Uma megaquadrilha especializada em roubo a caixa eletrônico e envolvida em assaltos a ônibus de turismo, a residências, sequestros, homicídios e tráfico de drogas e de armas foi desmantelada durante a Operação Mercúrio, desencadeada pela Polícia Federal de Curitiba, por meio da Delegacia de Repressão a Crimes Patrimoniais (Delepat). Nas investigações, que começaram em dezembro de 2010, foram identificados 53 integrantes do grupo criminoso, que agia desde 2009 e tinha ramificações no Paraguai. Desses, 37 foram presos nesta terça-feira (24), entre eles um policial militar, estudantes universitários e pessoas com diploma de nível superior. A polícia acredita que o bando tenha obtido pelo menos R$ 5 milhões com as ações criminosas e confirmou que um dos presos é membro do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Várias pistolas, dois fuzis, mais de nove coletes balísticos, 15 veículos e quase R$ 190 mil foram apreendidos durante a operação, desencadeada no início da manhã por mais de 300 policiais federais, civis e militares, que saíram às ruas para cumprir 39 mandados de prisão. Muitos deles já estavam presos ou eram foragidos do sistema penitenciário, já condenados por homicídio, latrocínio e outros crimes. Até a noite, 27 haviam sido localizados no Paraná, oito em Santa Catarina e dois no Rio Grande do Sul. Outras duas pessoas deveriam se apresentar na sede da PF, no Santa Cândida. Além dos 18 mandados de prisão preventiva e 21 de prisão temporária expedidos pela 1ª Vara Federal Criminal de Curitiba, também foram expedidos 50 mandados de busca e apreensão nos três estados.
De acordo com o delegado Fabiano Bordignon, coordenador da ação, os presos foram localizados na região de Curitiba, Ortigueira (PR), Joinville (SC), Charqueadas e São Leopoldo (RS). Um dos chefes foi capturado em sua residência num bairro de classe média em Curitiba. Com ele, foram apreendidos sete coletes à prova de bala. Outro integrante do bando já cumpria pena no presídio no Rio Grande do Sul e dava coordenadas para os comparsas via celular e por intermédio da esposa, que também foi detida e é uma das 10 mulheres presas na operação.
Um dos procurados resistiu à prisão e disparou tiros de calibre 44 contra a equipe, sendo preso em flagrante. “É um grupo que, se faz isso com a polícia, imagina o que não faz com a população. Mas nós fomos o elemento surpresa. Eles é que foram surpreendidos pela polícia e acordaram mais cedo”, disse Bordignon, que recebeu apoio de grupos táticos como o COT (Comando de Operações Táticas) da PF, sediado em Brasília, Tigre e Coe, do Paraná, além dos GPIs (Grupos de Pronta Intervenção) da PF, sediados em Porto Alegre, Curitiba e São Paulo. Com a prisão da quadrilha, a polícia também solucionou um homicídio, confessado por um dos criminosos.
O delegado contabiliza que foram pelos menos 14 roubos a caixas eletrônicos de diversos bancos como Caixa Econômica Federal (CEF), Santander, Itaú e Sicredi cometidos no Paraná e Santa Catarina. Em maio deste ano o bando teve envolvimento no sequestro de funcionários e roubo de R$ 1 milhão do Banco Continental, em Salto del Guairá, no Paraguai. “Eles se abasteciam com fuzis do Paraguai e agiam em parceria com cidadãos paraguaios”, disse o delegado.
Já a maioria dos caixas eletrônicos roubados ficava em terminais de ônibus de Curitiba. Somente a Caixa Econômica teve um prejuízo de R$ 2 milhões, segundo estimativa da PF. “Dois roubos aconteceram no terminal do Santa Cândida, que fica a cerca de 100 metros da sede da PF”, observou o delegado.
Eclética
Ousada, dinâmica e com planos bem arquitetados, a megaquadrilha foi desmantelada no momento em que se preparava para atacar novamente. Segundo o delegado, eles estavam planejando o roubo à tesouraria de um banco em Curitiba. A especialidade da quadrilha era roubar terminais de autoatendimento bancários. Em algumas ocorrências, a polícia revela que os marginais chegavam a render os vigias. “,Eles não explodiam os caixas e os levavam inteiros. Há caso de envolvimento de vigilante no roubo”, diz o delegado.
A quadrilha ainda assaltava residências e veículos na capital e região metropolitana, além de Joinville, que eram clonados e utilizados para transporte dos criminosos. No último mês de investigação, os marginais passaram a assaltar ônibus de turismo, principalmente com destino ao Paraguai. O delegado acredita que mais de dez foram atacados por eles. “Eles gastavam muito do que roubavam e faziam capital de giro roubando ônibus e caixas eletrônicos”, supõe.
Tiroteios
Uma das investidas mais recentes do bando aconteceu no dia 6. Armados com fuzil, os marginais invadiram o ônibus cheio de estudantes que foram confundidos com sacoleiros na BR-116, em Campina Grande do Sul. Dois bandidos foram presos com fuzil e pistola após trocar tiros com a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Os marginais estavam num Dobló, um dos carros prediletos da quadrilha, que preferia agir durante a madrugada e costumava acompanhar a frequência da polícia com rádiocomunicadores. “Eles assaltavam os carros e colocavam placas clonadas. Carregavam o caixa eletrônico nos veículos e levavam para três chácaras, onde abriam o cofre e abandonavam o carro em seguida”, revelou o delegado.
A PF ainda contabiliza outras três trocas de tiros. Uma delas aconteceu em junho deste ano no Paraguai, quando a quadrilha se preparava para uma investida contra um banco. Dois criminosos foram mortos e parte do bando foi presa com fuzis e explosivos.
Perfil
Os nomes dos presos não foram divulgados, porque a PF não teve tempo de identificar todos os membros da quadrilha, já que muitos deles mal se conheciam. “Eles costumavam se comunicar por apelidos, como ‘Nego’, ‘Véio’ e ‘Gordo'”, disse Bordignon. Sabe-se que os integrantes são jovens – entre 25 e 35 anos. Muitos deles estudantes universitários e outros já diplomados. De acordo com o delegado, eles afirmaram que se envolveram no mundo do crime em busca de adrenalina. “Um dos alvos foi preso em Foz, era foragido do Mato Grosso e portava RG falso. Por isso estamos tendo dificuldade em atribuir nomes e muitos dos interrogatórios foram baseados em fotos”, adiantou. Somente por meio de exames das digitais será possível descobrir quem é quem no bando. “Agora o trabalho é de perícia. Colher impressões digitais e alimentar o banco de dados da PF, também com dados genéticos desses presos”, disse.
Pistas
Um cartão de recarga de celular esquecido num dos carros abandonados pela quadrilha foi o ponto de partida para que a PF chegasse até o bando. Na sequência, várias informações foram cruzadas, como a descrição dos marginais feitas nos diversos boletins de ocorrência registrados em delegacias. A PF também usou interceptações telefônicas para confirmar participação dos envolvidos e entender o “modus operandi” dos marginais, que se subdividiam em quatro grupos, todos agindo na região de Curitiba. “Com apoio do Ministério Público Federal e da Justiça Federal, fomos identificando um a um os 53 integrantes, mas acredito que mais gente esteja envolvida. Esperamos que os crimes violentos diminuam”, declarou.
Presos
Muitos dos presos já eram investigados em operações anteriores da PF e alguns deles já haviam sido capturados por delegacias especializadas. Ainda neste ano, a Delegacia de Furtos e Roubos (DFR) pegou parte do grupo, por assalto a residências. Outras duas pessoas foram presas pelo Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), em fevereiro, com 40 quilos de crack que foi negociado no Paraguai.
A PF informou que os presos serão custodiados sob forte esquema de segurança por agentes penitenciários federais da Penitenciária Federal de Catanduvas, da qual o delegado Bordignon foi diretor e deixou o cargo após o episódio da descoberta de bilhetes apreendidos na penitenciária ordenando ataques incendiários no Rio de Janeiro, no ano passado. Todos responderão por formação de quadrilha e poderão ser recolhidos a qualquer das quatro unidades do Sistema Penitenciário Federal.