças radicais e nem é o caso. Essas diretrizes e princípios votados e aprovados têm que ser trabalhados de forma equilibrada, mas não devem provocar mudanças práticas imediatas”, afirma o presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Paraná e chefe da Divisão Policial do Interior da Polícia Civil, Luiz Alberto Cartaxo, que participou da conferência.
Defendido pelo Ministério da Justiça, o ciclo completo da polícia poderia garantir mais agilidade nas prisões. Por exemplo, a PM ou a Polícia Rodoviária Estadual (PRE) que fez uma apreensão continuaria com o caso de um preso, ao contrário de hoje, que é encaminhado para investigação da Polícia Civil.
Segundo os defensores da proposta, a PM passaria a se preocupar com crimes de menor potencial ofensivo, que são a maioria. Para Cartaxo, o ciclo completo é uma afronta às garantias individuais do cidadão.
“O preso seria encaminhado a uma unidade da mesma corporação policial e o que pudesse acontecer no meio desse caminho não vai ser apurado, porque vira ação mútua de proteção entre os policiais”, opina.
Outro ponto bastante discutido e que não recebe apoio do secretário da Sesp, Luiz Fernando Delazari, é a desmilitarização da PM, votado inclusive por muitos praças da PM que se sentem subjugados. Na opinião de Cartaxo, no entanto, esse processo é inevitável.
“Eu entendo que a desmilitarização é um caminho sem volta, mas que deve acontecer de forma lenta e gradual, para que não se jogue fora conceitos de disciplina da PM indispensáveis nas instituições policiais”, acredita.
Reinserção social por meio do trabalho deveria ser o objetivo
Contida na Lei de Execuções Penais, a reinserção social por meio do trabalho deveria ser o objetivo do sistema penitenciário. Efetivamente, é consenso que isso é exceção à regra no Brasil.
A situação-limite de encarceramento de presos em delegacias e penitenciárias tem forçado discussões maiores sobre o tema, que também permeou os debates da conferência nacional.
“Temos verdadeiras escolas do crime em amontoados de homens e mulheres segregados do convívio social em ambientes insalubres. Pouco se investiu em cumprimento de pena, durante muitos anos. A aprovação de um novo código de processos nos trará mais agilidade e precisamos rever nosso Código de Execu&,ccedil;ões Penais”, acredita Cartaxo.
De um lado os presos e, de outro, os policiais. A sempre presente interferência política na progressão de carreira é criticada pelos policiais, que cobram critérios mais objetivos para a ascensão profissional.
“O policial é um ser humano que vive num clima constante de estresse, sai de casa e não sabe se volta no fim do dia. Mexe com o lixo social e para isso precisa haver uma compensação”, diz Cartaxo. (LC)
Integração dos municípios
Integrar os municípios no sistema de segurança pública é uma das reformas estruturais que poderiam ser pensadas pelos estados, de acordo com Cartaxo. Sem uniformização de procedimentos, as guardas municipais dos municípios ainda não se integraram às polícias. Cada uma recebe um treinamento diferente e age de forma distinta.
Para melhorar essa integração é necessário que parta uma orientação do sistema federal. “Não adianta repassar dinheiro aos municípios para investimentos no setor, mas sim que haja participação ativa da administração local na execução dos serviços”, cobra Cartaxo.
Reestruturação também necessária nos conselhos locais de segurança pública (Consegs). “Os Consegs precisam perder sua característica clientelista e estabelecer políticas de atuação no campo da segurança pública.
A gente vê conselho preocupado em dar assistência a uma determinada delegacia, em comprar uma cozinha para um batalhão… Isso é importante, mas não é o objetivo do conselho”, avalia o delegado.
O Paraná foi o estado que mais realizou pré-conferências ao encontro nacional. Foi mais do que o dobro de pré-conferências que outros estados realizaram, de acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp).
Os principais assuntos abordados nas etapas preparatórias de todo o Brasil, que refletiam as demandas regionais, compuseram um caderno de propostas que traziam 26 princípios e 364 diretrizes que foram abordadas na conferência nacional. (LC)