Desrespeito aos direitos humanos dos praças (policiais que não fizeram a escola de formação de oficiais). Essa é uma das principais reclamações de alguns desses policiais que atuam na parte operacional da corporação. A comunidade do 12.º Batalhão da Polícia Militar do Paraná no site de relacionamento orkut virou alvo, no final de março, de constantes reclamações dos problemas hierárquicos que existem hoje dentro da PM. Com base nos depoimentos deixados na internet, anonimamente, a reportagem de O Estado procurou alguns praças que aceitaram falar sobre algumas dessas questões, mas também de forma anônima.
?É o coronelismo explícito. O sapato sujo ou a barba malfeita preocupa mais os oficiais do que o trabalho. Nós somos escrachados pelos oficiais?, afirmou um dos praças, que possui formação superior. Segundo os policiais, estas ?faltas sem importância? são motivo para punição. ?Eu já chorei. Eles nos humilham no quartel. Entre outras coisas, somos obrigados a fazer trabalhos de serviços gerais. E eles gritam que temos que trabalhar e, se não estamos satisfeitos, temos que pedir baixa?, contou outro praça, também com formação superior. ?Como o policial vai respeitar os direitos humanos na rua??, questionou.
Tudo isso, explicaram os praças, somado à falta de efetivo, que gera uma sobrecarga de trabalho, e à pressão normal da profissão prejudicam o trabalho do policial nas ruas. ?Isso é a demonstração da falência do sistema militar. A PM não atende hoje o princípio da eficiência?, reclamou. ?Temos que ter disciplina e hierarquia, como prega o militarismo. Mas com esse regime você tem medo do que vai fazer porque tem repressão. Nenhum policial vai desempenhar bem sob pressão?, afirmou.
Além de criticarem o corporativismo, que, segundo os praças entrevistados, muitas vezes serve para acobertar irregularidades, eles argumentam que se os oficiais trabalhassem na rua, haveria um incremento no policiamento. ?O trabalho administrativo também são os praças que fazem. Os oficiais ficam sentados o dia inteiro mandando.? ?Não queremos um sistema anarquista de polícia. Só não queremos um sistema centrista?, completou.
Os policiais reclamam que são mal preparados na formação e que durante a carreira não recebem incentivo dos oficiais para estudar. ?A instrução que consta da nossa escala não existe na prática. Existe uma série de cursos interessantes que são oferecidos somente para os oficiais. Mas nós somos o operacional da polícia?, argumentou o praça.
Questionados se há disciplina de direitos humanos no curso de formação de praças, um policial afirmou que sim. No entanto, explicou que não se ensina a essência do que são os direitos humanos, mas sim que o cidadão tem direitos e que não se pode agir de forma truculenta. ?E quando o policial vai para as aulas práticas, ouve todo tipo de xingamento, como ofensas à mãe, como ?motivação?. Então do que adianta se ele é maltratado depois??, respondeu um dos praças.
Tenente-coronel da PM nega acusações
O tenente-coronel Jorge Costa Filho, que chefia o setor de Comunicação Social da PM no Paraná, negou as acusações feitas pelos praças. Ele garantiu que depois da Constituição Federal, promulgada em 1988, a liberdade chegou dentro dos quartéis. ?Independente de qualquer coisa respeitamos a Constituição?, garantiu. Ele ainda afirmou que não é simples punir um policial, já que tem um processo administrativo democrático a ser seguido, e negou que haja desrespeito.
?Nossa estrutura administrativa é de 3% a 4% do efetivo. E muita gente que fica no quartel está baixado (de licença) com problemas de saúde. E tem efetivo travado porque não pode deixar os módulos. Para nós, era mais prático ter só o batalhão, mas a comunidade quer polícia perto?, explicou Costa Filho. O tenente-coronel negou que os praças sejam obrigados a fazer trabalhos de serviços gerais, nem mesmo como punição.
Segundo Costa, a PM atende cerca de mil ocorrências por dia. Por isso, seria impossível que muito policiais ficassem fechados dentro do quartel. ?Se tem homem dando sopa no quartel, pegamos. Nós não temos efetivo?, rebateu. A PM do Paraná tem cerca de 20 mil homens entre ativos e inativos, sendo que, segundo dados da própria Polícia Militar, cerca de 6% são oficiais.
O chefe da Comunicação Social da PM afirmou que a falta de instrução na escola é só mais uma demonstração de como está apertada, ou seja, da falta de efetivo. ?Mas a gente tenta fazer cursos de capacitação?, afirmou. Costa Filho garantiu que os praças são incentivados a estudar e que inclusive a PM possui concursos para cabos e sargentos. ?E hoje um praça tem a chance de virar oficial?, lembrou. ?O oficial tem que estar preparado também, já que vai para a área gerencial, é ele que oferece instrução para a tropa?, completou.
O comandante da Academia de Formação de Oficiais, tenente-coronel Sérgio Luiz Bessler, explicou que os oficiais são preparados para ficar na retaguarda, pesquisando, fazendo o mapa do crime. ?E tudo isso é para aplicação na rua, depois?, afirmou. Na próxima terça-feira, O Estado vai trazer uma reportagem sobre como é a formação dos oficiais e praças na academia do Guatupê.
A reportagem procurou o comandante da PM do Paraná, coronel Nemésio Xavier de França Filho, para comentar o assunto, mas foi informada pela assessoria de imprensa que ele só poderia comentar o assunto na próxima terça-feira. A assessoria de imprensa disse, ainda, que está prevista uma reunião esta semana com comandantes da PM para tratar a questão.