Negociações esgotadas. A vítima está sob a mira de uma pistola automática, prestes a morrer. Sentada no banco de trás de um carro-passeio, de pequeno porte, a mulher rendida aguarda o desfecho da difícil situação. A seqüestradora, drogada e fora de si, assegura que apertará o gatilho a qualquer momento. A tensão é grande. O local está cercado por policiais e a aproximação é difícil.
Diante deste quadro, os policiais-alunos do Comandos e Operações Especiais (COE), que estão na reta final de um dos mais difíceis treinamentos policiais do País, tinham como missão resgatar a vítima, salvando sua vida ou, no máximo, permitindo que ocorressem ferimentos não letais. O exercício aconteceu na fria tarde de terça-feira, na Academia Policial Militar do Guatupê, em São José dos Pinhais. Alinhavando os conhecimentos obtidos até agora – seis semanas de treinamentos e aulas teóricas -, os policiais se posicionam de forma estratégica para dar fim à situação. Fire balls (bolas de fogo) são acendidas – um artefato feito com explosivos e gasolina – para distrair a seqüestradora. Com a explosão servindo de pano de fundo, o grupo de quatro policiais fortemente armado se aproxima silenciosamente e sem ser visto. Apontam as armas e atiram. A refém sai com vida. A seqüestradora morre. Tudo é fictício, mas o exercício é concluído com sucesso. Se fosse verdade, as chances de salvar a vítima seriam grandes.
Durante a instrução, tenente Valin, um dos gerenciadores do curso, explica que nem sempre uma ação tática do COE tem 100% de sucesso. ?Nosso objetivo é atingir o local de crise, salvar os reféns ou vítimas e dominar os criminosos. Usamos muita técnica e treinamento para isso. Porém, às vezes, as coisas não saem exatamente como planejamos?, afirma, salientando que o COE é acionado como última instância, quando já não há mais nada a ser feito pelos outros policiais. Então é tomar providências e torcer para que tudo dê certo. Sangue frio, raciocínio rápido e a atenção voltada única e exclusivamente para a situação, são requisitos fundamentais para atuar num ?local de crise?, como os policiais denominam a situação em que há reféns, vítimas ou bandidos escondidos.
São 13 que valem por muitos
Carregando 25 quilos em equipamentos, eles invadiram o presídio. |
Os alunos são os mesmos. Os 13 sobreviventes do curso do COE que almejam chegar ao fim do treinamento, enfrentando todas as dificuldades (que são muitas). Mas o cenário é outro. Uma ala do Centro de Detenção e Ressocialização de Piraquara, a nova cadeia que está em fase final de construção. Deverá ser inaugurada em meados de junho. Com autorização do sistema penitenciário, os policiais-alunos simularam uma invasão na unidade penal, onde passaram uma tarde inteira. Sob a orientação dos tenentes Valim – coordenador do curso – e Domingues, e diante dos olhos atentos do capitão Roberto Sampaio – comandante do COE -, o grupo mais uma vez recebeu uma carga enorme de informações, aprendendo a agir em caso de rebelião em penitenciárias.
Carregando um escudo com mais de 10 quilos, armas que pesam de 3 a 5 quilos, coletes e capacetes balísticos, e ainda outros equipamentos que podem deixar a indumentária de um policial de equipe tática com 25 quilos a mais, além do peso normal, os alunos se posicionaram e entraram em ação. Gritos, ordens, revistas, tudo treinado à exaustão, até a aprovação dos instrutores.
Antes, no período da manhã, na Academia do Guatupê, eles haviam aprendido técnicas de como se livrar de uma situação de emboscada em viatura, com simulações de equipes rendidas por assaltantes. Ainda durante a semana, aprenderam a fazer resgates em ônibus – urbanos e de viagem – em treinos no pátio do quartel da Polícia Militar, no Rebouças. Rigorosamente cobrados, foram lembrados do episódio ocorrido no Rio de Janeiro, envolvendo o ônibus 174, assaltado por um bandido drogado. O marginal ameaçava matar uma passageira mantida refém. No fim do trágico episódio, a passageira foi morta com o tiro de um policial e o assaltante, preso, acabou morrendo no interior da viatura, supostamente asfixiado. O triste exemplo serviu para salientar a importância de muito treinamento para os policiais de elite. Eles aprenderam técnicas israelenses (uma coisa quase suicida) e técnicas americanas, que são as utilizadas no Brasil. Após duas horas de treino, em apenas 15 segundos eles conseguiram invadir um ônibus – estacionado no pátio do quartel da PM – e resgatar uma fictícia refém. Para quem viu de fora, a operação foi um sucesso. Mas, do instrutor, eles receberam apenas um comentário: ?Foi mais ou menos. Dá pra fazer melhor?.
Enquanto descansam, carregam pedras
Técnicas israelenses e americanas foram usadas para livrar reféns presas dentro de ônibus. |
Dentro da ?puxada? semana de instruções, tiritando de frio e enfrentando garoa (todos reclamavam da baixa temperatura do início da semana passada, principalmente os de Mato Grosso do Sul e de Brasília), os alunos ainda passaram
por simulações de resgate em uma casa em que tinham de atirar em supostos seqüestradores e salvar um refém, além de fazer o resgate de um policial ferido no simulado tiroteio. Não há como dissociar as cenas de um filme de ação, cheio de emoções e perigos. Porém, longe do que acontece na telinha de tevê, estes homens sabem que a vida de alguém -inclusive a deles – pode depender do aprendizado de agora. Como se estivessem em situação real, não medem esforços para fazer o melhor. Ofegantes, suados, retomam os exercícios quantas vezes for ordenado pelo instrutor.
No fim de tarde, quando os trabalhos parecem que vão ser encerrados, o grupo é estimulado com a promessa de uma ?folguinha? à noite, a se preparar em cinco minutos – guardar equipamento de forma organizada e trocar de roupa – para seguir até a Academia do Noguchi, onde o mestre em Muay Tay continua a dar aulas de defesa pessoal aos esforçados policiais.
A promessa é cumprida. Eles ganham a almejada folga, mas estão tão cansados que só conseguem fazer uma coisa: dormir.
O 10 dá ?nota 10?
O aluno policial que leva o número 10 no peito é sucinto em seu comentário: ?O curso é nota 10?. Há 9 anos na Polícia Militar, o cabo Edilson Garcia, 30 anos, está lotado na Companhia de Choque, em Curitiba. Casado, pai de dois filhos, sente-se um privilegiado por poder fazer o curso que o habilita a integrar a tropa de elite da PM. ?Quero entrar para o COE. Sempre desejei isso?, diz ele, lembrando que o grande prêmio que recebeu até agora foi descobrir sua capacidade de superação pessoal. ?Aprendi
a nadar, correr, sobreviver no meio do mato. Superei-me com toda a certeza?, garante, sem esconder a satisfação do aprendizado.
Continuamos ?de olho?
A Tribuna continua a acompanhar as ações dos alunos e instrutores do COE, para poder mostrar aos seus leitores o nível de preparação que um policial de elite requer. Muitas vezes, para quem vê os policiais na rua, não é possível imaginar quantas horas de esforço e treinamento são necessárias ao longo da vida de cada um deles, para desempenhar a sua missão: promover a segurança.