Uma terra de ninguém. Assim pode-se definir uma área de fronteira. Embora potencialmente conflituosa, a área de fronteira não é, necessariamente, sinônimo de altos índices de criminalidade. Mas as cidades paranaenses de Guaíra e Foz do Iguaçu, que fazem fronteira com o Paraguai, são.
Os dois municípios estão no ranking das dez cidades mais violentas do País. Índices alcançados pelo intenso tráfico de armas e drogas, que ocasiona mortes violentas. A média de homicídios a cada 100 mil habitantes em Foz é de 98,7. Em Guaíra, 94,7. Para os padrões da Organização das Nações Unidas (ONU), uma cidade pode ser considerada segura se o índice for até 10 homicídios a cada 100 mil. Entre os municípios brasileiros com as maiores taxas médias de assassinatos entre jovens, Foz fica em primeiro lugar, com 234,8, e Guaíra em 5.º, com 191. Os dados são do Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008, divulgado pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana.
Mesmo com problemas tão conhecidos, o combate a eles parece ainda não ser claro. Para o sociólogo e coordenador do Grupo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná, Pedro Bodê, a opção policial utilizada em Foz é equivocada. ?Fez-se uma opção militarizada de segurança pública, o que configura guerra contra qualquer coisa. É impossível pensar em segurança investindo apenas em esquemas repressivos. Aí não há dinheiro que baste?, contestou. Para o especialista, tráfico se combate com inteligência, e não com guerra.
Vendo-se num impasse, os vereadores de Foz do Iguaçu chegaram a encaminhar no ano passado um requerimento ao governo estadual pedindo a intervenção da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), mas não obtiveram respostas. ?Tudo que o governador falou até hoje ficou só na promessa. Não solicitou a intervenção da FNSP ao presidente Lula e enviou uma força tarefa com pessoas que não têm conhecimento da estrutura da cidade?, reclamou o vereador e autor do requerimento Geraldo Martins (PT), referindo-se à operação Foz Segura. O vereador adiantou que na próxima semana deve apresentar um novo requerimento, para solicitar a intervenção da FNSP diretamente ao presidente.
Em Guaíra, o prefeito Fabian Vendruscolo (PT) está confiante com projetos para aumentar o policiamento. ?Solicitamos uma vara da Justiça Federal que facilite o andamento de processos e esperamos recursos estaduais para a construção de uma nova delegacia, além de reivindicar que a Polícia Rodoviária Federal se instale na cabeceira da ponte interestadual Ayrton Senna?, enumerou.
Delazari rebate críticas à Sesp
O secretário estadual de Segurança Pública e presidente do Colégio Nacional de Secretários da Segurança Pública (Consesp), Luiz Fernando Delazari, rebateu as críticas ao trabalho da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) nas cidades de fronteira com o Paraguai, dizendo que a polícia só trabalha com base em tecnologia e inteligência. ?É uma luta deste governo aplicar o efetivo com base em informações e estratégias bem traçadas, sem o amadorismo de antigamente?, afirmou.
Ainda segundo o secretário, os números de homicídios em Foz apresentaram queda de 2006 para 2007, passando de 303 para 266, o que representa redução de 12,2%. ?A Secretaria atribui esta queda à significativa ação da Operação Foz Segura, que desde outubro de 2007 trouxe melhor aplicação do efetivo e reforço policial?, apontou.
Sobre a integração dos serviços de segurança pública, Delazari disse que o Paraná tem insistido com o governo federal para que isso aconteça. ?Propus ano passado ao ministro da Defesa na época, Valdir Pires, uma maior integração entre as Forças Armadas e as polícias estaduais nas regiões de fronteira. Este é um tema prioritário para o Consesp?, disse. Para o secretário, as polícias Civil e Militar têm realizado um grande trabalho nas cidades de fronteiras no Paraná, como o Núcleo de Repressão ao Tráfico de Drogas, uma unidade das polícias Civil e Militar, que trabalha prioritariamente para prender grandes traficantes.
Para denunciar o tráfico, a população pode utilizar o Narcodenúncia, pelo telefone 181. (LC)
Limitações das leis atrapalham
A criminalidade não tem fronteiras, mas as leis sim. O julgamento de crimes relacionados a tráfico de drogas, de armas e de lavagem de dinheiro nas cidades situadas em zona de fronteira acaba prejudicado pelas limitações da lei.
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Walter Nunes da Silva Júnior, defende a criação de uma legislação que contemple essa situação específica. ?Temos entraves para fazer as comunicações processuais. Deveria ser feito um acordo internacional entre os países da Tríplice Fronteira que proporcionasse maior versatilidade ao poder judiciário?, afirmou. A idéia seria flexibilizar as regras, implementando na América do Sul algo parecido com o que existe na Europa, que é o direito comunitário. Assim, uma decisão proferida em um país passaria a valer em outro.
Uma das principais dificuldades, segundo o juiz, é que o sistema jurídico impede a extradição de brasileiros. Isso quer dizer que se um brasileiro cometer um crime no Paraguai, voltar para o Brasil e for condenado no Paraguai, a Constituição não permite que esse cidadão seja extraditado. O mesmo acontece se a situação for inversa e o criminoso for um paraguaio no Brasil. ?É um problema de difícil solução, porque teria que se mudar a Constituição e, mesmo assim, é de se debater se uma emenda poderia suprimir essa garantia que vem desde a Constituição de 1934, com os valores nacionalistas de Getúlio Vargas?, explicou. Um projeto de lei que foi encaminhado pelo Ministério da Justiça para implementar mudanças nos julgamentos de crimes em áreas de fronteira adormece nas gavetas na Câmara dos Deputados. (LC)