Sob a fachada de duas organizações não governamentais (ONGs) destinadas a apoiar pessoas com câncer, 16 pessoas lideravam, desde 2002, um esquema que desviava doações em dinheiro ou cheque para o bolso dos cabeças da quadrilha. Ontem pela manhã, foi feita a prisão dos suspeitos e cumpridos 31 mandados de busca e apreensão, que resultou em R$ 600 mil em dinheiro, R$ 200 mil em cheques e mais 20 veículos de luxo, além de documentos que comprovam as fraudes.
Só em 2005, a quadrilha teria arrecadado R$ 30 milhões, dos quais apenas R$ 17 milhões foram declarados no Imposto de Renda. A operação foi batizada de Pharmako e, no Paraná, foi deflagrada em Curitiba, Ponta Grossa, Londrina, Foz do Iguaçu e Maringá. Em Santa Catarina, os mandados foram cumpridos em Joinville. No Rio Grande do Sul, em Porto Alegre e São Leopoldo, e, em São Paulo, na capital e em São José dos Campos.
Investigação
A investigação, envolvendo o Grupo de Apoio a Pessoas com Câncer (Gapc) e a Associação Brasileira de Assistência a Pessoas com Câncer (Abrapec), começou há pouco mais de 30 dias e foi conduzida pelo delegado Marcus Vinícius Michelloto, da Delegacia de Estelionato e Desvio de Cargas (Dedec) do Paraná. ?Recebemos a denúncia de ex-funcionários que perceberam que praticamente 90% da arrecadação não estava sendo aplicada para o fim anunciado: ajudar pessoas com câncer?, explica.
Gapc e Abrapec tinham filiais em vários estados. |
A fraude era tão disfarçada que as duas ONGs ganharam inclusive o título de utilidade pública, concedido pela Prefeitura de Curitiba, em 2002.
Os investigadores chegaram ao nome do jornalista Arnaldo Braz, gerente o Gapc, e dos outros 15 acusados de fazer parte do esquema. O golpe consistia na arrecadação via telefone, por meio de uma empresa de telemarketing chamada Rinedi. As atendentes convenciam as pessoas a fazerem as doações e um motoboy ia buscar o dinheiro. ?Como a maioria das doações era feita em dinheiro, era fácil desviá-lo?, explica o delegado.
As investigações devem prosseguir e a Polícia Civil do Paraná acredita que a partir de agora providências sejam tomadas nos outros estados que possuem ramificações das entidades (Rio Grande do Norte, Distrito Federal, Espírito Santo e Paraíba).
Denúncias feitas. Nada apurado
(da Redação)
Em junho de 2005, a Tribuna recebeu uma denúncia a respeito das ações – até então supostamente ilegais – do Grupo de Apoio à Pessoa com Câncer (GAPC Câncer). Uma operadora de telemarketing, suspeitando que havia irregularidades na arrecadação de donativos, fez um completo relato à reportagem e pediu ajuda. O jornal apurou dados sobre o GAPC Câncer e entregou um relatório à Delegacia de Estelionato e Desvio de Cargas, que prometeu, na época, investigar. Infelizmente, as investigações não foram realizadas e, somente agora, é que os suspeitos foram desmascarados. Caso a Polícia Civil tivesse tomado as providências necessárias já naquela ocasião, milhares de pessoas deixariam de ser lesadas.
A operadora, cujo nome será mantido em sigilo, revelou que ficou uma semana trabalhando no local e, assim que desconfiou que o dinheiro arrecadado não era enviado para os doentes com câncer, achou por bem sair do emprego e fazer a denúncia ao jornal. Ela contou que cada telefonista tinha que alcançar uma meta diária de R$ 50,00, dizendo que o dinheiro arrecadado seria para ajudar 33 famílias. Eram oito mulheres trabalhando no telemarketing, comandadas por um tal de ?Sr. Paulo?, que prometia registrá-las, mas nunca o fez. A casa onde funcionava a sede, no Tatuquara, também não tinha nenhuma indicação com o nome da entidade.
Só dinheiro
De acordo com a denunciante, a entidade só aceitava dinheiro, outro tipo de donativo (roupas, cestas básicas ou remédios) eram recusados, assim como as doações de baixo valor. O motoboy só era deslocado para apanhar doações de mais de R$ 20,00 e que não fossem em endereços muito distantes da sede. Certa vez, ela se fez passar por doadora, ligando para o GAPC, para confirmar se a sua doação havia sido recebida e para onde foi destinada. O próprio ?Sr. Paulo? atendeu, disse que iria verificar e retornar a ligação, mas nunca deu qualquer satisfação.
Era sempre o ?Sr. Paulo? quem atendia aos telefonemas e também quem emitia recibos para os doadores, sem numeração de série, identificação ou endereço.
A Tribuna cobrou várias vezes da delegacia o resultado das investigações e em todas as ocasiões recebeu respostas negativas, ou seja, que nada tinha sido apurado. O jornal mantém cópias da denúncia entregue à polícia e, desde então, se preocupou em não divulgar o caso, para não atrapalhar a suposta investigação que estaria sendo realizada.