Presos amontoados nas celas
são motivo de grande preocupaçãpo.

A polícia está com medo. Falta de pessoal e de infra-estrutura na Polícia Civil do Paraná desenham um quadro que vem se agravando nos últimos anos: quem deveria proteger a população hoje se limita a tentar resguardar a própria vida e nada mais. Com raras exceções – como em algumas delegacias especializadas e distritais – o que se vê são investigadores dando plantão sozinhos em delegacias da Região Metropolitana. Trancados à noite em seus quartinhos improvisados, eles torcem para que os presos, amontoados em carceragens frágeis e superlotadas, não decidam fugir ou promover uma rebelião.

Rezar e contar com a sorte é tudo que esses policiais podem fazer. Um exemplo dessa situação aconteceu na madrugada de domingo na delegacia de Campo do Tenente. Um investigador cumpria sozinho seu plantão de 24 horas quando percebeu uma movimentação ocorrendo no xadrez – que abrigava 29 homens espremidos em um espaço projetado para oito pessoas. O policial fez o que podia: correu para os fundos da delegacia e deu um tiro para o alto, na tentativa de conter o que teria se transformado em uma fuga em massa. Quatro presos – três deles já condenados pela Justiça, que deveriam estar cumprindo pena no sistema penitenciário – já tinham conseguido escapar.

Sem condições

Até agora, nenhum dos foragidos foi recapturado. Situação que se repete em praticamente todas as delegacias da Região Metropolitana – não existe condição para que os policiais saiam para cumprir mandados, buscar foragidos, colher informações. Em resumo, investigadores estão impedidos de cumprir seu papel primordial na Polícia Civil, que é exatamente investigar e elucidar casos. Por falta de pessoal, os policiais estão presos às delegacias, cuidando de presos e fazendo o trabalho burocrático de registrar ocorrências. Quando não precisam também cumprir outras funções, como fazer faxina e cozinhar – situação que a reportagem da Tribuna constatou na delegacia de Campo do Tenente e em outras da Região Metropolitana.

Interfone e vidros blindados depois de invasão na DFRV

Na capital a falta de policiais também é gritante, o que faz com que algumas poucas delegacias, por meios próprios e com a ajuda da comunidade, reforcem seus sistema de segurança. Um exemplo é a Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos, na Vila Isabel, que depois de ser invadida, em 29 de maio, blindou os vidros e foi protegida por grades. Quem entra lá para registrar queixa pode estranhar a forma de atendimento. Os plantonistas atendem às vítimas através de um vidro à prova de balas e se comunicam por um interfone. O motivo: segurança. Na carceragem há cerca de 80 presos.

Os dispositivos de proteção instalados vão além dos vidros blindados. Todas as portas e janelas receberam grades e uma delas separa a área de atendimento do resto da delegacia.

Invasão

No dia 29 de maio, três presos foram resgatados da cadeia. Os invasores, fortemente armados, entraram sem dificuldade, fazendo-se passar por vítimas de furto de carro. Quando estavam junto aos plantonistas, foi fácil rendê-los e resgatar os presos.

Cabine

Além da inibição a qualquer ação de resgate, pela dificuldade de render o plantonista, isolado em uma “cabine” a vítima que procura ajuda no horário noturno não tem acesso às outras dependências da unidade policial. Os investigadores comemoraram a mudança. “Ficou mais seguro trabalhar à noite quando o número de policiais é menor”, comentou um deles.

A grade que separa a área de atendimento em um quadrado de aproximadamente 10 m2, garante o isolamento das vítimas de furtos ou roubo de carro, no caso de uma possível rebelião dos internos. Uma mulher, que estranhou o sistema de atendimento, se conformou ao saber da quantidade de detidos na delegacia, temendo por sua própria segurança.

Investigadora faz plantão sozinha

Na madrugada do último dia 3 de maio, três presos serraram as grades da carceragem da delegacia de Campo do Tenente e fugiram. No plantão daquele dia estava apenas uma investigadora. Ela se reveza na função com outros três policiais, cada um cumprindo turno de 24 horas com folga de 48. A cada quatro dias, portanto, a cadeia onde 25 homens se amontoam fica entregue à guarda de uma mulher, sozinha. Entre os 25 presos, 15 já estão condenados pela Justiça. Seis são homicidas e dez são estupradores.

No último final de semana, a cena se repetiu. O policial de plantão conseguiu apenas evitar o pior – uma fuga em massa. Quatro presos escaparam por uma abertura nas grades de uma janela do xadrez, que dá diretamente para o quintal da casinha que serve de sede para a delegacia de Campo do Tenente. O muro do quintal tem 1,5 metro de altura – qualquer criança pula.

Execução

Entre os quatro foragidos, está o homem acusado de assassinar o advogado Edson José Ribello, de 41 anos. Ribello foi morto na última sexta-feira, a tiros, na garagem do prédio onde morava em Rio Negro – cidade a 20 quilômetros de Campo do Tenente. As características do crime levam a crer que foi uma execução encomendada. Três suspeitos foram detidos no mesmo dia, quando fugiam pela BR-116, a caminho de Curitiba: Daniel Silva de Abreu, de 29 anos, Eduardo Aparecido de Moraes, 28, e Lourival Elias dos Santos, 42.

Eduardo de Moraes ficou preso menos de 48 horas. Escapou na madrugada de domingo junto com Gilmar Alves da Cruz, condenado por estupro; Pedro Cella, condenado por furto, e Osmar Gevanildo Luís, também condenado por furto. “Não sabemos nem mesmo se este Eduardo deu o nome verdadeiro. Estava sem documentos e alegou que era analfabeto”, diz o escrivão Pedro Mesquita, que na delegacia de Campo do Tenente faz papel também de superintendente. Mesquita trabalha todos os dias, sem revezar com os colegas investigadores.

Sem delegado

O pequeno município, com menos de 6 mil habitantes, não tem delegado. O posto local da Polícia Militar conta com apenas dois homens. O titular de Rio Negro, Armando Braga, responde por três delegacias: Campo do Tenente, Piên e Rio Negro. “Parece uma cidadezinha calma, mas só este ano já tivemos quatro homicídios aqui. O pessoal bebe e se mata por qualquer desavença. E não temos condições de investigar nada – nossa função aqui é cuidar de presos e atender registros”, relata Mesquita. Difícil também é a situação da investigadora que, em seus plantões ainda dá conta de fazer faxina e cozinhar.

Todos os 25 detidos que se espremem no xadrez de Campo do Tenente são de Rio Negro. Na cidade vizinha, não há carceragem. A delegacia de Rio Negro funciona em uma casa antiga que, segundo um policial lotado na cidade, está “caindo aos pedaços”. O chão de uma das salas está cedendo. Por absoluta falta de condições, o xadrez está interditado.

Inacabada

O governo do Estado iniciou, em 1995, a construção de uma cadeia nova em Rio Negro. Depois de um ano, a obra parou e ficou abandonada até 2002, quando mais uma vez milhares de reais foram gastos para retomar a construção, que foi novamente interrompida. A obra continua inacabada e sem previsão para ser reiniciada.

Na RM, cuidado dentro do possível

Na Região Metropolitana de Curitiba a situação das delegacias chega a ser assustadora, tanto para quem trabalha nelas como para quem precisa da polícia. Carceragens lotadas e poucos policiais obrigam o reforço na segurança dos prédios e muitos cuidados na hora de atender um cidadão, principalmente à noite.

Em Pinhais, município com 60,92 km2 e 102 mil habitantes, a delegacia está localizada próxima ao centro da cidade. Lá, depois do expediente, os policiais atendem quem os procura por meio de um interfone, instalado ao lado da entrada de veículos. Enquanto a pessoa conversa através do aparelho, uma câmera mostra aos policiais o interlocutor. Caso haja a necessidade do atendimento pessoal, um botão aciona o portão eletrônico da garagem, por onde se entra para chegar ao plantão.

Em São José dos Pinhais, município com 204 mil habitantes e quase 900 km2, as condições são semelhantes. Na delegacia de Borda do Campo, reinaugurada este ano, terminado o expediente, um cartaz fixado na porta indica o telefone celular do plantonista, para casos de emergência. Aquela unidade não possui carceragem.

Na delegacia central, o sistema de segurança é semelhante ao de Pinhais. Um interfone e uma câmera de vídeo avisam aos policiais de plantão, quem está do lado de fora. Passada a primeira barreira, chega-se ao pátio de estacionamento, mas para entrar na sala de plantão, uma grade garante a segurança. A carceragem, já interditada Justiça, continua a abrigar 130 presos, que mal têm espaço para circular. A capacidade daquela cadeia é para 48 pessoas. Para cuidar deles e atender aos chamados, três plantonistas fazem o que podem. “Isso aqui é uma bomba relógio, mas estamos conseguindo controlar a situação”, avaliou um plantonista.

Insegurança

A situação não é diferente na delegacia central de Colombo, um município de quase 200 km2 de área na qual vivem 202 mil pessoas. Um pequeno cartaz na porta indica que o horário de funcionamento é das 8h30 às 12h e das 14h às 18h30, depois, só o plantão, no qual dois investigadores atendem os moradores e fazem o papel, também, de carcereiros.

Nesta unidade não há equipamentos eletrônicos e o plantonista é chamado com batidas na porta, gradeada e trancada com um grande cadeado. A pessoa que chega à delegacia é atendida através do vidro e da grade que protege a porta, que será aberta depois que o policial tiver certeza, por observação visual, que não há perigo. Somente em emergências o investigador pode sair de lá, durante o plantão. Para as demais ocorrências conta-se com o apoio da Polícia Militar. A cadeia da delegacia abriga cerca de 45 presos e os investigadores tem que fazer o serviço de limpeza das celas, para manter o ambiente com um mínimo de higiene. “A gente queria trabalhar na função para qual passou no concurso, ou seja, como investigador policial, não como ?babá? de preso”, lamentava Márcio, há 7 anos na corporação. O efetivo é de 11 profissionais, incluindo escrivães e delegado.

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