Ademar Costa, preso há 10 anos no Sistema Penitenciário do Paraná, passou em quatro vestibulares na metade deste ano. Ele faz parte dos 31,63% dos presos que freqüentam salas de aulas nas unidades prisionais do Estado. Esse percentual de presidiários que estudam é um dos maiores índices do Brasil. De acordo com a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania, a escolarização do interno faz parte da proposta de ressocialização, juntamente com trabalho, atendimento psicológico, social e religioso, e assistência jurídica gratuita.
Em termos de comparação, em São Paulo, 16,40% dos detentos freqüentam aulas regulares, de acordo com dados do site da Secretaria da Administração Penitenciária (http://www.sap.sp.gov.br/); enquanto o setor educacional da Secretaria da Justiça e da Cidadania do Rio Grande do Sul informou que 11% da massa carcerária estuda. No Espírito Santo, cerca de 19% dos detentos estão inseridos no programa educacional daquele estado.
De acordo com os últimos números apurados pelo Departamento Penitenciário do Paraná, dos cerca de 9.071 detentos, registrados em março, 2.869 participam de aulas nos níveis de alfabetização e nas séries da educação formal, além dos 443 que integram cursos profissionalizantes. Esses índices são relativos ao primeiro trimestre de 2006.
Vencedor
O investimento no setor educacional nos presídios faz parte da política de reinserção social do preso. ?Há um trabalho de conscientização em todas as unidades penais, sobre a importância de estudar, enquanto se cumpre a pena, já que o Poder Judiciário Estadual beneficia com a redução de um dia da pena para cada seis estudados?, explicou o secretário da Justiça e da Cidadania, desembargador Jair Ramos Braga.
Um exemplo do retorno dado por essa política é a aprovação de Ademar Costa em quatro vestibulares, realizados no meio deste ano. Com 65 anos, esse interno da Colônia Penal Agrícola (CPA) passou em primeiro lugar no curso de Direito da Faculdade Metropolitana de Curitiba (Famec), Jornalismo na Eseei (Escola Superior de Estudos), Letras, na Uniandrade, e Administração e Marketing (Faculdade Anchieta de Ensino Superior do Paraná – Faesp).
?Tentei os quatro cursos diferentes, porque não tinha certeza que passaria em algum?, comentou, modestamente, Ademar, que completou toda sua formação escolar (desde a 1.ª série do ensino fundamental até o ensino médio) no Centro de Educação Básica para Jovens e Adulto (Ceebeja) Dr. Mário Faracco, que atende todas as unidades prisionais de Curitiba e Região Metropolitana.
Com várias condenações que somaram 35 anos de pena, por estelionato, Ademar optou por cursar Direito e Jornalismo, com autorização judicial da Vara de Execuções Penais (VEP). ?Pretendo estudar Direito para me aprofundar sobre as leis, nem sempre aplicadas de forma justa, e Jornalismo para poder ter meios de informar à população de seus direitos?, justificou o detento, que cumpre pena em regime semi-aberto, prestando serviços à escola onde estudou e trabalhando com vendas.
Ele explicou que continua dormindo no alojamento da CPA e já cumpriu pena inicialmente em regime fechado na antiga Prisão Provisória de Curitiba, no Ahu, e na Penitenciária Central do Estado. ?O estudo é fundamental para a ressocialização. Quando se perde a liberdade, ganha-se tempo para fazer muitas coisas, por isso resolvi estudar?, constatou Ademar, que não considera a idade obstáculo para seguir seus objetivos. Há aproximadamente 10 anos no Sistema Penitenciário, ele diz ter perdido a esposa e o contato contínuo com seus quatro filhos. (AEN)
?Eles são criativos e interessados?, diz diretora
Há cinco anos trabalhando com educação no Sistema Penitenciário, a diretora da escola, Rosemari Carneiro Pietrochinski, tem como lema ?vale acreditar?. Para ela, assim como a maioria dos 60 professores da Secretaria de Estado da Educação que trabalham com os presos, o desafio é ensiná-los a superar as expectativas. ?Eles são muito criativos e interessados. A mudança no comportamento do interno que começa a freqüentar a sala de aula é percebida em pouco tempo. Ele se sente motivado e com esperanças de retornar à sociedade?, analisou Rosemari.
A professora Valdete Maria Saregnato coordenou os trabalhos de alunos-presos para o Festival de Arte da Rede Estudantil (Fera), da Secretaria de Educação, com o tema ?Arte no Paraná?, quando o grupo preparou uma série de trabalhos artísticos em papel, acrílico, trançado em jornal e outros materiais. ?Foram 43 trabalhos inscritos que devem ser expostos no Fera, em setembro?, detalhou Valdete. Com objetivo de despertar a consciência da situação que levou o preso a estar privado de sua liberdade, a professora de Ciências, Rosinês Ivanoski, desenvolveu um trabalho denominado ?Uma reflexão micro e macro do eu holístico no cárcere?, com cartazes que reproduzem conhecimentos gerais da matéria e identificação pessoal, exposto na escola.
Outros três detentos também cursam o nível superior, de acordo com a direção do Ceebeja, além de 410 inscritos para o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). Em Ponta Grossa, o detento L.C.B., do regime semi-aberto, passou em primeiro lugar no curso de Matemática da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), há um ano. Conforme o setor de pedagogia da unidade, ele está freqüentando as aulas com boas notas. (AEN)