O desespero de uma jovem de 20 anos em alimentar os três filhos que passavam fome foi o motivo que a levou a dividir a carceragem do 9.º Distrito Policial com outras 72 mulheres. Grávida de seis meses, ela foi presa ao furtar comida para as crianças dentro de um supermercado. Além de amargar a saudade dos filhos, que não poderão vê-la no dia das Mães, esta jovem apresenta uma gravidez de risco, agravada a cada dia vivido dentro da cadeia superlotada.
No dia 14 de abril ela foi presa em flagrante ao passar no caixa de um supermercado e tentar esconder embaixo da cestinha carne, fraldas e leite para os filhos de 7, 3 e 1 ano. Por ser reincidente no crime de furto, a jovem foi detida, e as crianças ficaram com a sogra e o marido, que trabalha como segurança e recebe R$ 17,00 por dia. Ela está no sexto mês de gestação e com o Dispositivo Intra Uterino (Diu) – método anticoncepcional – ainda em seu corpo, corre o risco de perder a criança. "O médico tentou retirá-lo, mas eu tive um princípio de hemorragia. Vamos ver até quando eu agüento", disse, sentada sobre um colchão no corredor da carceragem.
Além dela, outras sete gestantes vivem na carceragem do 9.º DP, em condições insalubres, num espaço com capacidade para 30 presas, mas ocupado por mais de 70.
A cadeia que abriga estas futuras mães é composta por seis celas e um corredor. Em algumas, de 9 metros quadrados, dormem 12 mulheres – oito em dois beliches e outras quatro no chão. Duas detentas que estão no sétimo mês de gestação ocupam uma cela maior, mas dividem o mesmo colchão. Dos seis chuveiros, apenas um tem água quente, e não existe vasos sanitários no banheiro improvisado, e sim privadas no chão (conhecidas por "boi"), onde as detentas fazem suas necessidades de cócoras. A alimentação servida é igual para todas, sem nenhum complemento alimentar às que estão grávidas. Por não haver ventilação, familiares levam ventiladores para circular o ar no local. Além disso, também não existe solário na delegacia, o que faz elas passarem meses sem enxergar a luz do sol.
Parto
O direito básico de qualquer gestante, em ter acompanhamento médico regular, é utópico na cadeia. Quando possível, elas são levadas à Unidade de Saúde do Santa Quitéria, onde são examinadas. Segundo o superintendente da delegacia, Neimir Cristóvão, quando as mulheres estão no final da gravidez ele as encaminha ao Complexo Médico Penal, em Piraquara, onde aguardam o momento do parto. Depois disso, as mães são transferidas à Penitenciária Feminina de Piraquara, que possui uma creche e permite que os filhos sejam amamentados até completarem seis meses de vida. Passado esse período as crianças são entregues aos familiares das detentas, ou, dependendo da situação, ao Conselho Tutelar. "O problema é que muitas grávidas correm risco e acabam tendo seus filhos prematuros. Quando isso acontece não dá tempo para levá-las ao complexo e as presas acabam tendo seus filhos na Unidade de Saúde", conta o policial.
A maioria das mulheres que está grávida tem outros filhos, mas assim como as demais mães recolhidas, não poderão vê-los no domingo. A superlotação e a escassez de policiais impossibilita que todas recebam visitas. Enquanto milhares de mulheres comemorarão a data recebendo o abraço dos filhos, estas amargarão o dia com a dor da saudade e da solidão.
Detentas sofrem mais de depressão
As mulheres criminosas não diferem dos homens apenas nas questões físicas e psicológicas, mas também pelos motivos que as levaram à prisão. A maioria das presas do 9.º Distrito Policial são acusadas de tráfico de drogas. Em seguida, os delitos mais cometidos são o furto e o roubo. Apenas três, das 73 detentas, estão recolhidas por homicídio.
Quando o superintendente Neimir Cristóvão foi transferido para o 9.º DP, a primeira providência que tomou foi trancá-las nas celas, uma vez que até então podiam caminhar livremente pelo corredor da carceragem. Passado algum tempo, ele percebeu que a liberdade que tinham não era desnecessária. Segundo o policial, muitas sofrem de depressão por absorverem mais o drama da privação de liberdade do que os homens. Por isso, ele voltou a autorizar a abertura das grades, trancando-as apenas durante a noite. "Quando comecei a trabalhar aqui percebi que as mulheres presas são muito diferentes dos homens. Elas sofrem mais porque absorvem com mais intensidade a solidão e estão muito mais vulneráveis às doenças", contou.
Dezenas de mulheres tomam remédios controlados para a depressão. Outras, ingerem medicamentos para a convulsão causada pela abstinência das drogas. Porém, o maior problema de saúde enfrentado por elas refere-se às questões ginecológicas. Algumas são portadoras do vírus da Aids e outras de doenças venéreas adquiridas antes de serem presas. A insalubridade do local, principalmente a do banheiro que utilizam, propicia a propagação de outras infecções, uma vez que são obrigadas a fazer as necessidades de cócoras. O xadrez já propagou surtos de tuberculose e pneumonia.
O material de higiene pessoal, como pasta de dente e absorventes são trazidos pela família, na tentativa de amenizar as condições subumanas que vivem. "Há também a questão psicológica. Se dentro de um xadrez masculino há um surto de piolho, eles raspam a cabeça e pronto. Porém, aqui, por mais que algumas autorizem o corte do cabelo, nós não o fazemos. Elas já perderam tanto, que não podemos lhes tirar a sensação de feminilidade", contou Neimir. A solução apontada para que o local não vire um caos veio das próprias presas. Cada dia uma é incumbida de fazer a faxina na carceragem – tarefa chamada ironicamente de "dia de princesa".
É desta forma que mulheres e mães pagam por seus delitos, tornando-se vítimas de um sistema falho e tão cruel quanto os crimes que cometeram.