Incomodado com a cadeirinha de criança instalada no banco traseiro de uma viatura descaracterizada, um policial formalizou, dia 10 de janeiro, denúncia à Ouvidoria Geral do Estado. “Criança também pode ser policial?”, ironizou. “Outro dia flagrei duas crianças com mamãe policial nessa mesma viatura.”
O veículo é o Renault Clio ALW-4030, que passa as tardes na Rua Barão do Rio Branco, Centro. Às 18 horas, o carro entra pelo portão do Colégio Santa Maria, no São Lourenço, onde as crianças entram. Em 20 minutos estão na garagem de Elizabeth Lemos Leal, chefe do Setor de Projetos do Grupo Auxiliar de Planejamento (GAP) da Polícia Civil. Essa é a rotina da viatura que deveria estar a serviço do cidadão, com a ciência do alto comando da Polícia Civil, conforme revela documento secreto repassado à reportagem por um informante lotado na Corregedoria.
Trâmites
A denúncia feita pelo investigador foi levada à Ouvidoria da Polícia Civil, transitou por outros dois setores até chegar ao chefe da Divisão de Infraestrutura, delegado Benedito Gonçalves Neto, depois ao corregedor-geral da Polícia Civil, delegado Paulo Ernesto Araújo Cunha, e por fim ao chefe do GAP, delegado Luciano de Pinho Tavares.
Em 17 de fevereiro Luciano pediu uma resposta a Elizabeth. Ela disse que passou a usar a viatura em maio de 2011, quando assumiu o Setor de Projetos. Ressaltou que essa e outra viatura, um Gol, estão à disposição do GAP para qualquer servidor usar quando for de “interesse laboral, mediante sempre da autorização da chefia”. Ela negou transportar crianças.
Em 24 de fevereiro, o chefe do GAP se manifestou. “Não acredito que a mesma [Elizabeth] tenha em algum momento utilizado uma “cadeirinha de criança’ na viatura, pois é uma servidora responsável, cumpridora de seus deveres, não tendo esta chefia nenhuma reclamação contra a mesma”, diz o despacho do delegado à Corregedoria.
Veículos
O delegado Luciano de Pinho Tavares usa em seu proveito próprio o Gol BBM-3153, o delegado Benedito Gonçalves Neto usa o Logan BAO-5563, o corregedor Paulo Ernesto Araújo Cunha usa o Renault Fluence ASE-7620. Assim, tudo voltou à normalidade, como revelam os seis flagrantes que a reportagem registrou de Elizabeth. A viatura continua ociosa, para as 18 horas ir buscar as crianças na escola e passar a noite na garagem de Elizabeth, numa rotina que se repete dia após dia.
Corregedoria já sabia de tudo
A Corregedoria-Geral da Polícia Civil do Paraná já havia sido informada há seis meses que viaturas da corporação eram usadas para fins particulares. O alerta foi dado por ofício pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público. Porém, nenhuma providência foi adotada.
“Há meses expedi ofício ao corregedor-geral da polícia, dizendo que nós vínhamos recebendo questionamentos ou ponderações de várias pessoas, de promotores, que veículos de uso oficial estavam sendo mal utilizados”, disse, ontem, à reportagem o coordenador estadual do Gaeco, procurador Leonir Batisti. “Isso pode configurar ato de improbidade administrativa. É verdadeiramente ilegal o sujeito pegar o carro que é profissional para levar filho ou filha para escola ou para ir à padaria”, ressaltou.
Reunião
Hoje, o governo do estado vai se reunir para tratar das mudanças no Fundo Rotativo da Polícia Civil, a verba destinada à manutenção das delegacias. “A reunião já estava marcada. Evidentemente este assunto [as viaturas em desvio de função] deve ser discutido”, disse o secretário especial de Corregedoria do Estado, Cid Vasques. Na reunião devem estar o secretário de Segurança Pública, Reinaldo de Almeida Cesar, a cúpula da Polícia Civil e outros setores administrativos do governo.
“Vamos ter que avaliar caso a caso, tentar verificar a procedência de cada denúncia”, disse o corregedor do estado. Em mensagem no Twitter na tarde de sábado quando a Gazeta do Povo já circulava em Curitiba], o delegado-geral Marcus Vinícius Michelotto, prometeu punições: “Tomarei medidas firmes com relação ao uso de viaturas com fim particular. É inadmissível”.
Reportagem: Mauri König, Diego Ribeiro, Felippe Aníbal e Albari Rosa.