Foto: Chuniti Kawamura |
Lima diz que ligações com o tráfico dificultam investigação. continua após a publicidade |
Apenas 10% dos casos de homicídio acabam em condenação em Curitiba. A estimativa é do Tribunal do Júri, que realiza uma média de 15 julgamentos no mês, número considerado muito baixo pelos promotores. Levantamento informal realizado pela reportagem de O Estado constatou que, de cada dez casos de homicídios ocorridos na cidade, apenas três chegam ao tribunal e somente um deles acaba em condenação. Quando o assunto é resolução de crimes desse tipo, dados do Ministério da Justiça apontam: apenas 8% deles são resolvidos. Desta forma, a impunidade ou pelo menos a sensação dela se tornam freqüentes, não só na capital paranaense, mas em todo o País.
Outro dado alarmante é que, muito provavelmente, boa parte dos homicídios que ocorrem em Curitiba jamais terão solução. Isto porque tramitam no Centro de Apoio Operacional das Promotorias do Júri (Caop) do Ministério Público Estadual (MP) hoje pelo menos 4.670 inquéritos advindos de delegacias (sem contar as inúmeras ações penais que já estão nas Varas Criminais de Curitiba). Destes, de 2.800 não se tem nem idéia de quem possa ser o autor do crime. O promotor de Justiça que atua no Caop e que também trabalhou muitos anos no Tribunal do Júri, Paulo Sérgio Markowicz de Lima, faz uma desesperançosa e preocupante constatação. ?Estes crimes contra a vida que não sabemos quem é o autor em geral estão ligados ao tráfico de drogas. Então, neste caso ficará muito difícil encontrar testemunhas que tenham coragem de depor, de contar o que viram?, constata.
A quantidade de homicídios registrados pela polícia do Paraná é uma incógnita, uma vez que a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) não divulga dados. Nem mesmo fontes da polícia atenderam a reportagem de O Estado para dar entrevista. No entanto, no Instituto Médico-Legal (IML) de Curitiba já deram entrada nesse ano (até o dia 19 de setembro) 2.147 corpos de vítimas de morte violenta (incluindo homicídios, suicídios e acidentes de trânsito). O IML não separa apenas os homicídios. Mas dados do Ministério da Saúde apontam que ocorreram no Paraná 2.963 homicídios em 2005, último ano registrado pelo órgão. Os mesmos dados do ministério apontam ainda que a quantidade vem aumentando, a cada ano, ou seja, enquanto o índice de homicídios por 100 mil habitantes no ano 2000 era 18,60, em 2005 foi 28,87. Na opinião de Lima, para os índices de impunidade diminuírem é necessário melhorar as estruturas de investigação. ?Melhorar a polícia, dar mais poder para o MP investigar e até criar uma Vara especializada somente em crimes contra a vida?, afirmou.
Jurista diz que modelo é equivocado
Falta de estrutura investigativa da polícia, pilhas e pilhas de processos no Judiciário, problemas sociais que podem agravar a situação, modelo punitivo equivocado. Estes são os fatores e conseqüências mais comuns apontados pelos especialistas como determinantes quando o assunto é impunidade ou baixos índices de resolução de crimes contra a vida.
Na opinião do pós-doutor em Direito Penal e professor de Criminologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Juarez Cirino dos Santos, o modelo de punição que rege a polícia e o Judiciário é equivocado, uma vez que apenas aumenta ainda mais a ocorrência de crimes. Segundo ele, a violência criminal é explicada como um defeito individual da pessoa que poderá ser revertida unicamente com a punição, o que não é correto.
?É uma concepção autoritária e repressiva do Direito Penal. Explica-se a violência como se o indivíduo não fosse inserido num contexto social que acaba produzindo esse criminoso. Toda a nossa sociedade é violenta e excludente, temos uma ordem social marginalizadora e opressiva, com fome, desemprego, doenças, que acabam levando à violência social. As pessoas são o resultado disso?, afirma o professor. Para ele, a questão da criminalidade não é de polícia, mas sim de mudanças estruturais na sociedade. ?Os defeitos do sujeito não vão ser alterados pelas penas, mas sim quando mudarmos a sociedade. A punição só serve para manter as desigualdades?, analisa.
Na contramão da opinião do professor, o promotor de Justiça do Centro de Apoio Operacional das Promotorias do Júri (Caop), Paulo Sérgio Markowicz de Lima, acredita que os índices de punição muito baixos são grandes motivadores da criminalidade. (MA)
Bodê critica o modo de investigação
Além dos fatores estruturais dos mecanismos de investigação, seja da polícia ou do Judiciário, existem também os casos de crimes que acabam se perdendo no meio do caminho por falta de provas (quando o juiz desclassifica ou absolve sumariamente o réu antes mesmo de ir ao banco de um tribunal).
Para o coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da UFPR, o sociólogo Pedro Bodê, os baixos índices de solução de crimes estão ligados ao despreparo da polícia investigativa, aos precários recursos técnicos da polícia científica, entre outros fatores, como a própria violência que gera mais violência. ?As pessoas em geral clamam por Justiça, aí se endurecem as penas, mas tudo isso não produz nenhum efeito, não diminui a criminalidade?, critica. (MA)