Rigor da PM provoca conflitos

?A estrutura militar não se presta para lidar com problemas civis.? A afirmação é do professor de sociologia e coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê, e refere-se ao fato do militarismo reger as polícias que lidam com cidadãos civis no Brasil. De acordo com especialistas, a hierarquia e o regime excessivamente rígido do militarismo trazem prejuízos para o trabalho de segurança pública.

A Polícia Militar (PM) tem que estar preparada para mediar conflitos e não para abater o inimigo. Segundo os especialistas, este seria o princípio que deveria nortear as polícias que atuam de forma ostensiva. No entanto, segundo eles, o regime militar é feito para a guerra, onde é preciso combater o inimigo. As regras da PM são determinadas pelo Regulamento Disciplinar do Exército (RDE). Segundo Bodê, são normas ?duras e com alto grau de subjetividade?. ?A corporação demonstra o quanto tem raiz autoritária. Isso produz dois efeitos: medo e raiva?, explicou.

?Uma estrutura militar tem uma hierarquia rígida. O comando é forte e a quebra disto é falta grave para a estrutura militar?, explicou o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Renato Alves. Segundo ele, há muitos abusos de poder dentro desta estrutura, já que um inferior hierárquico não pode contestar uma ordem superior. O RDE prevê punições para os mais simples deslizes, como uniforme mal-arrumado ou cabelo mal cortado.

De acordo com o pesquisador, este autoritarismo dentro do quartel reflete no trabalho dos policiais nas ruas. ?O militar é treinado para uma situação de conflito de guerra, para que tome decisão rápida em momentos pontuais. E o Exército tem que ser assim. Mas o que acontece é aplicar no cotidiano o que é exceção. Num regime democrático, isto é prejudicial à sociedade. Eles vão para a rua como se tivessem que matar. A polícia brasileira é a que mais mata no mundo?, afirmou Alves.

Estrutura

O advogado, mestre em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito de Coimbra (Portugal) e professor de Direito Penal da Faculdades Curitiba, Eduardo Sanz de Oliveira e Silva, concorda que o sistema militar não é apropriado para lidar com civis, mas ressalta que é preciso uma mudança estrutural nas polícias, antes de se pensar em desmilitarização. ?É preciso proporcionar mais estrutura tanto para a PM quanto para a Polícia Civil?, defendeu.

Policial precisa ser bem treinado

?O policial é o primeiro contato do Estado com o cidadão. Por isso, precisa ser bem treinado, e bem remunerado, para passar isso para o cidadão. Ele tem que ter consciência do seu poder?, afirmou o advogado Eduardo Sanz de Oliveira e Silva. Segundo ele, a força deveria ser a última medida usada pela polícia. ?É preciso buscar o reconhecimento do outro. O bandido é um cidadão. Assim que cessa a violência, ele tem direitos. Mas muitos policiais o vêem como inimigo e não reconhecem estes direitos?, afirmou.

Silva explicou que, além da desmilitarização, é preciso qualificar melhor os policiais, transformando a academia em escola de nível superior até para os praças (PMs de nível hierárquico inferior, que entram na carreira por concurso público e não vestibular, como os oficiais). ?Como os PMs trabalham com a sociedade civil, deveriam ter os mesmos direitos, como sindicatos e as mesmas leis trabalhistas.?

O coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR, Pedro Bodê, defende a criação de uma nova organização, que pode ter a estética militar, como o uniforme, mas regida por um ?código democrático, moderno, sem subjetividade, para organizar e não punir?.

Defesa da hierarquia e da disciplina

Apesar de ser regido pelo Regimento Disciplinar do Exército (RDE), o tenente-coronel Jorge Costa Filho, que chefia o setor de comunicação social da PM no Paraná, afirmou que o militarismo é importante para ter o controle da polícia. ?Se hoje em dia já vemos alguns casos de crimes dentro da PM, sem este controle seria muito pior. E cobramos porque um policial militar tem que ser exemplo?, argumentou Costa, que é formado pela Academia de Formação de Oficias do Guatupê e em administração de empresas e possui vários cursos de pós-graduação na área de segurança pública.

?Imagine se a polícia pudesse fazer greve. Esse sistema significa segurança para a população?, justificou.

O tenente-coronel Sérgio Luiz Bessler, graduado pela Academia de Formação de Oficias do Guatupê e que possui diversos cursos e pós-graduação na área de segurança pública e educação, e que atualmente comanda a academia do Guatupê, defende que o treinamento militar é o protocolo da Polícia Militar, que tem como característica a postura correta. ?O militarismo se traduz em hierarquia e disciplina. E o nosso treinamento não é para guerra, mas sim para segurança pública?, garantiu.

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